Entrevista com Leonidas Vatikiotis, economista e jornalista grego, assessor do documentário "Debtocracy", publicada em espanhol no sítio Rebelión e traduzido por mim.
"No último ano e meio temos vivido um golpe de Estado da União Europeia"
Por Patricia Rivas
Rebelión
"Pergunto-me às vezes se depois destes dias obscuros na Grécia o maior dano será para a economia ou para a democracia"
Leonidas Vatikiotis é economista e jornalista. Ele trabalhou como correspondente para vários tipos de mídia em mais de 15 países e é um especialista em economia e política internacional. Eleito duas vezes para a administração da Câmara de Economia da Grécia, desde 2010 é professor universitário de Economia Política em Chipre. Em 2011 assumiu o comando do conselho científico do documentário "Debtocracy", sobre a atual crise da soberania e da dívida da Grécia.
Rebelión queria aproveitar sua presença em Madrid durante a conferência "Vivendo em dividocracia", realizada em 7 e 8 de outubro, para falar com ele sobre os desafios que o povo da Grécia enfrenta, que está diante, nas palavras de Leonidas Vatikiotis, de uma época escura, um verdadeiro golpe de Estado pela Comissão Europeia e que se traduz em altos níveis de repressão e brutalidade policial somente comparáveis aos do tempo da ditadura.
Estão os movimentos de protesto considerando a possibilidade de abandono do euro? Você não acha que esse seria um ajuste de intensidade igual, mas muito mais rápido, e que lhes permitiria recuperar a soberania sobre a sua política econômica?
Eu acho que não só na Grécia, mas em todos os países da periferia da zona do euro (falo da Irlanda, Espanha, Portugal, Itália e Grécia), o euro foi nefasto para o povo. Nós temos uma explosão de desemprego, programas de austeridade terríveis, temos a demolição do estado de bem-estar que o nossos países tinham desde o período pós Segunda Guerra Mundial. Acho que esses lugares devem deixar a zona do euro da União Europeia para o bem de seu povo.
No mês passado, eu falo sobre as conclusões da cúpula europeia de março a julho, vimos o memorando mais agressivo sobre a Grécia para que adote a política econômica da União Europeia. A cúpula da União Europeia foi um copiar e colar do primeiro memorando sobre a Grécia, que foi assinado em maio de 2010. Acho que nos próximos meses, não nos próximos anos, vamos assistir ao aumento da idade de aposentadoria, veremos o desmantelamento massivo do setor público, veremos a demolição dos acordos coletivos entre sindicatos e empregadores. Tudo isso tem o selo da União Europeia, foi decidido na União Europeia.
Por isso eu creio que as pessoas desses países - e não as classes dominantes - devem impor a saída da União Europeia, devem impor uma política monetária independente que favoreça a criação de novos empregos, que seja favorável ao povo e não aos interesses dos exportadores alemães e dos banqueiros alemães, como é o caso hoje.
O movimento de resistência na Grécia adotou deixar o euro como uma proposta?
Não. Até agora a maioria dos gregos acha que é melhor para nós para permanecer na União Europeia. Os gregos acreditavam que a participação na União Europeia, e muito mais na zona do euro, os ajudaria a melhorar suas condições de vida. Acreditavam que a União Europeia era sinônimo de estado de bem-estar, mais hospitais, mais universidades, mais escolas. E agora vem a União Europeia, e não o Fundo Monetário Internacional e diz: "têm que fechar escolas, hospitais e universidades". Estou dizendo que foi a UE, e não o FMI, porque no caso da Grécia a UE tem sido muito mais rigorosas do que o FMI. Mesmo agora, a União Europeia, Angela Merkel e outros membros da Comissão Europeia dizem quais serão as medidas de austeridade na próxima semana.
Você está apontando para a ausência de soberania em países europeus, não só na Grécia, embora talvez a Grécia seja o melhor exemplo, onde o governo não está mais dirigindo o país, mas que ele próprio é governado pelas instituições europeias e pelos banqueiros.
Na Grécia, chamamos o primeiro-ministro Papandreou de "Tsolákoglu", que foi o primeiro-ministro nomeado pela ocupação nazista de 1941 a 1942. Eu acho que esta não é uma peculiaridade da Grécia. Na Espanha também ocorre algo semelhante. Por exemplo, a proibição do déficit público decidida na Espanha é uma violação da vontade do povo espanhol. Se o povo espanhol escolher, nas próximas eleições, um partido que defenda pressupostos que produzam déficit orçamentário, isso será ilegal, porque existe uma lei que proíbe o déficit público. Acho que há um problema muito sério na União Europeia: quem decide? Creio que a classe dominante de todos os países da União Europeia deram esse direito à Comissão Europeia porque a Comissão faz melhor o seu trabalho, com mais facilidade, e sem causar grandes conflitos. Não creio que os banqueiros gregos ou as bolsas gregas devam retomar a soberania do país que foi cedida à Comissão Europeia. Acho que é hora de os povos da União Europeia retomem o poder em confronto com a classe dominante do país e da União Europeia.
A Grécia conta com uma esquerda "tradicional" forte (sindicatos e partidos de esquerda) e temos visto nas manifestações muitos jovens que, também, têm acumulado uma experiência de luta nos últimos anos. Qual é a situação? O movimento alcançou um grau de articulação e acordou algo semelhante a um programa com pontos aceito por todos?
Olha, para dizer a verdade, o movimento na Grécia não respondeu ao desafio que está diante dele. Ninguém fora da Grécia tem entendido que, no último ano e meio estamos vivenciando um golpe de Estado. A brutalidade policial só pode ser comparada com o período da ditadura de Georgios Papadopoulos, o ditador à frente da Junta de Generais entre 1967 e 1974. Quando três ou quatro pessoas se reúnem nas ruas de Atenas, a polícia as golpeia com enorme violência. Vimos nas primeiras páginas dos jornais fotos de policiais batendo em estudantes de 6, 10, 12 anos. Insisto neste aspecto porque, se você os conhecer não poderá entender o que aconteceu na Grécia.
Toda a tradição da esquerda e do movimento agora não é capaz de se sobrepor a esta política de repressão. Em maio de 2010 tivemos um incêndio em uma agência bancária que matou três pessoas. Todos nós acreditamos que aqueles que atearam fogo ao local não eram manifestantes, porque todos nós no dia seguinte tivemos que responder por quê havíamos queimado três trabalhadores no dia da greve geral.
Temos, na Grécia, um estado profundamente corrupto e não existe Estado de direito. Há violações da lei todos os dias, e a polícia não dá conta disso.
No Paquistão diz-se que, enquanto nos outros países o Estado tem um exército, no Paquistão o Exército tem um país. Na Grécia, dizemos que a polícia tem um país.
O documentário "Debtocracy" mostra o que está acontecendo na Grécia e a brutalidade policial. Por exemplo, houve casos de jornalistas gravemente ferido. No início, quando a polícia começou a bater nos jornalistas e especialmente nos fotojornalistas, estes solicitaram que a polícia lhes entregasse coletes com a palavra "IMPRENSA" escrita para os agentes não os atingisse. Nós os advertimos: não os vistam, porque pegarão vocês antes de mais ninguém. E assim ocorreu. As pessoas que levavam o distintivo de "IMPRENSA" foram os primeiros alvos da polícia, que os golpeava antes de golpear os manifestantes.
Explico isso para entender por quê o movimento não respondeu ao desafio até agora.
Vatikiotis Leonidas nos enviou esta foto, publicada pelo jornal Eleftherotypia e intitulado "A democracia nos anos do FMI".
Então você atribui à violência e à repressão que a razão pela qual o movimento não atingiu um nível maior de desenvolvimento?
Sim. É por causa da repressão do governo. A polícia atua sob as ordens do governo. Devo dizer que o vice-presidente da Grécia, Vagelis Veniselos, e ministro das Finanças, ameaçou as pessoas com colocar os tanques nas ruas. Ele disse: "Se for necessário, por que não?"
Às vezes me pergunto se depois destes dias obscuros na Grécia, o maior dano será na economia ou na democracia.
Eles contam as pessoas que foram feridas ou presas?
Sim, é claro. Há jornalistas conhecidos que perderam a audição por disparos de bombas de fumaça feitos pela polícia. Há muitas investigações sobre a atuação policial, mas nada acontece.
Há uma relação muito estreita entre os meios de comunicação de grande circulação, a polícia e o governo, que carece de toda legitimidade. O governo do PASOK agora na pesquisa Gallup tem uma aceitação de 10-15%. Há outros resultados de pesquisa publicados que dão até mesmo números inferiores a esses.
Portanto, há um governo sem legitimidade e ao mesmo tempo o movimento não tem uma plataforma política que articule propostas...
Sim, existem plataformas. Esqueci de mencionar antes que um papel muito negativo dentro do movimento foi desempenhado pelos sindicatos do sector privado (GSEE), que tem apoiado o Governo e não teve nenhum protagonismo para rejeitar a política de cortes. Eles não dizem "nós não pagamos, não devemos", como é afirmado em todos os lugares e por todas as pessoas que estão lutando na Grécia.
Qual tem sido o diálogo entre a esquerda tradicional e da esquerda que emergiu do próprio movimento, na luta?
Não há boas relações, porém não há nenhuma inimizade. Nas greves serão vistos a esquerda clássica, os estudantes, as pessoas das praças, todos juntos. Há algumas pequenas seitas, mas quem se importa?
Há canais de comunicação entre estes setores?
É claro. Devo dizer que no mês de maio, quando emergiu o primeiro movimento de indignados nas praças, a mídia mais conservadora, que defende as medidas de austeridade do FMI e da União Europeia, disse: "Viva as praças", e disse que o futuro pertence às praças, e não à esquerda, não a estudantes ou trabalhadores. Porque queriam caracterizar o movimento de indignados como sendo contrário à política. Mas quando o movimento das praças continuou na luta na segunda ou terceira semana, já estava exigindo a saída do FMI e da União Europeia. Politizou-se muito rápida e naturalmente, sem influências externas e sem invasões pelas organizações políticas de esquerda. De maneira fisiológica e com grande naturalidade, as pessoas que acudiam às ruas diziam "Não às medidas de austeridade, queremos um sector público forte que sirva aos interesses do povo, queremos mais hospitais e não cortes de gastos sociais, etc" .
Peço o seu ponto de vista, deixando de lado o que nós gostaríamos que acontecesse.Qual você acredita que seja o futuro próximo da Grécia?
O futuro próximo, se a deixarmos sozinha, será uma época obscura. O futuro imediato é uma suspensão de pagamentos. A Alemanha e os banqueiros decidiram nos impor a falência. À primeira vista, parece muito bonito, porque o que faz a suspensão dos pagamentos? Significa corte horizontal dos títulos da dívida grega para 50%. Então você poderia pensar: qual é o problema? Isso suporia uma grande redução da dívida grega. Mas é precisamente o oposto do que queremos, porque o diabo está nos detalhes. E os alemães reduzirão nossa dívida em condições muito estritas, que são: primeira Zona Econômica Especial, ou seja maquiladoras. Exatamente o que acontece na Guatemala, em Honduras, no México. Querem nos impor um regime sem impostos, sem leis trabalhistas, sem protecção do meio ambiente. Isso é o começo: as zonas econômicas especiais. Em segundo lugar, impor-nos-ão um programa de privatização maciça no valor de 50 bilhões de euros: eles querem pôr à venda não somente bens públicos, como as empresas de água, energia, telecomunicações, portos, aeroportos, etc, mas mesmo ilhas montanhas... qualquer coisa que seja propriedade pública. Em terceiro lugar, novas medidas de austeridade. Até agora, o Governo demitiu 200 mil funcionários públicos, desde outubro de 2009, dos quais a maioria são professores, enfermeiros, médicos, trabalhadores municipais, empregados de limpeza, etc. Ressalto isso porque se trata de serviços com um enorme impacto sobre a sociedade. Isso vai se voltar contra nós em nossa vida cotidiana. Na semana passada decidiram despedir até o dia 31 dedezembro próximo mais 30 000 servidores públicos. E estou certo de que a eles se seguirão dezenas de milhares mais, porque há grandes déficits. As medidas de austeridade causam recessão, a recessão causa déficit, e o que diz a União Europeia? "Eles têm déficit: demitam funcionários públicos." É um círculo sem saída.
Rebelión publcou este artigo com a permissão da autora mediante uma licença de Creative Commons, respeitando sua liberdade para publicá-lo em outras fontes.
Nota dos Editores:
Recebemos esta nota de José Daniel Fierro, que queremos compartilhar com nossos leitores:
"Num dia como o de hoje, há 75 anos, em 14 de outubro de 1936, chegaram as primeiras 500 Brigadas Internacionais em Albacete para defender os trabalhadores da Republica. Se ventilaram cifras de que chegaram a ser entre 30 000 e 60 000 voluntários anti-fascistas de mais de 53 países que passaram a fazer parte das Brigadas.
Hoje começamos em Atenas o segundo dia de paralisação total no transporte (aqui não há serviços mínimos), faz 10 dias que os lixeiros não trabalham, os operários de aduanas vão parar por seis dias de greve; estivadores, funcionários do ministério da cultura, e um sem-número de trabalhadores em outros setores sairão à rua ou pararão também hoje à espera da greve geral de 48 horas que paralisará o país na próxima quarta e quinta-feira. Todos contra o capitalismo. Eles não passarão "
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