Se alguém imaginava que o processo de democratização da América Latina era inexorável, chegou o momento de repensar sobre o tema. O golpe ocorrido no Paraguai, sob um tênue manto de legalidade forjado pelas forças conservadoras, faz acender um alerta vermelho para todos os países latino-americanos.
A riqueza desses países tropicais é, também, a causa de sua miséria. As grandes potências colonialistas mundiais não aceitarão nunca que outras potências se levantem. Povos detentores de muitos recursos naturais não podem estabelecer sua soberania, na visão deles. O Império que tem EUA e Inglaterra à frente tem esfacelado países ricos em petróleo, não importando para eles o sofrimento impingido às populações desses países. Iraque e Líbia são exemplos gritantes disso. Esses países foram totalmente desestruturados. Arrancaram o que eles tinham e nada conseguiram estabelecer em termos de bem-estar e segurança para seus cidadãos. Ficou a miscelânea de grupos de digladiando para ver quem serve melhor aos novos mandantes externos. Os sírios vêm sendo mortos cotidianamente por escaramuças entre forças do governo e opositores ao regime. Os opositores ao regime recebem apoio e armas das grandes potências. Mas o presidente não caiu ainda porque isso não interessa exatamente aos Estados Unidos ou a Israel. Uma Síria desestruturada e tomada por grupos mercenários é menos interessante para a segurança da região, o que afeta diretamente a Israel.
Na América Latina, o que vem sendo feito nas duas últimas décadas são tentativas de golpe até recentemente fracassadas, como no caso da Venezuela, por exemplo. Um instrumento central utilizado pelo Império nesses processos são as mídias nativas.
Para quem gosta mesmo de ler, indico o livro "Seja feita a vossa vontade - A conquista da Amazônia: Nelson Rockefeller e o evangelismo na Idade do Petróleo", dos autores Gerard Colby e Charlotte Dennett, tradução de Jamari França, Editora Record, 1998. Trata-se de um alentado volume de 1059 páginas, relatando a ação estadunidense nos países do Terceiro Mundo, impondo políticas e políticos alinhados com seus interesses. Rockefeller foi um incansável batalhador pela não soberania de qualquer país que interferisse em seus interesses pelas potenciais áreas petrolíferas do mundo. Aliado à sua atuação estava o processo de evangelização dos povos tradicionais da Amazônia. Povos dóceis e de fácil submissão foram evangelizados. Aqueles que repeliram as tentativas de aproximação dos "evangelizadores" foram taxados como hostis e gradativamente extintos, devastados.
O livro, todo baseado em documentos estadunidenses que deixaram de ser secretos depois de um determinado período, mostra como fomos todos submetidos dolorosamente a ditaduras e regimes de exceção ao bel prazer da política dos governantes dos EUA de defesa dos interesses de suas empresas pelo mundo.
Para atingir seus objetivos, eles não hesitaram em exterminar povos indígenas brasileiros e dos demais países da Amazônia. Governos que trouxessem contrariedades a Washington eram simplesmente depostos, com a cooptação, pela CIA, de jornalistas locais de renome para destruírem reputações e convencerem a opinião pública de que o caos estaria se instalando no país. Assim Carlos Lacerda capitaneou todo um batalhão de detratores de Getúlio Vargas, cuja política de nacionalização e de monopolização do petróleo brasileiro desagradou profundamente às empresas de Rockefeller e, consequentemente, aos interesses de Washington.
A retaliação estadunidense ao Brasil de Vargas foi a suspensão de remessas de recursos previstos em acordos então existentes, deixando o governo brasileiro à míngua. Por seu turno, Lacerda dizia que o dinheiro (que não vinha) estava sendo consumido no "mar de lama" da corrupção do governo. Uma vez que, desde a II Guerra Mundial, os oficiais brasileiros recebiam mimos estadunidenses, com a oferta de cursos nas escolas militares dos EUA, eles tornaram-se bastante "receptivos" ao ideário anticomunista propagado por Washington, assim como às "sugestões" provenientes do hemisfério norte quanto à conveniência ou não de dar suporte ao governo legitimamente eleito.
Para exemplificar um caso horroroso fora da América Latina, lembro-me de que o livro relata o processo que levou à morte do líder do Congo, Patrice Lumumba, que capitaneou a independência daquele país em relação à Bélgica e se tornou seu primeiro governante. A Bélgica aceitou a independência do Congo, mas empresas belgas mantinham a posse das minas de diamantes congolesas. Lumumba pretendia, e tentou, nacionalizar os recursos naturais de seu país, afirmando que eles pertenciam, por direito lógico, ao povo dali. Ele entendia que a independência política seria pífia sem que o país tivesse soberania sobre seus recursos. O caso chegou a Washington, pois essa atitude do líder congolês, que tendia a ser mais próximo de Moscou do que de Washington, representava um sério risco ao domínio do capitalismo e à submissão do continente africano. Em gravação liberada de conversa no Salão Oval, o famoso gabinete do presidente dos EUA, o então presidente Eisenhower, cientificado das dificuldades criadas por Lumumba, decidiu simplesmente: "Então matem esse f.d.p.!" E assim foi feito.
O jogo da política real é brutal e não há lugar nele para ingenuidades. A América Latina corre mesmo sérios riscos de ataques mais fortes às suas tentativas de conquista de soberania. Daí vem a minha percepção, ajudada pela análise criteriosa de diversos colegas blogueiros, de que estamos nos deixando empolgar com microquestões, como a participação do PP de Maluf no arco de alianças ao PT paulistano, por exemplo. Não nos esqueçamos que quem articulou essa aliança tem experiência política forjada em meio aos movimentos sindicais, ao mesmo tempo em que participou das mais altas esferas de articulações internacionais. Lula, a quem me refiro aqui, tornou-se em uma coisa que há muito não tínhamos no Brasil, se é que um dia tivemos de fato: um Estadista mundialmente respeitado e reconhecido.
Por ser o que é, a mídia brasileira vive a atacá-lo, tentando destruir essa imagem perante a opinião pública brasileira. Ele soube caminhar numa fina lâmina para manter vigente o estado de direito num país onde as elites sonham com Miami e Nova York e odeiam cheiro de povo. Para isso, teve que engolir sapos, e dos grandes. Estou certo de que, mesmo sem entender de pronto algumas de suas atitudes, ele faz o que faz a partir de uma perspectiva muito mais ampla, com base em muito mais informações e percepções dos contextos nacional e internacional do que nós, mesmo aqueles de nós que são bem antenados com o entorno.
Quero crer que Lula saiba muito bem onde moram os perigos e onde fica a "mina golpista" tanto no Brasil como nos territórios "amigos" do hemisfério norte. Quando não se tem a força dissuasória armamentista, tem-se que trabalhar com inteligência e perspicácia triplicadas. Avança-se quando é possível, recua-se quando necessário. Essa é uma luta de Davi contra Golias. E nós somos o Davi, obviamente.
Esclareço que meus textos são, quase sempre, desalinhavados. Começo a escrever com um propósito determinado, mas a própria elaboração do texto vai me conduzindo para caminhos diversos. Não faço a revisão e algum reordenamento porque a escrita vem do cérebro, óbvio, mas principalmente passa pelo coração. Prefiro deixar o texto como ele mesmo se apresentou, com sua característica cordial (de coração). Mas como se trata de uma postagem pública, qualquer acréscimo ou crítica de eventuais leitores serão bem-vindos.
Grande livro, o "Seja Feita a Vossa Vontade". Só não aconselhável para quem tem depressão , nem que se leia à noite. O fundamentalismo protestante de nosso irmão do Norte é a grande ameaça à civilização.
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