quinta-feira, 19 de abril de 2012

Argentina rompe com a espoliação praticada pela empresa de petróleo espanhola Repsol e reassume o controle estratégico de seus recursos petrolíferos (19abr2012)

Algumas notas sobre a nacionalização da YPF

Por Pedro Migão | Ouro de Tolo


Sem dúvida alguma, a notícia econômica desta semana foi a nacionalização da petroleira argentina YPF por parte do governo deste país. É medida polêmica, com custos e benefícios, e que merece uma análise um pouco mais detalhada.

A YPF foi vendida no auge do surto privatizador empreendido pelo ex-Presidente Carlos Menem na década de 90. Sem dúvida alguma, a experiência argentina foi a mais radical e, diria eu, desastrosa, aplicação do neo-liberalismo em terras latino americanas. O custo social e econômico se faz sentir até hoje, com um país visivelmente empobrecido e cuja economia ainda possui vários problemas decorrentes das políticas da época - e outros trazidos na tentativa muitas vezes populista de corrigir os custos sociais.

Vendida para a espanhola Repsol, a petroleira argentina passou a obedecer à lógica de mercado global da empresa, que possui negócios em países como o Brasil, a Venezuela e Angola. A avaliação é de que os investimentos nestes três países eram mais atrativos, então a Argentina passou a ter o papel de gerar lucros para permitir o investimento nos países citados, sem quaisquer novos ativos.

Resultado: a produção de petróleo argentina hoje é praticamente a mesma de 1995 - cerca de 800 mil barris diários - e o governo é obrigado a cada ano importar maior valor em derivados para suprir a demanda crescente. Além disso, o país é bastante dependente do gás natural (inclusive para calefação de residências), cuja produção está decrescendo e que exigiu a importação de gás via Bolívia e via compra de GNL (gás natural liquefeito), mais caro. Para o leitor ter uma ideia, em 2011 a Argentina importou US$ 10 bilhões em derivados de petróleo, o que impacta de maneira dramática não somente as contas externas quanto o câmbio.

Vale lembrar que o gás natural representa 53% da matriz energética do país, e o petróleo 32%. Somados representam 85% da energia produzida no país, o que torna ainda mais problemática a falta de investimentos e a estagnação da produção. Embora a YPF não seja monopolista ela detém a esmagadora parcela da produção do país.


Somando-se a isso, a YPF/Repsol desde 2009 não perfura um único poço de petróleo no país. Vale lembrar que há perspectivas muito interessantes de exploração marítima na região próxima às Ilhas Malvinas, bem como reservas de óleo e gás natural de xisto em campos (acima) terrestres - ambas inexploradas pela empresa pois sua estratégia é global e ainda há a questão da recessão na Espanha. O governo argentino sabe que pode resolver parte dos seus problemas fiscais com os royalties e as taxas da exploração destes novos campos, o que impulsionaria à decisão tomada.

Por outro lado, uma reestatização destas teoricamente afetaria a confiança dos investidores no mercado argentino, pois seria vista como uma "quebra de regras" na atividade econômica, o que criaria alto grau de incerteza na economia. Ressalvo que o mercado de petróleo tem suas particularidades, a principal delas o fato de que os principais suprimentos e reservas estão em regiões de alta instabilidade política - o Oriente Médio e especialmente a Rússia. Mal ou bem a América do Sul é uma região onde os governos são democráticos e as regras mais respeitadas que nestas regiões citadas. Some-se a isto o fato de que a América do Sul parece ser a última fronteira petrolífera mundial promissora a ser explorada, ainda que haja boas perspectivas na região de Angola.

Além disso o país platino ainda teria de medir as consequências da reação internacional, que no momento em que escrevo (tarde de terça feira) praticamente somente se resumiu à Espanha e a um comunicado burocrático da secretária de Estado americana Hillary Clinton condenando a decisão. A diretoria da Repsol, dona da YPF, tratou de avisar que faz negócio de venda: em uma fonte vi US$ 8 bilhões, outra US$ 10 bilhões. Resta saber se a presidente Cristina Kirchner optará por pagar o preço exigido ou se fará a nacionalização por um valor simbólico e posteriormente brigar nos tribunais de arbitragem.

Um ponto sintomático é que nem o grupo midiático "Clarín", uma espécie de "Veja" argentina na oposição ao governo, criticou a nacionalização propriamente dita. Parece claro que a estratégia da Repsol em retirar os lucros argentinos para investir em outros locais somado aos custos crescentes do abastecimento de derivados tornaram consenso que algum tipo de ação deveria ter. Note-se que até o ex-Presidente Menem, hoje senador, já declarou que votará a favor da proposta. As críticas feitas pela oposição se dirigem especialmente ao fato de que um empresário amigo do governo, que detém cerca de 25% das ações, deverá ser beneficiado.

A lei encaminhada ao Congresso argentino, além de nacionalizar os 57% de ações da Repsol na YPF e dividi-los entre o governo federal e o das províncias, sistematiza o marco regulatório do petróleo no país, que estava fracionado. Minha impressão é de que a idéia é estabelecer contratos de concessão com outras empresas, com a YPF nacionalizada e tendo percentagem nos mesmos, a fim de obter recursos para investimentos de que o país não dispõe e ao mesmo tempo não somente diminuir a dependência de derivados importados como auferir rendas provenientes de royalties e outras taxas - o que alivia a situação fiscal e a das contas externas pelos dois lados.

Lembro ao leitor que nenhuma empresa petroleira saiu da Bolívia após a renegociação de contratos empreendida pelo Presidente Evo Morales - que, na prática, apenas igualou a situação boliviana ao que ocorria no restante do mundo. Ou seja, ao contrário de ramos como o sistema financeiro o mundo do petróleo tem uma avaliação de risco de investimento bastante própria.

Essa situação da Argentina é um exemplo muito preciso do que venho afirmando neste blog há tempos: petróleo não é uma commoditie qualquer, é uma questão de Estado. Quando se olha a evolução da Petrobras estatal nos últimos dez anos e se compara o quadro argentino a diferença é nítida. Hoje o Brasil não somente caminha para a autosuficiência na produção de petróleo (esta já alcançada em termos absolutos) como derivados - a se alcançar com a entrada das novas refinarias em fase de construção - como também toda a política de Estado de se comprar insumos e equipamentos no mercado interno está se revelando um fator dinamizador da economia brasileira.

A Argentina parece estar querendo seguir caminho parecido, desvinculando sua economia e sua segurança energética de decisões baseadas em fluxos de caixa tomadas em Madri. Não desconsidero o populismo do governo Kirchner nem as reações de agentes econômicos e de governos europeus contra a medida. Mas ainda acredito que os benefícios da medida são maiores que os custos - até porque a Repsol parece bastante receptiva a um entendimento com o governo argentino e, a meu ver, há que ser feito um acordo para se chegar a uma indenização que seja razoável para todos os lados envolvidos.

Vamos aguardar os desdobramentos.

P.S. - Hoje, 19 de abril, comemora-se o aniversário de nascimento do presidente Getúlio Vargas - que encampou a campanha d´"O Petróleo é Nosso" e criou a Petrobras.

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