Tenho lido em alguns blogs comentários de leitores que, ou acusam
os professores federais em greve de estarem apoiando José Serra nas eleições da
capital paulista, ou apelam aos professores para que abandonem esta greve
porque o momento não é politicamente apropriado.
Tentei responder, no sítio do Paulo Henrique Amorim, a um
desses comentários. Talvez minha resposta tenha sido muito extensa e, por isso,
não tenha sido publicada. Mas tem também o “talvez” de o sítio não querer dar
espaço para esse tipo de contraditório.
Há vários aspectos que desmontam essa caracterização de a
greve vir para “auxiliar” José Serra:
1. Trata-se de uma greve nacional, e não circunscrita à cidade de São Paulo.
2. Dentro do sindicato nacional dos professores das instituições de ensino superior (ANDES-SN) há uma parcela significativa de filiados e de membros da diretoria nacional que são filiados ou pelo menos simpatizantes ao PT.
3. As atuais reivindicações dos docentes das federais ao governo federal vêm sendo apresentadas desde o início de 2011.
4. O governo federal fez uma pseudonegociação, com rodadas de reuniões absolutamente esvaziadas de diálogo.
5. Diante da aparência de negociações, a greve não foi deflagrada em 2011, pois muitos professores da base do sindicato acreditaram que as mesas de negociações levariam a algum avanço.
6. Às vésperas da data que foi estabelecida pelas bases do sindicato para deflagração da greve, o governo federal editou Medida Provisória contendo a oferta feita por ele em 2011 e que foi rejeitada na ampla maioria das assembleias gerais ocorridas em todo o país.
As greves de professores das universidades federais são um
gesto extremo ao qual o movimento docente só recorre quando um verdadeiro
diálogo e uma negociação legítima não ocorrem.
As universidades federais são o que são, hoje, em termos de
estrutura e organização legal, porque os professores vêm lutando há 32 anos,
conseguindo o estabelecimento de isonomia, carreira docente, democracia,
autonomia etc. num processo lento e contínuo de sua atividade sindical.
O ANDES-SN
não é um sindicato que atua somente com vistas às questões salariais, o que, por si só já seria um motivo válido e legítimo. O Sindicato Nacional possui, em sua estrutura, grupos de trabalho permanentes,
com participação totalmente aberta às bases em todo o país, responsáveis por
estudar e propor políticas educacionais, plano de carreiras,
políticas de saúde docente, acompanhamento da situação dos professores
aposentados, além de acompanhar de perto as condições oferecidas pelas
instituições de ensino para o permanente implemento da qualidade do ensino, da
pesquisa e da extensão.
O Sindicato Nacional tem uma preocupação permanente com a
educação brasileira em todos os níveis, participando ativamente dos fóruns de
discussão e de elaboração das propostas dos Planos Nacionais de Educação. A
Universidade pública é tema central dos debates e lutas sindicais, o que
permitiu que a Universidade pública sobrevivesse, a duras penas, às tentativas
de neoliberais de precarização da educação pública para favorecimento do crescimento
desenfreado das instituições privadas de ensino superior.
A Universidade
pública quase faliu nas mãos do Ministro Paulo Renato de Souza, do governo FHC,
pois a política de desmonte implicava em não repassar recursos para as
universidades sequer pagarem suas contas de luz e de telefone. Os reitores
tinham que participar de procissões a Brasília para, no Ministério da Educação,
pedirem, de “pires na mão”, a liberação de recursos que eram devidos às suas
unidades, e que eram retidos pelo Ministro.
O ex-ministro Haddad tem completa razão ao afirmar que
nenhum de nós, professores federais, tem saudades do tempo de FHC. Muito pelo
contrário. Foi um dos tempos mais sombrios para a educação superior pública.
O que ocorre atualmente, no governo Dilma, é que a busca
ensandecida pelo superávit primário exigido pela grande mídia (porta-voz do
Deus Mercado). Portanto, as reivindicações docentes, e a greve, sequer são
tratadas nos informativos de maior circulação ou audiência. E quando o forem,
será para descaracterizá-las e atacá-las. Claro está que essa mídia é vinculada
aos interesses do capital, e esses interesses incluem a tomada do espaço da
educação superior enquanto um filão rico em possibilidades de lucro.
Um sintoma de que as universidades estão relegadas a um segundo (ou terceiro, quarto) plano é o fato de os professores terem de negociar com o Ministério do Planejamento (MPOG) e não com o Ministério da Educação, que seria seu interlocutor natural. Isso mostra que a Educação não é prioridade, mas sim o “superávit”. O Sindicato Nacional sempre negociou, mesmo no tempo da ditadura civil-militar, com os Ministros da Educação. Nesse sentido, há que se recordas a atuação do ex-ministro Marcos Maciel, quem, enquanto Ministro da Educação, reunia-se longamente com os representantes dos professores das universidades autárquicas e das fundacionais e mantinha um diálogo efetivo, ouvindo, buscando entender, de fato, as necessidades das universidades e mostrando com clareza os limites do governo, mas acatando reivindicações e produzindo avanços que até extrapolavam as limitações de então.
A presidenta Dilma colocou, em sua campanha e em seu
discurso de posse, ao qual assisti emocionado, até porque votei nela (e votaria
de novo), que a Educação seria prioridade em seu governo. Pois bem! Fruto do
crescimento econômico gerado nos governos Lula e Dilma, os mercados de trabalho
das mais diversas áreas do conhecimento fortaleceram-se, oferecendo muito boas
oportunidades para profissionais que até há alguns anos tinham que abrir casa
de sucos ou vender apólices de seguros ao invés de exercerem a profissão para a
qual foram formados.
No penoso período FHC, muitos egressos das universidades
buscaram a pós-graduação (mestrado e doutorado) para sobreviverem com bolsas de
estudos, por não quererem abandonar suas profissões. A falta de empregos gerou
um inchaço dos programas de pós-graduação em todo o país. Com isso, formou-se
uma reserva de doutores com poucas perspectivas de trabalho.
O presidente Lula
ampliou as universidades e abriu concurso para contratação de docentes, o que
foi muito bom. O que vivemos hoje é que aquela reserva de doutores já foi
praticamente absorvida nas universidades em todo o país. Começa a faltar
candidatos para novos concursos. Por quê? Além de o mercado de trabalho estar
aquecido, absorvendo os graduados, a universidade vem deixando de ser uma opção
atraente, por seus baixos salários, comparativamente aos das empresas, e por
uma carreira pouco estimulante.
Outro dia escutei um colega, professor pesquisador doutor,
pós-doutor etc. comentado que os alunos recém-egressos do nosso curso estavam,
em UM ANO de atuação profissional, ganhando muito mais do que ele, que há TRINTA
ANOS labuta em sua própria formação, em pesquisas, em preocupações pedagógicas
e na formação desses estudantes.
As Universidades Federais cresceram em número de
instituições e na oferta de mais vagas. As Universidades Federais participam
ativamente na busca da diminuição das desigualdades sociais ao adentrarem, por
iniciativa própria, no debate e
implementação dos sistemas de cotas sociais e/ou étnicas. Mas as Universidades
Federais estão perdendo na luta pela conquista das melhores cabeças das quais
necessita para garantir seus sucesso e crescimento futuros. As “melhores
cabeças”, ou seja, aqueles profissionais que teriam muito a contribuir com o
desenvolvimento desejado dessas instituições, estão sendo tomadas pela
iniciativa privada, pelas empresas que agora veem a necessidade de
investimentos em mão-de-obra qualificada.
Ingressar na carreira docente não é simplesmente arrumar um
emprego. É uma carreira que se torna projeto de vida. É um projeto para mais de
35 anos. A Universidade passa a se confundir com a vida do docente, que a vive
intensamente e cotidianamente. Nenhum professor desliga-se da universidade ao
ir para casa, nem nos finais de semana ou ao sair de férias. O trabalho docente
continua na cabeça do professor em todos os momentos, com reflexões cada vez
mais aprofundadas sobre sua prática, sobre as suas propostas pedagógicas, sobre
como lidar com cada nova turma que chega, que sempre é diferente, sempre
desafiadora. O professor tem prazer em fazer melhor o seu trabalho e avalia
permanentemente os resultados de suas experiências em sala de aula e fora dela,
na convivência com seus estudantes.
O professor universitário é, por outro lado, fortemente
cobrado para produzir conhecimento científico formal, além do conhecimento que
ele produz continuamente nas reelaborações de suas práticas de ensino. E,
infelizmente, há uma política de avaliação de produção que é quantitativa, ao
invés de qualitativa. Quantos papers
publicou? Quantos capítulos de livros ou livros? Quantos projetos de pesquisa
dirige? Quanto financiamento de pesquisa conseguiu? Quantos estudantes de
pós-graduação orientou? Quantos....? Quantos...? Tem gente enlouquecendo em
meio a tantos “quantos”. Os “quais?”, os “como?” e os “por quê” são
secundários.
Portanto, afirmo ser leviana a atitude de cidadãos que
apontam para o nosso nariz e dizem que “este não é o momento de fazer greve”,
ou que “vocês estão ajudando na campanha do José Serra”. E mais aqueles que
afirmam que seus filhos estão sendo “prejudicados” pela greve. Esses últimos
deveriam ter consciência de que, se seus filhos encontram hoje uma universidade
pública a que têm acesso, isso se deve à perseverante batalha do movimento
docente nas últimas três décadas, que enfrentou todas as tentativas de desmonte
do sistema público de ensino superior, e não às benesses de um Estado que
generosamente construiu o que hoje aí está.
O que nós, os professores, buscamos é a garantia de que os
filhos, os netos e os demais descendentes dos nossos estudantes, e mais seus vizinhos, amigos e empregados, possam, também,
ter a oportunidade de estudar em universidades públicas, gratuitas e de
qualidade, e que possam continuar nesse labor de fazer do Brasil uma potência
econômica inclusiva, com justiça e igualdade de oportunidades para todos.
Nossa greve não é contra o governo, mas a favor de uma
Universidade pública digna da qual todos os brasileiros participem e se
orgulhem.
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