Continuando com o livro ditado pelo espírito de Ramatis, “Brasil, Terra de Promissão”, obra psicografada por América Paoliello Marques:
I – Preparação psicológica
1. Origens étnicas
PERGUNTA — Perdoai-nos ser a primeira pergunta que vos fazemos a repetição de um conceito que, por tão difundido e por parecer comprovado na prática, nos leva a submetê-lo a exame, embora nossa formação espírita-cristã nos faça apreciar o indivíduo, unicamente, em sua expressão espiritual. Porém, temos ouvido constantemente a afirmação de que o maior obstáculo à projeção do Brasil como país integrado em suas melhores possibilidades é o problema racial. Como interpretar essa ideia diante da Espiritualidade?
RAMATIS — "Palavras o vento leva" e em tudo que expressamos, seja o aspecto de palavras escritas ou faladas, só a real intenção permanece como valor digno de análise. Em qualquer trabalho respeitável, a maior liberdade deve reinar na pesquisa sincera da verdade, que não se limita pela bitola dos preconceitos humanos. Se fugíssemos à coragem de examinar a realidade, por mais adversa que seja ao nosso temperamento, não poderíamos obter argumentos para basear nossos conceitos.
O homem, realmente, labora enclausurado dentro dos limites étnicos, geográficos e sociais, sendo sua expressão espiritual cerceada pelas forças de que dispõe como meios de exteriorizar-se. Entretanto, podemos comparar o corpo a uma herança racial cuja utilização apresenta aspectos semelhantes àqueles com que se defronte o musicista ao manusear seu instrumento. Pode fazer uso diverso, segundo sua capacidade, de um mesmo instrumento afinado e puro, ao passo que mesmo um mau instrumento pode apresentar sonoridades mais perfeitas na mão de um hábil artista.
PERGUNTA — Haverá, então, raças que facilitam a expressão do espírito e outras que possam tolher suas manifestações?
RAMATIS — Assim como para a obtenção do belo efeito de uma orquestra há necessidade de instrumentos dotados de características diversas que facilitem a expressão diferenciada de sons, para a produção da harmonia do conjunto há, na Humanidade, uma infinidade de gamas psicológicas expressas nas características raciais e que possibilitam os meios de desenvolvimento crescente de todas as nuances de progresso espiritual. E como sabemos que a evolução do espírito nem sempre se dá sob as condições que a visão limitada do homem julga mais propícias, compreende-se que possa haver harmonia dentro da diversidade de situações às quais o espírito é submetido em suas diferentes encarnações.
Assim, o hotentote é, geralmente, um espírito em fase rudimentar de evolução, ao passo que o europeu já alcançou o domínio de grande parte dos meios de expressão do espírito encarnado.
Entretanto, a força que impele o livre arbítrio de ambos é feita de uma capacidade de expressão comparável à aptidão artística do musicista para produzir os sons. Se sucedesse que ao hotentote fosse proporcionado o ensejo de vestir um corpo europeu, não saberia como aproveitá-lo e, embora o meio o levasse a desenvolver pendores mais avançados, sua expressão espiritual não passaria aos olhos dos compatrícios, de sons estrídulos ou roufenhos. No caso inverso, na eventualidade de ser um ex-europeu internado na selva para encarnar num grosseiro instrumento hotentote, sofreria as agruras de um "abafamento" espiritual e certamente a "afinação" adquirida pelo seu espírito extravasaria em pura intuição relativa a tudo que significasse progresso para o seu ambiente.
PERGUNTA — Serão essas diferenças unicamente produto do meio ou haverá outras razões para elas?
RAMATIS — Existe o atavismo racial, espécie de herança psicossomática que permanece como energia latente nos cromossomos portadores das características hereditárias. Como sabemos, a influência do espírito sobre a matéria é decisiva e, quando uma coletividade se entrega ao cultivo de determinados valores, impregna as organizações físicas de seus componentes com o magnetismo capaz de imprimir nas células orgânicas os impulsos energéticos que se exteriorizarão sob a forma de tendências coletivas, a se expressarem mais ou menos intensamente em cada indivíduo.
PERGUNTA — Poderão essas características do atavismo racial ser fator decisivo nos destinos dos povos?
RAMATIS — Sim, desde que seus componentes se submetam docemente a elas, o que geralmente sucede.
PERGUNTA — Como interpretar esses fatos no caso particular do Brasil?
RAMATIS — O Brasil é o único país do mundo onde o amálgama racial se faz sem grandes restrições. Considerado durante muito tempo pelos colonizadores como local de estadia temporária, em seu ambiente todas as situações eram admissíveis e uma forma de tolerância desenvolveu-se, se bem que sob bases negativas. O homem branco suportou o contato com o negro a ponto de estabelecer relações estreitas, inclusive de cruzamento racial, e, longe da metrópole, tais fatos eram incluídos no rol dos acontecimentos normais. A raça lusitana, se bem que envergando o porte dos senhores, não deixou de transbordar afetividade, no grau exuberante que lhe é característico, quando encontrou a ingênua dedicação e humildade da mulher cativa. E se o senhor branco, o privilegiado da cor, desceu a esse contato, selou com sua aprovação evidente o anseio de irmanação latente nas almas rudes dos negros e dos selvagens.
Iniciou-se assim a formação do amálgama racial sobre o qual o tempo se incumbiria de depositar elementos novos, provenientes de todas as partes do mundo.
As consequências de tais ocorrências perduram até hoje na índole despreocupada do brasileiro, que vive em função do momento que passa, sem fornecer a si mesmo planejamentos para o futuro, como se sua terra continuasse a ser o Eldorado ao qual nenhuma cooperação especial devesse ser dada com vista ao porvir. O europeu responsável pela formação psicológica do que convencionaremos chamar a "raça brasileira", lançou a semente da conduta desavisada por considerar a terra conquistada local onde "nada criaria raízes". As duas raças que se lhe associaram foram incapazes de ultrapassar ou liderar os raciocínios do homem branco e seguiram-lhe docemente as pegadas. Mais do que o atavismo racial, influiu na formação da alma brasileira a atitude psicológica do líder da sociedade nascente, o europeu displicente e ganancioso, que em sua terra era cristão e respeitável, mas que no Brasil só via uma fonte inesgotável de lucros e prazeres inconfessáveis. Essa distorção psicológica produziu uma atmosfera de displicência em relação aos valores morais e cívicos a impregnar todo jovem ser que surgia. Nos primeiros anos de sua existência alimentava-se na formação de valores espirituais negativos e via tudo o que o cercava com a ânsia de auferir vantagens, num esquecimento absoluto das noções de disciplina, trabalho e previsão, relacionadas com o engrandecimento da nacionalidade.
PERGUNTA — Embora compreendamos que o fator psicológico é o mais importante, gostaríamos de saber qual a parte desempenhada pelo atavismo racial na formação do povo brasileiro.
RAMATIS — Nosso objetivo neste trabalho é favorecer a compreensão, tanto dos aspectos negativos quanto dos positivos, a fim de abrir horizontes novos àqueles que ainda não se entregaram a tais cogitações. Assim, procuramos colocar-nos em situação de neutralidade e imparcialidade tais que nos permitam falar com amor dos erros e com alegria dos acertos.
Como já havíamos afirmado, os povos caracterizam-se pelas tradições cultivadas, que impregnam cada um de seus componentes como uma aura capaz de influir nos traços gerais de sua formação. A resignação fatalista, a indolência e a cupidez originárias, respectivamente, do negro, do índio e do europeu, foram os fatores decisivos na composição áurica do povo brasileiro. Porém, como pelo princípio de polaridade, não há negativo que não possua seu correspondente positivo, a paciência surgiu como herança construtiva do povo oprimido, a altivez da independência, como embrião provindo da alma nômade do silvícola e a cordialidade permaneceu como lastro positivo da índole fidalga do povo de além-mar.
Por isso o brasileiro recebe bem o estrangeiro mas é avesso à pressa que ele tenha em renovar-lhe os métodos de vida, preferindo livremente suportar com paciência inclusive a própria impossibilidade de colocar-se na vanguarda dos povos civilizados.
PERGUNTA — Como devemos, pois, encarar o problema racial com relação ao progresso social do Brasil?
RAMATIS — A vitória pertencerá sempre a quem souber esperar a consolidação dos valores espirituais em seu aspecto real. Por mais prolongada que seja a maturação de um povo, o verdadeiro objetivo de sua formação será alcançado se prevalecer em seu seio o aprendizado das virtudes evangélicas. Bem pouca atenção tem sido prestada entre os povos preocupados com a corrida do progresso material, às vantagens obtidas por aqueles que são os "últimos" no dizer de Jesus. No anseio normal de afirmação diante do meio, distanciam-se do verdadeiro sentido do progresso que deve ser alcançado, preferencialmente no âmbito espiritual, para haver emprego adequado dos bens materiais.
A situação do Brasil diante dos outros povos tem sido, por muito tempo, a de um povo inconsciente do seu próprio valor, sob o ponto de vista em que este é encarado por todos. Gigante adormecido e indolente aos olhos de seus irmãos terrenos, sua altitude psicológica não pode expressar mais nada para quem não "vê". Há, porém, uma fermentação de valores que se interinfluenciam e que é perceptível às almas habituadas a lidar com os princípios espirituais.
Nos povos, como nos homens, o futuro é mais ou menos promissor segundo o grau de sintonia com as verdades eternas e jamais será proporcional às aquisições onde prevalece a afirmação no plano material.
A irregularidade do caráter brasileiro revela uma situação de instabilidade que o livra da cristalização em torno de conceitos mundialmente reconhecidos como verdadeiros, mas que, na realidade, apresentam uma hipertrofia de aspectos que, em sua real medida, seriam úteis.
Assim, a indolência risonha e despreocupada como característica coletiva será substituída, aos poucos, por uma tranquila observação dos fatos e um gradativo ajustamento ao ritmo veloz do progresso, sem permitir, porém, que o espírito brasileiro seja arrastado na voragem dos acontecimentos que enredam os povos essencialmente dinâmicos. Restará sempre uma tendência para observar os fatos sem se deixar arrastar por eles, uma confiança no valor da liberdade individual que não pode ser prejudicada, nem mesmo com vista a uma conquista de situação no âmbito do progresso coletivo. A aparente rebeldia do elemento nacional contra o turbilhão avassalador do progresso material produz no caráter brasileiro uma faceta pitoresca aos olhos do bom observador. Embora a cupidez o impulsione a invejar a situação "privilegiada" do estrangeiro disciplinado no culto aos valores do trabalho como a um deus entronizado e iracundo, sua índole irrequieta é completamente incompatível com esse culto monástico ao "deus do progresso material", considerado o Zeus do Olimpo moderno. Observando-o com admiração mas sem as disposições de ofertar os altos tributos por ele exigidos, contorna o templo da divindade máxima e contenta-se em obter os favores dos deuses menores, mais fáceis de se tornarem propícios. Recebe então as dádivas proporcionais às suas oferendas e continua a julgar inatingíveis os favores do "grande deus do progresso material".
Em caso semelhante encontram-se todos os povos ainda não amadurecidos na consciência nacional. Na época, porém, em que sua maturação psicológica estiver eclodindo, o ambiente terreno já lhes terá fornecido os elementos necessários para a orientação de seus esforços de progresso em sentido mais verdadeiro e ajustado aos objetivos do bem coletivo.
O problema racial, pois, tem servido para entravar, de certo modo, o progresso social do Brasil, sob o aspecto do ajustamento ao ritmo dinâmico adotado por outros povos homogêneos em suas características raciais. Porém, longe de ser esse fato um entrave à conquista da liderança sonhada pela consciência nacional de alguns de seus filhos, contribuirá para preservar os valores positivos que existem latentes no seio de seu povo.
PERGUNTA — Como podemos compreender que os valores de um povo sejam preservados por uma falta de ajustamento ao progresso coletivo?
RAMATIS — Uma criança que, por sua tenra idade, não participe dos vícios da sociedade adulta em que nasceu pode preservar-se do contágio psicológico se a tempo for retirada do ambiente negativo. O povo brasileiro, em sua maioria, não compartilha ativamente dos problemas que afligem os povos em hegemonia no mundo atual. Ouve falar com horror das situações caóticas reinantes entre seus irmãos "mais velhos", mas essas notícias ressoam em sua consciência como provenientes de um mundo distante cujos padecimentos não sente e cujas conquistas inveja. Preservado por sua imaturidade, não se contagia, por não haver ressonância, ainda, em sua alma coletiva para os princípios de uma existência árdua, trabalhada por provações e conquistas milenares como é a de seus irmãos.
Com o correr do tempo, os fatos se incumbirão de apontar as deficiências do sistema de vida adotado pelos atuais líderes planetários e, quando os valores adormecidos do povo brasileiro forem despertados por uma contingência natural da evolução, o panorama mundial estará modificado a ponto de proporcionar uma compreensão diferente dos princípios morais que devem, realmente, ser cultivados por um povo cristão.
PERGUNTA — Há alguma razão para ser confiada ao povo brasileiro a missão de exemplificar os ensinamentos evangélicos no futuro? Após a grande transformação do final dos tempos não será possível a qualquer povo a devida transformação para acomodar-se às Verdades Eternas?
RAMATIS — Após as grandes provações coletivas não será mais possível a quem quer que seja permanecer em oposição organizada ao Bem coletivo, pois o ambiente terreno será saneado e a catástrofe se incumbirá de evidenciar de tal forma os erros contumazes do homem terreno que os mais inertes espiritualmente falando não conseguirão se furtar ao imperativo de definir-se em favor da renovação imprescindível. Entretanto, como é fácil compreender, aos povos antigos seria mais difícil obter liderança num setor de realizações em que são exigidas virtudes antagônicas à sua expressão psicológica habitual. Os choques aos quais será a Humanidade submetida impressionarão a todos, porém a alma dos povos ainda na adolescência espiritual estará mais apta a absorver os valores da nova era. Assim como o espírito do homem avançado em anos conserva automatismos que o impedem de assimilar com facilidade novos conceitos, também caberá à juventude espiritual do planeta aproveitar, em maior profundidade, os ensinamentos futuros. Os povos que estiverem em fase de consolidação de princípios psicológicos respirarão em uma atmosfera de realidades apocalípticas, quando a luz não mais puder ser velada pelas falsas concepções humanas.
PERGUNTA — Não seria mais fácil ao povo brasileiro obter vitória em sua missão evangélica se possuísse uma origem étnica homogênea, proveniente de uma das grandes raças existentes na Terra?
RAMATIS — Os ramos étnicos mais favorecidos da Terra tiveram todos os elementos necessários a essa liderança evangélica e só conseguiram realizá-la em parcela tão limitada que se tornou caótica a situação espiritual terrena. Em consequência, deturpou-se de tal forma o panorama psicológico no qual se movimentam que desenvolveram em torno de si uma aura impenetrável aos princípios evangélicos mais profundos e verdadeiramente sentidos. Há um verniz de cristianização a envolvê-los de permeio com tal soma de impurezas que se transformou numa crosta impermeável aos efeitos da luz. Embora contem com preciosas aptidões no campo da realização, como entidades afinadas aos valores da razão e da disciplina, não se encontram capacitados para liderar um movimento de cunho essencialmente evangélico. O amor cristão transformou-se para eles num privilégio a cuja conquista só os "santos" são capazes de pagar tributo.
Se o povo brasileiro tivesse recebido a herança exclusiva de um desses ramos étnicos, estaria envolto em suas características psicológicas. Houve necessidade de formar um amálgama racial que neutralizasse a hipertrofia dos princípios contrários ao amor crístico.
PERGUNTA — Como compreender este processo de neutralização dos princípios contrários ao amor crístico?
RAMATIS — Consideramos "princípios contrários ao amor crístico" os sentimentos de orgulho e egoísmo que se revelam sutilmente disfarçados sob a forma de características naturais, como sejam o preconceito racial e a busca frenética de segurança no plano material.
Os elementos étnicos formadores do povo brasileiro fundiram-se com o objetivo de proporcionar um ambiente no qual fosse impossível a predominância daquelas características negativas. Sendo sua coletividade heterogênea, neutralizou-se o orgulho racial tão decantado como característica "positiva" de um povo, mas que, na realidade, constitui forte incentivo à egolatria.
O povo brasileiro, por sentir-se desprovido das virtudes geralmente consideradas indispensáveis à formação de uma raça vitoriosa, furta-se à cristalização mental em torno de antigos vícios de um nacionalismo estreito e permite a penetração de valores de fraternidade inexistentes em outras coletividades.
Vencidos encontram-se aqueles que, entregues ao culto da ilusão, entronizam os valores transitórios acima dos eternos. Só a humildade será capaz de oferecer na Terra um ambiente espiritual favorável ao esclarecimento; e como a incompreensão generalizada associou a humildade à humilhação, como o orgulho tornou-se sinônimo de realização positiva nas mentes desviadas dos homens, perdeu-se totalmente o sentido do que seja a evolução harmoniosa do espírito dentro dos moldes normais de prosperidade, sem distorções mentais. Foi preciso então reiniciar na Terra o aprendizado do amor e da humildade, colocando em um ambiente desarmônico almas que se predispusessem à existência definitiva da Humanidade nesse ciclo. Enclausuradas numa inferioridade aparente diante de seus irmãos, passariam a pesquisar novo tipo de engrandecimento: o do espírito entronizado sobre a matéria. O clima de menor capacidade de realização material causado por uma inferioridade momentânea, fruto da consolidação da maturidade em vias de se efetivar, aliada às características étnicas pouco favoráveis à busca do progresso material, ofereceu os elementos de uma realização sui-generis sobre a face da Terra — um povo fartamente provido de elementos materiais de grandeza, capazes de constituí-lo em líder da civilização, procurando valores que, entre outros povos, são realmente inexistentes. Esses, antes de conquistar a Verdade, buscam a consolidação dos interesses da vida atual e esta primazia inverte completamente o programa de evolução, fechando dentro de um círculo acanhado as conquistas das mais bem dotadas comunidades.
Existe, ainda, entre os brasileiros um certo espanto infantil diante da grandeza da herança que representa a sua terra. Como a criança a despertar para as vantagens que possui em estado latente, envaidece-se, embora não consiga utilizá-las e ainda se compraz na pesquisa das virtudes consideradas secundárias por seus irmãos mais velhos — os sentimentos de solidariedade que ligam entre si os herdeiros de raças aviltadas por esses mesmos irmãos. O negro infeliz, o português degredado e o índio primitivo sofreram sempre o complexo de serem marginais da sociedade vitoriosa de seus irmãos terrenos e legaram ao povo brasileiro a herança de um atavismo racial feito de solidariedade recíproca, na qual busca defender-se, em sua inferioridade, da força avassaladora dos povos em evidência. Devido a essa atitude psicológica, abrem-se os braços do brasileiro com facilidade para receber os elementos desajustados de toda e qualquer origem, pois a índole provada na incompreensão dos povos estrangeiros sente, como em sua própria carne, a dificuldade de qualquer indivíduo deslocado no seio da sociedade luzente dos povos privilegiados com as tradições de raças intocáveis. Mas, desde que os elementos estrangeiros lhe cheguem como representantes oficiais desses povos, retrai-se a capacidade de abrir-lhes o coração e forma-se em bloco único de resistência a interferências indébitas. Surge a consciência da nacionalidade e o brasileiro, embora não ataque individualmente, sabe formar-se como um todo, cheio de personalidade e deliberação.
Neutralizaram-se, pois, os princípios contrários ao amor crístico pela concretização na Terra do Cruzeiro, de um amálgama racial proveniente de tipos considerados inferiores pelos homens em geral, o que impediu o surgimento de um carma feito de orgulho. A formação psicológica tocada pelos elementos da dor de uma segregação racial tem mantido o povo brasileiro envolto pela ebulição de princípios heterogêneos resultantes da herança étnica recebida. Tal situação transitória impede-o de entregar-se, com o mesmo fervor de outros povos, à busca do progresso material, mantendo-o livre do perigo de uma solidificação de valores que, feita no momento atual da Humanidade, redundaria em estacionamento dentro da aura negativa que envolve as outras coletividades. Essa ebulição será prolongada, por mais algum tempo, a fim de ser incorporado à formação do povo brasileiro o produto de uma aprendizagem dolorosa, mas necessária: a observação da derrocada dos princípios de uma civilização materialista. A alma aberta desse conjunto de raças, em trabalho de consolidação, assinalará integralmente os ensinamentos de tais acontecimentos pois sua consciência coletiva, ainda não estabilizada, acha-se como a cera moldável, por não haver ainda terminado seu período de formação psicológica.
Compreende-se assim a utilidade dupla de se ter colocado na terra brasileira um amálgama racial que, por ser heterogêneo, livrou-a do estigma do orgulho racial e impediu a consolidação prematura de valores, possibilitando a prorrogação da fase de sua maturidade psicológica a tempo de assimilar, de alma ainda virgem, os valores decisivos do expurgo cármico da humanidade terrena.
PERGUNTA — Qual deverá ser nossa atitude a fim de colaborar da melhor forma possível para o amadurecimento das qualidades positivas do nosso povo, tendo em vista sua herança étnica? Bastará esperarmos que o tempo cumpra sua missão renovadora?
RAMATIS — O homem criado à imagem e semelhança de Deus possui em estado latente uma aptidão infinita de criar. Essa capacidade pode expressar-se indefinidamente em pensamentos e atos ocasionais e contraditórios ou ser exercida disciplinada e inteligentemente com o objetivo de colaborar numa concretização mais perfeita dos desígnios eternos. Esta última hipótese pertence aos que já têm "olhos de ver" e só a eles será possível auxiliar o reerguimento geral.
Para satisfazer o anseio de estimular a evolução do povo brasileiro, será preciso obter uma oportuna divulgação dos valores a serem alcançados. Como a incompreensão dos letrados, em sua grande maioria, utiliza-se com eficiência lamentável da plasticidade natural dos que nada realizaram no campo do autoaprimoramento intelectual, será necessário despender um duplo esforço, atacando ambas as frentes de batalha: a argumentação lógica para os que possuem dotes intelectuais desenvolvidos, num duelo em que utilizaremos fraternalmente as suas próprias armas, e o amparo sistemático e amoroso aos que se encontram vergados sob o peso de uma encarnação desprovida dos benefícios da razão iluminada. A estes últimos, chegaremos através do amor; àqueles, por intermédio da razão apoiada nas vibrações de uma dedicação incondicional ao Bem.
Em nossa escola filosófica de amor cristão, tanto teremos lições para proporcionar ao oprimido como ao opressor, ao egoísta como ao amorável, ao ilustrado como ao analfabeto. Sobretudo pela capacidade de exemplificar essas lições, fortaleceremos a corrente de forças positivas que impulsionam o progresso da alma coletiva do povo em formação, inoculando-lhe os germes vivos, porque atuantes, das verdades eternas.
E quando afirmamos ao discípulo que é preciso "viver" as verdades que ama em todos os momentos de sua existência, queremos ressaltar que o Bem é um princípio estuante de vida só aclimatável em terrenos afins e necessita, para ser conservado em seus valores de produtividade perene, dos cuidados proporcionados nos laboratórios às culturas de ambientação mais delicada. Assim, o aprendiz que pretende veicular os valores do Amor Crístico em seus atributos de amparo e esclarecimento deve se considerar como um campo onde serão mantidas as condições de uma salubridade mínima, indispensável à existência dos germes do Bem que aprendeu a amar. Assemelhar-se-á então ao "tubo de ensaio" no qual, por um esforço constante, mantêm-se as condições de vida para os embriões do Bem, que irão sendo inoculados oportunamente.
Ao ódio responderá com amor; à incompreensão contumaz replicará com o silêncio da atividade benfeitora; à indiferença em relação aos valores eternos fornecerá os elementos de meditação de uma realização cheia de renúncia e boa-vontade. E assim, dentro da massa que parecerá em repouso, estará trabalhando o fermento da espiritualidade que evidenciará sua presença quando o calor da provação coletiva submeter a experiências decisivas esse conjunto de almas aparentemente adormecidas sobre a incompreensão de seu próprio valor.
Quem desejar colaborar efetivamente no estímulo ao progresso do povo brasileiro deve trabalhar silenciosamente como o fermento preparador da massa, compreendendo que, no momento, seus esforços parecerão inúteis, incapazes de erguer e transformar o conjunto. Porém, se souber interpretar verdadeiramente o papel que desempenha, não esmorecerá ante a vitória aparente da inércia em que seus irmãos parecerem mergulhados. Conhecendo a programação do trabalho, saberá que o pão só se tornará agradável ao paladar e de fácil digestão se receber oportunidade de levedar por tempo suficiente.
Clique aqui para ler o prefácio escrito por Ramatis.
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