Cálice (Chico Buarque / Gilberto Gil)
Chico Buarque e Milton Nascimento
Conversando com uma amiga, ontem (13/06), ela se espantou quando eu disse que apoiarei e participarei da greve dos professores caso essa venha ser a deliberação da assembleia dos professores da nossa seção sindical.
- Mas você não votou na Dilma? - perguntou ela.
- Sim - eu disse - e continuo acreditando que o Serra (PSDB) no governo seria um desastre para o país.
Ela votou nele e não comentou o que eu disse. No entanto, ela questionou se não seria muito cedo para começar a cobrar o governo, que está no seu início, teve pouco tempo etc.
- Votei na Dilma mas não dei carta branca a ela - redargui.
Acordei agora de madrugada e por falta de sono, pus-me, ou melhor, voltei a pensar nisso. Há um jogo de forças e de interesses muito grande a cercar os governantes. Todos dependem dos eleitores e os eleitores acham que cumpriram sua missão ao votar. A partir daí acham que quem foi escolhido governa com autonomia.
Mentira! O governo caminha entre pressões. Metade do Congresso Nacional é composta por empresários. A bancada ruralista é enorme. A bancada evangélica também tem força. As federações de empresários têm seus instrumentos vários de pressão. Além do fato de que o financiamento de campanhas é feito basicamente por empresas.
Que interesses falarão mais alto? Os dos eleitores que votam e depois se ausentam do cenário político, atuando como meros espectadores ou os dos que financiaram as campanhas e bancam os orçamentos dos grandes veículos de media?
Venho batendo na tecla de que me alegra ver os povos de diversos países irem pacificamente às ruas para mostrar sua insatisfação com a política ou a economia de seus países. Em última instância, para os que querem manter o bonito discurso da democracia, o que vai definir a situação em algum momento é o voto popular. Por isso media e capital vivem tentando embaralhar a compreensão do povo para manter o status quo, para evitar mudanças.
O que resta a nós, trabalhadores? Não temos mandato nem grana. Não temos acesso verdadeiro à grande mídia. Só o temos quando momentaneamente nossos interesses coincidem com os interesses dos grandes. Quando nosso alvo do momento é um alvo que também interessa ao embaralhamento que a mídia se propõe continuamente a fazer, na imposição de visões maniqueístas do mundo. Mas acima de qualquer possível coincidência nesse aspecto, ficam os interesses maiores do capital que lubrifica toda a máquina mediática e política.
Por isso temos que "botar o bloco na rua". Estabelecer-nos como polo de pressão, contrapondo-nos a esses interesses. O governo precisa desse contrapeso por parte dos cidadãos. Se o povo se omite, deixa seus governantes à deriva, solitário, sob pressões de interesses capitalistas desmesurados.
Para infelicidade dos políticos, eles precisam manter uma fachada democrática, e, mais infelizmente ainda, para eles, é que vão precisar dos votos do povo para continuarem a ocupar cargos eletivos.
Enquanto ficarmos hipnotizados pelo Campeonato Brasileiro disso ou daquilo, pelo JN, pela Veja, pelos jornalões etc., embalados pelo "tranquilizante" plim-plim, estaremos entregando o ouro ao bandido.
É sacanagem deixar que a Dilma se vire sozinha na cova dos leões. O povo na rua amedronta tanto empresários quanto políticos. Até por isso temos visto tanta repressão violenta das polícias a manifestações pacíficas de qualquer espécie.
O churrasquinho de Higienópolis, da gente diferenciada, foi exceção. Porque? Além de ser uma agregação espontânea e bem-humorada, sem reivindicações que contrariassem o governo ou o capital, ela ocorreu num bairro nobre de São Paulo. Lá, a polícia até ciceroneou a manifestação, fechou o trânsito etc.
No momento em que uma manifestação põe em cheque atos do governo e explicita ameaças aos direitos dos trabalhadores ou políticas falidas ou mal-feitas, a mídia fica cega e a polícia se locupleta de matar as saudades dos "velhos e bons tempos do regime militar". Desce o cassetete e joga gás lacrimogêneo, espirra pimenta, esguicha água, atira com balas de borracha (como se não doessem ou não machucassem). Não sei por qual coincidência, essa atitude policialesca contra o povo nas ruas tem sido mais marcante em Estados governados pelo PSDB.
Por isso eu digo: a Dilma precisa que nós estejamos na luta para pressioná-la a fazer o que ela provavelmente (pelos discursos e promessas) quer fazer. Se nos calarmos, nos omitirmos, nós a deixaremos sozinha, à mercê dos demais interesses que não os do povo de verdade.
Sou, portanto, favorável à mobilização da sociedade civil organizada, dos sindicatos, dos sem-terra, dos sem-teto, e tantos outros. Somos nós que votamos. Somos nós quem dá os empregos para todos esses políticos. Eles precisam nos respeitar mais, sob pena de ficarem "desempregados" na próxima eleição.
Disso eles têm medo. De que a gente acorde...
O ANDES - Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior é uma entidade séria que luta não só pela carreira docente, mas também zela pela melhoria das universidades e das políticas públicas para a educação em geral.
Se num determinado momento esse sindicato aponta para a possibilidade de greve, não o faz levianamente, mas sim após minuciosas análises do quadro de forças, dos reais riscos institucionais que estejam a pesar sobre as universidades, os docentes e a educação em geral.
A universidade pública brasileira conseguiu sobreviver à ditadura, aos governos liberais e neoliberais por força da mobilização docente. O movimento docente colocou as universidades públicas em pauta e as defendeu frente aos inúmeros ataques privatizantes e sucateadores de sucessivos governos e frente aos achaques da imprensa corrompida, que sempre buscaram desmoralizar ou desqualificar nossas lutas, tentanto jogar a opinião pública contra os professores.
Eles vão fazer tudo isso de novo, e nós sabemos disso. O discurso da competitividade, do cada um por si, vai imperar. Infelizmente vicejará até mesmo dentro das universidades, onde muitos estão a enloquecer perante as pressões das agências financiadoras de pesquisa, das avaliações institucionais de cursos, das montanhas de relatórios a serem feitos. As ideias de solidariedade, de cooperação genuína, de fraternidade e demais congêneres estão se esvaindo também dentro de muitas universidades. Talvez ainda dê tempo de se recuperar isso como horizonte onde devemos pensar juntos, mas não igual, debater, crescer intelectualmente, equipar os jovens para o exercício de verdadeira cidadania. Isso implica em gerenciar conflitos de ideais, em não desqualificar a divergência, em respeitar a diferença.
Nas diferenças e na multiplicidade de pensares está a nossa riqueza. Na mobilização contímua está a nossa força. Mudos e omissos, seremos triturados e transformados em zumbis fazedores de relatórios e tentando golpear uns aos outros por uns trocados a mais por pesquisa, por um carguinho setorial, por uma gloríola momentânea, e por aí vai. Desinflemos os egos e pensemos no conjunto maior, nos interesses atuais e futuros do patrão de todo servidor público: O POVO!
Não vou negar tinha votado em Dilma e estava arrependido com o governo dela. Seu texto me fez repensar a minha posição e que podemos ter uma posição de cobrança para com o governo sem retirar o apoio do voto.
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