Não somos racistas!
O Ali Kamel, diretor da Globo, levou uma sova no STF. Por 10 x 0 (dez votos a zero), o tribunal decidiu que são constitucionais - sim!!! – as quotas para negros nas universidades brasileiras.
Kamel, como se sabe, nega que haja racismo no Brasil. “Não somos racistas” é o título de um livro dele. Kamel é contra as quotas. E não está sozinho. Outros ideólogos contra as quotas são Demetrio Magnoli, ex-trotskista hoje especializado em dizer o que a Globo gosta de ouvir, e Demostenes Torres, amigo de sala e cozinha de Carlinhos Cachoeira.
O bombardeio da Globo contra Lula começara antes, em 2005, na cobertura do chamado Mensalão. O jornalista Marco Aurélio Mello escreveu um belo texto sobre isso. A Globo queria “sangrar Lula”, para derrotá-lo nas urnas em 2006. Aliou-se até ao pequeno ACM Neto. Não deu. Ali Kamel perdeu feio.
Em 2010, Ali Kamel pôs a Globo contra Dilma. Quem não se lembra do episódio da bolinha de papel? O perito Molina - que já atuara a favor de Kamel em causas pessoais do diretor da Globo no Judiciário – foi usado no JN para criar a teoria de que Serra fora atingido por um misterioso objeto. Só faltou acharem um Lee Osvald! A Globo passou ridículo. Serra virou Rojas. E Ali Kamel perdeu pela segunda vez.
A terceira derrota veio agora, no STF. “Ninguém assistiu ao formidável enterro de tua última quimera”. Ninguém encampou a tese kameliana de que quotas seriam uma forma de “acirrar” as disputas raciais no Brasil. Demóstenes (recolhido à cozinha de Cachoeira) fez falta, porque era valoroso defensor dessa tese. Chegou a dizer, numa audiência pública, que o racismo não fora tão violento assim, e que a mistura entre negros e brancos se deu através de estupros cometidos pelos senhores, sim, mas que eram ”consentidos” pelas escravas. Segundo ele, “uma história tão bonita de miscigenação”. Essa é a turma contra as quotas.
Ali Kamel é um pouco mais sutil. Mas também encampa teses estranhas: por exemplo, relativiza a cor da pele como elemento definidor da Escravidão no Brasil. Por que digo isso? Porque ele me falou sobre o tema numa troca de e-mails pessoal, em 2005. Eu cobrira, pela Globo, a visita a São Paulo de um enviado especial da ONU sobre racismo. A matéria não foi ao ar no JN. Kamel derrubou. Escrevi a ele no Rio, para saber o que acontecera. Trocamos e-mails de forma muito civilizada. E fiquei sabendo como ele pensava.
Já falei sobre isso numa entrevista a Marcelo Salles, mas sempre evitei dar detalhes dos e-mails, afinal a troca de mensagens se dera de forma reservada. Só que Ali Kamel não se importou com isso: usou os e-mails num processo judicial que move contra mim! Que deselegância! Usou para tentar provar que eu o tratava muito bem, e que depois passei a criticá-lo.
Sim, na troca de e-mails eu o tratei de forma cordial, como faço com todo mundo. Não tenho nada, absolutamente nada, contra ele pessoalmente. Nossas diferenças são políticas e jornalísticas, são formas diferentes de ver o mundo e de intervir no debate.
Desde o início do governo Lula, Ali Kamel se posicionou contra o Bolsa-Família (“assistencialista”, o certo era investir em educação), contra o Prouni, contra as quotas (afinal, se “não somos racistas”, pra que quotas?).
Por isso, essa terceira derrota de Ali Kamel, no STF,deve ter sido a mais dolorosa. “Ninguém assistiu ao formidável enterro de tua última quimera”. Não apareceu ninguém para defender a “sociologia kameliana” no STF. Ele levou uma surra.
Nos e-mails de 2005, com alguma arrogância, tentou ensinar-me quem era Gilberto Freyre. Ali Kamel provavelmente acredite que é o novo Freyre, o novo formulador da “democracia racial” brasileira. Um Freyre incompetente. Porque mesmo entricheirado na emissora mais poderosa da América Latina, ele perde todas. Perde o debate no STF, perde as eleições, perde a capacidade de influir nas decisões do Estado brasileiro. Um bom sinal.
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