quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Será que Lula desmontou a magnífica estrutura do SUS montada por FHC-Serra? (3nov2011)

Querelas do Brasil (Aldir Blanc / Maurício Tapajós)
Quarteto em Cy


Lembro-me de ter lido, há alguns anos, sobre o Professor Florestan Fernandes. Ele foi professor de FHC na USP. Foi preso em 1964 por reclamar pelo tratamento dado pela polícia a seus colegas. Foi cassado e "aposentado" da USP em 1969. Foi para os Estados Unidos, onde, o "comunista" foi acolhido e foi professor nas universidades de Columbia e Yale.

Transcrevo abaixo alguns parágrafos de postagem de Sérgio de Moraes Paulo em seu blog O Palpiteiro (é um ótimo depoimento do autor, que pode ser visto na íntegra do texto aqui), datada de 10 de abril de 2007.
Florestan voltou ao Brasil, mas não à USP. Foi dar aula na PUC. A USP reconheceu mais tarde o valor do professor e o homenageou como “professor emérito”, título que poucos podem ter. A recém-inaugurada biblioteca de Ciências Humanas da USP fez uma exposição sobre Florestan, que dá nome ao novo prédio. Numa das fotos da exposição, uma linda e simbólica foto de Florestan abraçando o amigo Aziz Ab’Saber por ocasião do título de professor emérito.
Florestan se elegeu deputado pelo PT em 1986. O mesmo Florestan que antes, em 1977 foi dar aula em Yale, Universidade que forma a elite dos EUA. Aquela por onde andaram Bil Clinton e o tal George W. Bush. Florestan não servia para a ditadura, mas serviu para Yale... Como deputado, foi uma das referências para a elaboração da nossa Constituição. Os embates foram fortes e o professor funcionava como uma bússola em meio a tantas leis e projetos.
Mais tarde, Itamar Franco deu uma honraria da República, reconhecendo o valor de Florestan. Florestan apoiou Lula em 1994, mas quem levou a presidência foi seu antigo aluno, agora “FHC”. Para ele, Fernando. Florestan foi implacável nas críticas a Fernando. Fernando, agora FHC, sabia a profundidade e o alcance de cada uma delas. Florestan estava velho e doente do fígado. FHC deixou as divergências políticas de lado. Propôs a Florestan que se tratasse nos EUA. Deixou claro que o professor tinha esse direito, dada a prerrogativa da honraria que Itamar o havia concedido.
Florestan agradeceu e mandou dizer que era apenas um funcionário público como outro qualquer. Sugeriu que Fernando melhorasse a saúde pública brasileira, de modo que qualquer cidadão pudesse dignamente ser tratado no próprio país. Florestan foi operado e morreu. Morreu em agosto de 1995, com a dignidade que poucos no Brasil podem até hoje sustentar. Morreu digno e coerente ao que defendia. O professor Florestan era muito mais do que um garçom diferente: era um brasileiro diferente na suas atitudes e na sua importância. Até hoje pode ser considerado uma bússola...
Vejam que o texto foi escrito há quatro anos, e portanto não tem motivação  no que acontece hoje com o ex-presidente Lula.

Em termos sociais, Lula fez muito pelo país, e isso não há como negar. O problema com seu governo é que ele teve que administrar entre o fogo da mídia porta-voz da elite e as reais necessidades da população. Sem ser radical em suas providências administrativas, produziu avanços consideráveis na economia e na redistribuição de renda. Reduziu as desigualdades. Tirou muitos milhões de famílias da pobreza ou da miséria. Ampliou em muito o acesso da população a medicamentos gratuitos. Mas não pôde radicalizar em setores que, durante o choque de gestão tucano, haviam sido transmudados de direitos do cidadão para mercadoria. Saúde e educação passaram a ser fonte de renda para essa elite que adora FHC. Mercadorias. Desfazer isso implica e implicará em oferecer saúde e educação integral e de qualidade para todos. Ora, se isso acontece, os "consumidores" dessas mercadorias deixarão de comprá-las e terão acesso a elas gratuitamente.

Alguém já imaginou o quanto os empresários dessas áreas investiriam - e investirão - contra um governo que se atrevesse - ou vier a se atrever - a fazer isso? É muito lucro envolvido. Além do mais, trata-se de uma diferenciação que os mais abastados adoram. Ricos em excelentes escolas e hospitais. Pobres... ora, os pobres.

Eu já afirmei aqui neste blog que eu depositaria com prazer numa conta do SUS exatamente aquilo que eu pago à Unimed. E isso sem querer em troca qualquer tratamento diferenciado daquele dado a todos os cidadãos.

Somos, ao que me parece, mais de 60 milhões de brasileiros que pagamos, e caro, por planos de saúde privados. As empresas privadas de saúde estão mostrando sua pujança financeira, com sedes cada vez mais sofisticadas e atendimento cada vez mais contido. Quanto menos cobertura eles puderem oferecer, melhor para eles. Aí eu fico indignado quando alguém reclama contra um possível retorno da CPMF para a Saúde.

E se todos nós deixássemos de pagar os planos de saúde privados e transferíssemos esses recursos para uma conta administrada pelo Sistema Único de Saúde? E se nós nos envolvêssemos nos Comitês de Saúde Pública em todos os níveis da administração pública, para acompanharmos de perto a aplicação desses recursos? E se todas as contas, entradas e saídas de recursos do SUS fossem divulgados diariamente pela internet, com detalhes de quem pagou, quanto pagou, quem recebeu, quanto recebeu e pelo serviço ou fornecimento pelo qual recebeu? A ponta do atendimento está nos municípios, e lá fica fácil para a população verificar in situ se os produtos foram de fato adquiridos, se os serviços alegados foram, de fato, prestados. Cada cidadão é um nó de uma grande rede de observação, fiscalização e controle dos gastos públicos.

Outra coisa. Que tal transformar crimes de corrupção em crimes hediondos, tais como os crimes contra o meio ambiente? Inafiançáveis. Que tal acabar com os foros privilegiados criados por FHC no apagar das luzes de seu governo? Que tal acabar com cela especial para os condenados por corrupção (corruptores e corrompidos, é claro)? Que tal se, obrigatoriamente, a condenação dos corruptos seja sempre em conjunto com a dos corruptores? O corrupto não existe sem o corruptor. É um crime solidário, e, como tal, deveria apenar ambos os lados da ação criminosa.

Essas propostas que apresento, se fossem implementadas, gerariam uma gritaria dessa mesma elite que hoje, hipocritamente, quer que Lula se trate no SUS. Se FHC porventura amanhã cair doente, duvido que um só deles admita a ideia de ele ser tratado no SUS. Sabe por quê? Porque ele é um intelectual, de boa família, parte da elite. Ele tem "berço". Esquecem-se todos esses privatistas que Lula tem recebido cerca de 500 mil reais por palestra que ministrou pelo mundo afora? Ele não depende de recursos públicos para se tratar ou para viajar, se for o caso, para qualquer lugar no mundo para fazê-lo. Lula é um ícone mundial, e isso corrói seus detratores.

Mas é bom que a questão do SUS seja levantada nesse momento, e com esse furor. Isso pode dar munição para a Presidenta Dilma avançar nessa área, transferindo muito mais recursos para a Saúde e instituindo formas transparentes de controle dos gastos. O problema da corrupção está, na maioria das vezes, na ponta oposta ao governo federal. Está nas secretarias estaduais e municipais de saúde. Está nas influências de deputados estaduais e de vereadores pouco responsáveis para com a coisa pública, mas muito interessados em suas finanças privadas.

O que Florestan Fernandes fez foi muito coerente. Foi uma crítica ao seu pupilo Fernando. É bem provável que ele tenha tido um bom atendimento, mesmo na rede pública de saúde. Recusou-se a ganhar de seu aluno, cujo governo era muito criticado por ele, um tratamento privilegiado, no exterior.

Agora pergunto aos detratores do ex-presidente Lula: se vocês tivessem alguns milhões de reais em caixa e tivessem um diagnóstico de câncer, vocês não procurariam os melhores médicos e os mais equipados hospitais? Alguém aí se deixaria imolar em defesa do SUS? Florestan possivelmente não tivesse cura. Foi câncer no fígado, e muitas vezes ouvi dizer, e testemunhei alguns casos, que esse câncer era absolutamente letal. Câncer que atacava todo o organismo com rapidez e implacavelmente. Sua morte foi uma perda para a humanidade, por ser um intelectual mundialmente reconhecido e estudado. Lula também é hoje mundialmente aclamado como estadista, conciliador e progressista. Quem quer que ele se cale? O mais triste é constatar que são alguns brasileiros que não perdoam um operário por ter assumido uma responsabilidade imensurável e, pior, por ter tido sucesso estrondoso nessa empreitada. Mesmo que passível de algumas críticas. Ele não pôde, e nem a elite econômica deixaria, fazer tudo o que deveria. Ele não pôde ser radical, pois se o fosse seria derrubado rapidamente. Mesmo tentando ser conciliador, a mídia não deixou de tentar derrubá-lo.

Lula é amado pela maior parte dos brasileiros. E se ele não tivesse dinheiro, tenho certeza de que uma corrente inquebrantável de solidariedade se formaria a partir das pessoas mais simples do país, as quais se cotizariam para pagar para Lula o melhor tratamento de saúde do mundo. Isso seria devolver a ele um pouquinho de tudo aquilo de bom que ele proporcionou a essas mesmas pessoas, resgatando sua dignidade cidadã e a confiança no futuro.

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