A diferença entre pesquisa científica e inovação tecnológica e como, no Estado brasileiro, foi construído um arcabouço que permitiu a apropriação, pela iniciativa privada, do conhecimento produzido nas universidades públicas foram os temas tratados na mesa “Pesquisa Científica, Interesse Público e Interesse Privado”, no segundo dia do seminário Ciência e Tecnologia no Século XXI, promovido pelo ANDES-SN, de 17 a 18 de novembro, em Brasília.
Os palestrantes foram o professor e cientista na área de fármacos da Universidade de São Paulo (USP) Sérgio Henrique Ferreira e o ex-presidente do ANDES-SN e professor da USP Ciro Teixeira Correia.
Apropriação do conhecimento
Sérgio Ferreira começou sua explanação fazendo uma diferenciação entre o cientista e o inventor. Enquanto o primeiro usa os métodos científicos de observação e experimentação para desenvolver resultados replicáveis ou sistematizar uma área de conhecimento, o segundo usa o conhecimento científico e a experiência dirigida para desenvolver novos produtos com utilidade prática.
Se para o cientista o conhecimento é um bem social que deve ser ensinado livremente, para o inventor, o conhecimento novo deve ser patenteado e guardado. “O problema é que o conhecimento científico é produzido na universidade para ser transferido para a indústria, que secretamente produz a inovação”, denunciou o farmacologista.
As benesses da inovação e da industrialização, constata Sérgio Ferreira, são usufruídas pela maioria populacional dos países desenvolvidos e por uma minoria abastada dos países subdesenvolvidos, pagando caro por isso. “Dificilmente essas inovações ajudam a diminuir a pobreza nos países pobres”, afirmou.
Diante dessa realidade, em que o produto da inovação é apropriado por poucos, “a associação universidade/indústria no uso dos laboratórios de ensino e pesquisa e dos professores e técnicos universitários para desenvolvimento tecnológico é uma forma velada, ineficiente e besta de investimento estatal para o desenvolvimento industrial”, criticou Sérgio Ferreira.
É ruim porque vai patentear um conhecimento que seria de todos. “O segredo industrial é maléfico para o livre pensar e para a ciência e nós, da universidade, não deveríamos contribuir com isso”, criticou. Sérgio Ferreira lembrou que o Estado já se beneficiaria de novos inventos com o recebimento de impostos, sendo desnecessário, portanto, compartilhar dos riscos tecnológicos.
“Devíamos nos ater à ciência básica e em áreas em que não sofreríamos o dumping das grandes indústrias”, aconselhou.
Interesses do mercado
O ex-presidente do ANDES-SN Ciro Teixeira Correia fez a diferença entre o que seria um Estado a serviço dos interesses da coletividade daquele como agente de mercado, para mostrar como as políticas voltadas para a ciência e tecnologia implementadas pelo governo brasileiro nos últimos anos visam favorecer o capital.
“No primeiro caso, teríamos uma universidade com financiamento adequado, democracia e autonomia, mas o que temos é uma instituição dependente de agências, com poder centralizado e com a execução de projetos por meio de fundações privadas”, exemplificou.
“Isso tem feito com que o interesse privado, por meio do aumento de poder das agências de fomento, usufrua da pequena infra-estrutura que temos nas universidades. O que tem feito com que a ciência básica seja apropriada pela ciência aplicada”, completou.
Como forma de “obrigar” os docentes a se integrarem a esse projeto, o governo mudou o conceito de dedicação exclusiva e fragmentou a categoria, dividindo os professores entre aqueles que têm o apoio das agências de fomento e os que “apenas” dão aulas, além de fazer um controle das metas de produção.
As entidades dos docentes reagiram a esse tipo de privatização do conhecimento e em 2008 o Tribunal de Contas da União editou o acórdão 2731/08, explicitando o entendimento de que toda e qualquer receita auferida com a utilização de recursos humanos e materiais das Ifes (Institutos Federais de Ensino Superior) constitua “recursos públicos” sendo “obrigatório o recolhimento de tais receitas à conta única do Tesouro Nacional”.
“Com isso, o dinheiro que chega na universidade é público. Não é de laboratório X ou Y”, explicou Ciro Correia.
O TCU também determinou que o Ministério da Educação edite ato normativo que tornem mais transparentes os contratos entre as Ifes e suas fundações de apoio.
Apesar dessa determinação, o governo encontrou outras formas de tornar mais frouxas as relações entre as universidades e as agências de fomento. Por meio da lei 12.349/10, mudou a lei 8666/92 e dispensou de licitação as contratações com as fundações de apoio no que se refere à Lei de Inovação Tecnológica.
Para Ciro Correia, a forma como está estruturado o financiamento da pesquisa no Brasil não desenvolve conhecimento novo, nem caminha para a inclusão social.
Leia aqui a apresentação de Sérgio Henrique Ferreira e aqui a de Ciro Teixeira Correia.
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