sábado, 6 de agosto de 2011

Manifestações chilenas por educação pública de qualidade são reprimidas, e a violência aumenta (6ago2011)

Los hermanos (Atahualpa Youpanqui)
Mecedes Sosa


O povo chileno acordou para os resultados deletérios das políticas neoliberais de Pinochet para a educação. Exigem, com razão, educação pública, gratuita e de qualidade, com o fim dos lucros que o governo propicia à iniciativa privada com os subsídios para oferecerem vagas a estudantes de baixa renda.

No Brasil, temos um programa semelhante, louvado e decantado por muitos. O PROUNI acaba sendo essa parceria público-privado, em que a qualidade do ensino de instituições de ensino superior privadas oferecem um ensino de qualidade, via de regra, altamente questionável. Gasta-se muito de recursos públicos e o estudante tem a ilusão (e depois a desilusão) de cursar faculdade. Ao fim e ao cabo, os cursos são meros balcões de venda de diplomas, não exigindo dos estudantes um efetivo crescimento intelectual.

A solução está no aumento de vagas nas universidades públicas, com grande investimento de recursos públicos, oferecendo bolsas para alunos carentes se manterem e se dedicarem aos estudos, além de moradia estudantil e alimentação.

Sem isso, ficará valendo a enganação do "finjo que ensino e você finge que aprende". O mercado de trabalho não cai nessa conversa. Ali, seja no setor privado, seja no público, será mensurada a contribuição efetiva que os candidatos a uma vaga podem trazer para o empregador.

O mesmo raciocínio vale para aqueles estudantes "espertos", que levam os estudos "na flauta", de modo festivo e descompromissado. Depois da formatura, o bicho pega! No entanto, quem não aproveitou a oportunidade de estudar (estou falando de egressos de bons cursos de graduação) vai servir de capataz em empresas, sem condições de exigir ou lutar por melhores condições de trabalho.

Por exemplo, professores mal formados em faculdades de fundo de quintal serão os chamados "apolíticos". É claro! Estarão dando graças a Deus por terem conseguido aquele emprego, e ficarão bem quietinhos pra ver se ninguém os percebe, ou percebe suas limitações. O pior é que esses professores assume a culpa por suas limitações, sem entender que foram usados e explorados por uma instituição de ensino que nunca visou a sua boa formação, mas sim, primeiramente, os lucros.

Mais de 500 são detidos no Chile em manifestação por melhorias na educação


Desobedecendo à proibição de protestos do governo chileno, estudantes secundaristas, universitários e professores dos vários níveis escolares voltaram às ruas do Chile nesta quinta-feira (4/8), para pedir melhoras no sistema educacional.

As manifestações, consideradas ilegais pelo governo, foram duramente repreendidas pelas forças policiais. De acordo com informações divulgadas pela Agência Brasil, 552 pessoas foram detidas (sendo 284 na capital do país). Para analistas, a manifestação de quinta-feira foi a mais violenta dos últimos três meses, desde o início do movimento estudantil, em maio.

No final do mês de julho, a agência de notícias Adital esteve em Santiago, onde pôde acompanhar um pouco da efervescência estudantil e docente pelo qual passa o país. Também conversou com Valentina Quiróga, uma das fundadoras e encarregada de Políticas Educativas do Movimento Educação 2020. Confira abaixo trechos da entrevista.


Adital – Como surge o Movimento Educação 2020? Pode falar um pouco de sua trajetória?

Valentina Quiróga – O Movimento nasce em setembro de 2008 e busca impulsionar políticas públicas que mudem a cara da nossa educação e daqui a 20 anos contemos com uma educação de qualidade, com equidade para todos. Ele surge por alunos da Faculdade de Engenharia de estudantes da Universidade do Chile e Universidade Católica.

A partir de então, vários companheiros começaram a pensar que algo havia de ser feito e esse algo significou começar a ir aos meios de comunicação, e se no dia 1 éramos 20 pessoas, no dia 5 éramos 10 mil. O Movimento cresceu devido, também, a exposição midiática, e convocou cada dia mais e mais pessoas, chegando a ser em um mês 30 mil pessoas. Em conjunto a isso, nos convidaram a conversar em diversos cenários. Convidaram-nos o Ministério da Educação e a Comissão de Educação da Câmara de Deputados. Finalmente nossas propostas não foram consideradas e isso convocou ainda mais gente.

Já levamos cerca de um ano e meio sendo Fundação. Agora somos cerca de 70 mil aderentes e é um Movimento que evoluiu e já passamos por distintas etapas.

Adital – Que balanço faz, hoje, do Movimento?

Valentina Quiróga – No começo, por exemplo, teve um rechaço por parte dos professores porque a maioria dos professores no Chile é parte deste grêmio, pensaram que nossas propostas iam contra seu trabalho.

Atualmente este movimento está muito consolidado. Nós temos presença permanente no Congresso, toda semana vamos ao Congresso, estamos em conhecimento com tudo relacionado à educação no Congresso. Temos uma pessoa, um advogado com muita experiência que já trabalhou no Congresso, e que é convidado para todas as sessões. Também temos conversas permanentes com o Ministério de Educação.

Adital – Que avaliação fazem do alcance do Movimento?

Valentina Quiróga – A razão pelo qual o Movimento ganhou tanta força tem a ver com o movimento de 2006 [Movimento dos Pinguins] porque antes desta época o tema era importante, mas não era o assunto mais importante, não era o assunto que mais preocupava as pessoas, em geral, a percepção das pessoas no Chile é de que a educação não é problema.

Em termos gerais, Chile avançou muito, mas acontece que as pessoas com pouco recurso vêem que seus filhos vão a um colégio onde ganham alimentação, esta participação escolar é importante para eles porque assim as crianças e jovens não andam na rua, com alto risco de se drogarem.

Mas o tema não é se a criança esta aprendendo ou não. Para eles o fato de as crianças estarem sendo assistidas pelo colégio significava que estava melhor a educação. Portanto, justamente quando olhava as pesquisas o nível de satisfação com a educação era inversamente proporcional ao nível de recursos das famílias.

As famílias que mais recursos tinham no Chile, neste momento, eram as que mais criticavam a educação e as famílias com menos recursos eram as que se encontravam mais satisfeitas com a educação.

Adital – Você pode falar de como se deu o processo educacional no Chile?

Valentina Quiróga – Em 2006 surge o Movimento de secundaristas e finalmente significou a queda da ministra de Educação no governo da presidenta [Michelle] Bachellet, e se firma um acordo entre todos os setores. Esse acordo se materializava na Lei Geral da Educação (LEGE), que se supunha que ia revogar a Lei Orgânica Constitucional de Ensino (LOCE), que era a Lei que se firmou durante a ditadura e ainda era vigente no ano de 2006.

Além disso, com essa lei se fixa a função de legislar sobre mais dois temas: um sobre criar uma superintendência e uma agência de qualidade; e outra lei que mude a institucionalidade da educação pública.

Originalmente estes dois projetos de lei deviam ser parte da LEGE, mas nestes dois projetos de lei havia temas ideológicos que dividiam muito o Congresso e para poder definir algo rápido na educação se decidiu separar em três projetos de Lei. Finalmente se firma rapidamente a LEGE, mas como se deixou de lado dois temas das demandas dos estudantes, a lei não significou muito.

Então chegamos a 2011, se acaba de aprovar uma nova lei, que está em seu último trâmite no Congresso, depois de cinco anos. E esta lei ainda não foi apresentada. Este governo, devido a um projeto de lei que apresentou em janeiro, finalmente teve de se comprometer a apresentar este projeto em setembro deste ano. Quero dizer com isto que os estudantes realizaram as maiores manifestações que se havia visto em 2006, e estamos em 2011 e ainda não aconteceu nada.

O tema que vemos agora tem um pouco a ver com este, em 2006 se fez um grande esforço e não se conseguiu nada. Quase todo este debate se baseia na educação escolar, mas agora também se somou o tema da educação superior, e que é muito mais complexo. Chile tem uma das educações superiores mais caras do mundo, então é uma questão altamente sensível.

Adital – As mobilizações que ocorrem atualmente no Chile são expressivas. O que mudou?

Valentina Quiróga – As mobilizações atuais não somente se centram na educação, ainda que seja parte fundamental das reivindicações sociais que o povo exige. De um lado está o tema da educação secundarista, de outro está a massificação da educação superior. Além disso, se somam outros temas como as minorias sexuais, o cobre, o salário mínimo, então a razão do porquê das marchas terem adquirido tanto poder, já que somaram gente como não se via desde os anos 90.

É um tema que vai mais além da educação, é um tema de uma sociedade que reclama uma qualidade de vida, de um país desenvolvido, mas que tem recursos de um país de baixa renda. Isso também impulsionou que o povo se mobilize ainda mais.

Educação 2020 pôs um custo político, de curto prazo, para os temas de longo prazo, porque nós estamos atentos a tudo que se passa relativo à educação e isso nos deu muito poder. Temos gerado um modelo de participação cidadã em torno do tema da educação.

Nosso trabalho se centra na pressão pela mudança de políticas públicas em nível de autoridades e atores implicados, mas também mobilizando e empoderando a cidadania para que exijam a mudança.


Com informações da Adital e da Agência Brasil
Fotos - Adital e Federaración de Estudiantes Universidad de Chile

Fonte: ANDES-SN

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