quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Breve análise da história do Brasil
do ponto de vista da espiritualidade
(21nov2012)


Continuação do livro "Brasil, Terra de Promissão", publicado em 1969, ditado pelo espírito de Ramatis e psicografado por América Paoliello Marques:

I - Preparação psicológica


2 - Desenvolvimento histórico



PERGUNTA — À sombra da História do Brasil, gostaríamos de analisar convosco quais os fatos que mais influíram na formação do carma coletivo de nosso povo.

RAMATIS — À orientação espiritual de um povo só interessam os fatos que, em linhas gerais, imprimem um impulso capaz de modificar sua situação diante da Espiritualidade. Por isso, não nos deteremos a examinar curiosidades históricas do anedotário tradicional ou inédito, como erradamente poderia julgar quem buscasse nesta obra e especialmente neste capítulo o sensacionalismo peculiar aos estudos comuns dos acontecimentos passados. Como podereis facilmente  compreender, estamos situados em um posto de observação que amortece os ecos dos interesses imediatos e só nos deteremos nos fatos que representam a coluna vertebral do corpo de situações que, até hoje, se acumularam à volta da consciência coletiva do povo brasileiro.

As avozinhas, através dos tempos, vêm narrando, aos seus atentos ouvintes, os fatos que presenciaram e as crônicas oficiais estão repletas de observações entusiastas sobre os feitos patrióticos. Porém, essas formas de comentário histórico funcionam como transbordamentos da enxurrada de situações vividas, a correr canalizados no subsolo inexplorado por esses narradores. Como belos chafarizes, as expressões laudatórias das narrativas oficiais impregnam as mentes que, passivamente, se colocam à sua volta com o desejo de se extasiar diante do belo e do grandioso, sem investigar, muitas vezes, a qualidade falsa ou verdadeira de tal espetáculo e mesmo sem cogitar, em seu ardor patriótico, se haverá pelo mundo afora quem produza melhores efeitos de beleza e grandiosidade.

Particularmente, não faltam as informações que passam pela tradição oral, como pequeninas fontes de abastecimento a jorrar do sistema de irrigação que funciona como o próprio sangue vigoroso a alimentar o gigante cujos feitos uns se encarregam de enaltecer e outros de reduzir a simples situações equívocas, a que os homens do momento procuraram esquivar-se da melhor forma possível.

Nós, porém, procuramos reportar-nos aos acontecimentos como alguém que examinasse a rede de encanamentos no subsolo. Ela foi construída aparentemente ao sabor dos fatos; sabemos, no entanto, que seus construtores agiram impulsionados por reminiscências de planos preestabelecidos no Espaço.

Todavia, como facilmente podemos compreender, o abafamento do espírito pela matéria e a incompreensão generalizada reinante na Terra não permitiram que esse planejamento fosse respeitado como convinha. E frequente os engenheiros precisarem transigir com a imperfeição da obra, em virtude da ineficiência do pessoal especializado. Isso porém não impede que sejam preparados novos obreiros para futuras retificações e que se procure, com afinco, um nível mais alto de realização.

A história do Brasil está repleta de fatos confirmadores de sua predestinação pacífica e amorável. É no estudo desses momentos históricos decisivos que nos deteremos, atendendo ao objetivo desta obra. Não nos restam lazeres para o exame de situações pitorescas ou de casos que não hajam influído de forma marcante no carma coletivo do povo brasileiro.

Faremos um ligeiro apanhado das linhas mestras da canalização através da qual tem corrido, nesses quatro séculos, o fluido tão heterogêneo, das vivências desse povo destinado a projetar-se no futuro, mas que necessita rever cuidadosamente sua rede de abastecimento, planejando-lhe o prolongamento dentro de melhores concepções da técnica de evolução espiritual.


PERGUNTA — Como será conduzida por vós a análise desses fatos?

RAMATIS — Para melhor orientarmos nosso estudo, convém que nos coloquemos na atitude mental do psicólogo que, intensamente concentrado em sua observação, utiliza impessoalmente os conhecimentos técnicos. Pesquisa os antecedentes biológicos como ponto de partida para uma análise de conjunto, relacionando-os com os distúrbios fisiológicos e com os fatos de repercussão moral.

Nessa atitude da mais absoluta neutralidade técnica, examinaremos o que poderíamos chamar de "antecedentes biológicos" do "paciente" a observar. Sabemos que se trata de um adolescente em plena crise de adaptação e indagaremos sobre os fatos relacionados ao seu nascimento.


PERGUNTA— Compreendemos então que serão analisados os acontecimentos ligados ao descobrimento do Brasil, não é verdade?

RAMATIS — Penetrando a atmosfera efervescente de atividades do século XV, identificaremos a expectativa dos que se interessavam diretamente em acompanhar os fatos comparáveis aos "meses de gestação" do que se supunha ser um belo infante. Colombo incumbira-se de fazer as primeiras tomadas de contato, mas, no corpo maternal da América, Portugal pressentira os movimentos fetais de uma nova terra e nela depositava as esperanças de ampliação da sua prole.

São feitos os preparativos necessários e o cirurgião competente encarrega-se de cortar o cordão umbilical ao retirar das entranhas da obscuridade histórica o mais belo rebento que Portugal já possuíra.


PERGUNTA — Quais as consequências psicológicas de tal fato?

RAMATIS — Para iniciar o estudo das consequências psicológicas relacionadas com o nascimento de um pequenino ser é preciso pesquisar as reações desencadeadas nos genitores por esse fato insólito. Portugal, em pleno vigor da idade madura, não alimentava ilusões quanto à possibilidade de conseguir despertar maturidade repentina em seu pupilo, mas, envaidecido de seus dons de robustez física, dedicou-se a explorar esse aspecto. Como o pai que sabe ser impossível alcançar o desabrochar da personalidade de seu filho, por já se encontrar avançado em anos, desistiu de incutir-lhe uma orientação educacional adequada, julgando essa tarefa acima de suas forças. Com o correr do tempo e o desenrolar dos acontecimentos, viu-se em completo descalabro sob o ponto de vista da autoridade moral, pois seu rebento transformara-se num atleta, cujos feitos eram aplaudidos por todos em virtude dos lucros produzidos, mas cujo comportamento na intimidade era necessário velar aos olhares indiscretos.


PERGUNTA — Como compreender essa última afirmação?

RAMATIS — Assustado com a atitude calamitosa dos colonizadores nas "terras de além-mar", onde não havia o freio da civilização, Portugal resolveu, um tanto tardiamente, estimular os processos educativos, como se fosse possível sanar por intervenção alheia a má orientação dos pais junto ao filhos nos primeiros anos de sua infância. A fim de acalmar seus espasmos de consciência, recorreu à disciplina religiosa, exatamente como os genitores que, sem forças para assumir com firmeza a direção de seus tutelados, entregam-nos a piedosos homens, numa transferência acomodatícia de responsabilidade. Entretanto, a argúcia psicológica dos pequeninos percebe nada ter mudado em suas relações com os pais, limitando-se a adquirir hábitos de simulação que são levados à conta de progresso efetivo. Nessa atitude, fazem uso de um direito hereditário à acomodação utilitária e é frequente que tudo permaneça numa paz aparente, promissora de uma solução mais fácil.

No entanto, os anos se encarregarão de mostrar os malefícios de tal proceder que, não obstante, só serão perceptíveis a quem souber relacionar entre si os fatos remotos de uma infância mal orientada.


PERGUNTA — Haverá meios de sanar as dificuldades causadas pela repercussão dessa linha de conduta na personalidade adulta? Ou a falta de orientação educacional na infância é um mal de consequências inevitáveis?

RAMATIS — O Senhor permite sempre a recuperação, alcançada na medida exata do esforço despendido. Se não houvesse meios de deter as consequências de um mau início, não haveria utilidade em estudarmos as deficiências e teríamos que admitir a existência do inferno para os irrecuperáveis.

O processo, porém, é prolongado e a desilusão chega facilmente às almas bitoladas no âmbito de uma única vida. Eis a razão pela qual precisamos insistir no aspecto espiritual do problema da evolução histórica do povo brasileiro, para deixar bem marcadas as impressões palmares desse gigante através dos séculos. Como o detetive interessado em reconstituir os fatos a fim de obter conclusões, mediremos as pegadas dessa trajetória secular e veremos, pela amplitude dos passos já executados, qual a capacidade de locomoção que o futuro lhe reserva. Só assim conseguiremos uma impressão mais exata das possibilidades latentes do jovem bisonho, que observamos diante de nós. Não agiremos como observadores desavisados e incapazes de maior penetração psicológica, a fazer negras previsões diante dos ademanes desgraciosos do adolescente inábil. Desejamos, mais como um amigo, repetir aos seus ouvidos as palavras de estímulo baseadas na consciência plena de sua capacidade de recuperação e estamos certos de que a reação será tanto mais favorável quanto mais capazes forem as orientações que seguidamente lhe sejam proporcionadas.


PERGUNTA — Nossa curiosidade, desperta pelas vossas palavras, desejaria identificar os fatos que serão analisados.

RAMATIS — O nascituro robusto que surgiu aos olhos do mundo no século XV, enchendo de espanto seus descobridores, principiou a tarefa de equilibrar-se sobre os próprios pés, mas tão larga era a sua envergadura que foi preciso mobilizar vários preceptores ao mesmo tempo para auxiliarem o desenvolvimento de seus primeiros passos. Frequentemente, em sua insegurança infantil, ameaçava esmagar os que tentavam ampará-lo e houve quem se prevalecesse desse fato para declarar inaptos seus tutores.

A França e  a Holanda, vizinhos mais hábeis na técnica educacional, pretenderam interferir decisivamente, retirando a Portugal o pátrio-poder. Não contavam, porém, com a força do instinto que atrai os filhos para os pais. Viram-se, pois, repudiados, embora trouxessem ao pequeno infante a oferta de seus préstimos mais eficientes.

E o gigante, em sua primeira fase de infância, continuou a amparar-se nos educadores liliputianos que lhe eram destinados na quantidade capaz de suprir a falta de qualidade, pois poucos homens de real valor se dispunham a emigrar para a terra recém-descoberta.

Não faltaram, porém, alguns donatários conscienciosos que procuraram exercer governança laboriosa e, por ordem de D. João III, principiaram a difícil empresa de se colocarem uns sobre os ombros dos outros para alcançarem altura suficiente, a fim de amparar os braços do bebê que desejava caminhar. Contudo, muitos não conseguiram sustentar-se em tal malabarismo que, mesmo executado a contento, não lograria oferecer apoio suficiente para  dirigir o pequenino gigante em seus primeiros passos.

Engendrou-se então uma forma mais eficiente de administrar e iniciaram-se os Governos-Gerais. A criança sentiu-se aliviada da algazarra que se fizera à sua volta, alegrando-se por ver diante de si um só comandante, mais robusto e portanto mais à sua altura.


PERGUNTA — Quais os aspectos principais dessa primeira fase de nosso desenvolvimento histórico?

RAMATIS — Como recém-nascido, o Brasil estivera em decúbito dorsal, assinalando por gestos desconexos a sua vitalidade latente. Em seguida, imprimindo consciência aos próprios movimentos, colocou-se de bruços e levantou a cabeça para sorrir, identificando os pais. Sentiu-os afáveis e amorosos e, incapaz de discernir sobre seus problemas dentro da comunidade humana, entregou-se confiante à orientação dos que primeiro lhe falaram ao coração.

Em seguida veio a fase em que já lhe era possível escolher as próprias companhias e estabelecer comparações entre o "modus-vivendi" adotado em seu próprio lar e as diretrizes mais amplas que norteavam a existência de seus contemporâneos. A cada incursão de reconhecimento retornava mais cabisbaixo e insatisfeito. Por amor aos progenitores, gostaria de conservar-se na ignorância em que vivia, mas, penetrando já a segunda infância, via-se em brios e precisava colocar-se à altura de seus companheiros. A América do Norte declarara sua independência. A França era uma incitação constante à liberdade e aos direitos do homem. O mundo avançava e era necessário obter autonomia, mesmo que isso custasse o rompimento com a austera intransigência paterna.

O menino ainda não penetrara a adolescência e já clamava contra as imposições do regime retrógrado de seus responsáveis. Debatia-se, pois sua visão ultrapassava já o âmbito estreito da casa paterna. Porém, como sempre sucede em tais casos, por mais perfeita que seja a inconfidência, têm pouca envergadura os braços do pequenino para se livrarem dos pulsos fortes dos progenitores, que terminam por submetê-lo após toda grande tentativa de libertação.

Entretanto, com a Inconfidência Mineira, consolidou-se o anseio que aguardaria a hora adequada para concretizar o sonho tão acariciado — a Independência.


PERGUNTA — Qual teria sido o destino do Brasil caso se realizassem os desejos dos Inconfidentes?

RAMATIS — Tiradentes e seus companheiros foram precursores, no Brasil, de uma ideia que germinava espontaneamente em todo o planeta. Sua missão consistia em personificar um conjunto de ideias e defendê-las para que se desenvolvessem oportunamente. Nos anais da Espiritualidade jamais existiu exemplo de planejamento que incluísse movimentos armados e, como o Brasil vem sendo preparado para uma missão essencialmente pacífica, houve sempre o maior cuidado em preservá-lo das conquistas sanguinolentas. No momento em que os movimentos renovadores descambam para o âmbito da violência, enfraquecem, pois fogem à orientação que lhes foi impressa no Espaço.

Em sua retina espiritual, o "Mártir da Independência" sentiu essa distorção dos planos pré-estabelecidos e, como líder do projeto belicoso, tomou a si a responsabilidade declarada do movimento. Reconhecia em seus companheiros o idealismo que os teria tornado capazes de semear as ideias generosas, esperando que o tempo se incumbisse de desenvolvê-las e encerrou o capítulo frustrado daquela revolta, penitenciando-se por se ter negado a esperar.

Podemos aquilatar das consequências dessa libertação prematura se nos reportarmos às situações vividas pelos meninos que cedo se libertam de qualquer tutela, entregando-se à vadiagem nas ruas. Só os excepcionalmente dotados são capazes de fugir às influências negativas e se tornarem homens de bem.

Em geral, o que sucede é a desagregação de toda conquista educacional semiconsolidada no verdor da segunda infância.

Por mais dignos de respeito e admiração, os Inconfidentes, com uma independência precoce, teriam causado o desmembramento do território brasileiro, facilitando a dominação estrangeira e a fragmentação do povo que está destinado a manter-se coeso para uma missão de fraternidade no futuro.


PERGUNTA — Haverá então uma época predeterminada para a eclosão de nossa autonomia entre os povos?

RAMATIS — Todos os detalhes são previstos nos estudos feitos no Espaço para o encadeamento cármico de um povo. Dizemos previstos sob a forma de análise, com o objetivo de estabelecer diretrizes, tal como na família é possível traçar planos para o futuro, buscando os meios de sua realização.

Dentro do planejamento psicológico de um povo há características de semelhança muito grandes com o mesmo processo aplicado à alma humana.

Sabemos que o indivíduo só começa a habilitar-se para enfrentar o meio quando desponta em sua mente a argúcia da adolescência, geralmente acompanhada de uma certa dose de agressividade, necessária à imposição pessoal.

Podemos facilmente identificar esse período de adolescência com a época de Pedro I. Sua atitude simboliza uma fase. Cada momento psicológico de uma coletividade encontra quem o reflita com maior ardor. Irreverente, indisciplinado, cuidou de pôr em evidência as características varonis do povo brasileiro no momento em que este já possuía uma consciência em vias de se tornar realmente autônoma. José Bonifácio, colocado a seu lado, teve por missão ser porta-voz da sobriedade, como a memória que alerta o adolescente em relação aos conceitos de equilíbrio herdados dos ensinamentos paternos.

Sem o sentimento de coesão nacional, introduzido na consciência coletiva do povo brasileiro através dos períodos de governo de D. João VI e Pedro I, o Brasil não estaria apto a enfrentar as investidas do desmembramento que sucederiam à Independência.


PERGUNTA — Cientes de que a programação deste trabalho não comporta a curiosidade histórica, abstemo-nos de interrogar diretamente sobre o período movimentado que se seguiu à Proclamação da Independência. Porém, para que não se forme uma lacuna entre os comentários anteriores e os fatos posteriores de maior importância, deixamos a vosso critério a coordenação do assunto.

RAMATIS — Como é bela a juventude, cuja irreverência e aparente irresponsabilidade trazem em si o fermento da renovação! Que maravilhosas oportunidades de evolução espiritual são oferecidas pela impossibilidade funcional que têm os jovens de se acomodarem às ideias cristalizadas! O progresso exige reajustamento, e não fora a inquietação da mocidade que lança sobre as solidificações mentais do meio um raio de luz avançada, a sociedade sofreria do mal incurável de um envelhecimento precoce.

A prudência, como virtude oriunda do bom-senso, só produz efeitos positivos ao ser conjugada com o espírito renovador que não permite o estacionamento. Numa obra de conjunto, na qual cada um dá sua contribuição parcial ao progresso, não se poderia recriminar os ímpetos de almas empenhadas na tarefa de transformação, pois só a índole pouco austera de que são dotados abre campo às atividades capazes de romper os grilhões das situações estabelecidas e amplamente consolidadas.

A repercussão negativa de seus atos deve-se, em grande parte, embora não totalmente, ao rompimento de barreiras anteriormente estabelecidas pelos interessados em sustentar a situação vantajosa de grupos ou ideias aparentemente mais proveitosas.

Forma-se então uma espécie de jogo em que os oponentes insistem em lançar-se em sentidos contrários e de seus esforços, que seriam prejudiciais se totalmente vitoriosos, resulta a conquista de meio termo para o bom andamento do progresso.

Só uma alma irrequieta e indomável como a de Pedro I seria capaz de tomar a si a responsabilidade de romper a tradicional obediência à Metrópole, pois sua índole já construíra uma resistência natural às impressões e ideias alheias. A mesma capacidade de enfrentar a opinião do meio que o fazia viver de acordo com as próprias concepções levou-o a prestar relevante serviço à terra onde tão severas eram as admoestações à sua conduta irreverente.


PERGUNTA — Como devemos, pois, encarar o período que se seguiu à Proclamação da Independência?

RAMATIS — Formou-se um estado de estupefação semelhante ao que se apossaria de um homem acorrentado que, após concentrar longamente suas forças no ato de arrancar os grilhões do paredão a que o prendiam, consegue soltá-los. Sua primeira sensação é um misto de prazer e espanto e, momentaneamente, acha-se incapacitado para discernir com clareza. Como vivera acorrentado, não possui experiência que o torne seguro em suas deliberações. Sente-se como que embriagado pelo direito de agir livremente e não pretende abrir mão do privilégio conquistado com tão grande esforço. Toma uma atitude hostil à menor interferência na sua soberania e, por conseguinte, muitas vezes ultrapassa o limite da liberdade, em cujo seio ainda não se aclimatou.

Os brasileiros, cansados da escravidão política, viram na euforia de autoridade de Pedro I  um perigo talvez maior do que o anterior, pois a opressão poderia instalar-se no próprio ambiente doméstico. O espírito conservador e prudente de alguns homens da época deliberou o afastamento, no qual Pedro I levaria consigo não só a sombra de um mal a ser evitado, mas, também, a tristeza da responsabilidade que obriga os pais a internar o adolescente rebelde por não poderem reconduzi-lo ao caminho da temperança.


PERGUNTA — Teria Pedro I guardado profunda mágoa pelos acontecimentos que o afastaram do Brasil?

RAMATIS — Não cremos fosse esse espírito turbulento afeito a alimentar ressentimentos. As mágoas germinam e florescem mais fortemente nas almas introvertidas, cujo panorama limitado de atividade externa prodigaliza lazeres para conjeturas sobre fatos passados. Um homem de espírito prático e ativo substitui facilmente as decepções por interesses novos no propósito deliberado de esquecer, embora nem sempre, intimamente, consiga fazer justiça às situações vividas.

Seu panorama de lutas renova-se com  mais facilidade, refazendo impressões e permitindo que as antigas caiam rapidamente, senão no esquecimento, pelo menos no estado de vibrações amortecidas.

Às alegrias da corte brasileira, que tanto lhe tocavam o coração, sobrepôs a rearmonização com os valores mais avançados de uma sociedade cheia de tradição e cônscia da própria superioridade.

Jamais pôde lembrar-se com rancor dos anos vividos na pátria adotiva. Eles permaneceram em sua memória como "os doces anos da juventude".


PERGUNTA — Para iniciarmos o estudo de um novo período da História do Brasil gostaríamos de conhecer vossas considerações sobre o Segundo Império.

RAMATIS — Foi um período de marcante vitória da Espiritualidade sobre a Terra Brasileira. Venerável figura de monarca liberal, generoso e seguro em seus princípios cristãos, Pedro II teve, durante meio século, oportunidade de colocar sobre um trono virtudes que raramente o adornam. Exemplo de retidão e soberania espiritual, conseguiu realizar na terra o ideal dificilmente concretizado de um governante honrado por seus súditos, com reais motivos para isso.

Na intimidade, confessou-se muitas vezes incapaz de arcar com a responsabilidade de dirigir a Pátria convulsionada por desinteligências e graves lutas internas e externas. Como os servos sinceros do Bem, dando de si tudo que possuía, considerava pequenas as suas possibilidades diante da extensão da obra. Bem pouco, porém, podia avaliar suas próprias qualidades, pois, sendo elas dons naturais, não se dava conta da influência profunda que exercia à sua volta. Espírito de escol, envolvia toda uma época numa aura de serenidade paternal, abrindo campo às atitudes nobres nos contemporâneos que se inspiravam inconscientemente em sua irradiação harmoniosa.

As coletividades são intensamente influenciadas pelos seus dirigentes, não só por lhes estarem sujeitas às deliberações como por serem suas vidas insensivelmente imantadas a quem as orienta. Os olhos de um povo estão instintivamente fixos em seus líderes, para bendizê-los ou criticá-los. No primeiro caso, as vibrações positivas do amor que inspiram estimulam o desenvolvimento harmonioso das tarefas executadas. No segundo, contribuem para enfraquecer o entusiasmo e, muitas vezes, disseminam o desinteresse ou o desânimo.

Desse modo, bem podeis imaginar o que representou para o Brasil o período durante o qual teve diante de sua alma coletiva a figura veneranda do patriarca sereno, modesto e cristão que a Orientação Espiritual do planeta legou ao Brasil para modelo das virtudes cívicas e humanas.


PERGUNTA — Quais os fatos principais de seu governo, à luz da Espiritualidade?

RAMATIS  — Todo homem é produto do entrosamento das influências do meio sobre sua índole espiritual. As diretrizes básicas de sua conduta definem-se no ponto em que essas duas forças se cruzam. Como duas coordenadas, elas formam o ângulo dentro do qual vão sendo marcados, na horizontal, os impulsos do plano material onde ele vive e, na vertical, os avanços mais ou menos largos da mente e da sensibilidade consciente e subconsciente. Dos repetidos pontos de conjugação dessas duas forças surge uma linha que será inclinada para a mediocridade do meio ou se elevará, atraída pelos valores de uma consciência esclarecida. Nenhum espírito encarnado conseguirá nortear sua conduta com absoluta independência do meio. Porém, está em suas mãos elevar mais ou menos a reta de seus pensamentos e ações.

Pedro II amou, serviu e chorou. Não se ligou às facilidades aparentes de sua posição, preocupando-se em lutar contra as deficiências que prejudicavam o povo. A muitos "espíritos práticos" do presente nossas palavras soarão como o eco de uma espécie de "sadismo espiritual". Mas o fato de valorizarmos o sofrimento de um governante que não se deixou distrair pelos interesses falsos de sua posição tem razões profundamente lógicas. Todo aquele que se impõe como dever de consciência cumprir a missão de servir ao bem-estar alheio encontrará obstáculos capazes de arrefecer-lhe o entusiasmo se não se dispuser a "fazer das tripas coração", como se diz em linguagem vulgar.

Os governantes aparentemente dedicados ao bem-estar do povo têm resistência aos seus esforços muito atenuada, pois é menor o número de vantagens pessoais que contrariam. A gratidão e o louvor popular só chegam a ser evidentes muito tempo após a alma de seu líder se haver empenhado nas contrariedades da governança fiel. O povo geralmente desconhece seus próprios interesses, até que a obra benfeitora lhes traga proveitos inegáveis.

É, portanto, uma consequência natural do estágio evolutivo da humanidade terrestre que seus verdadeiros condutores sofram a dor do isolamento e da insegurança dentro do meio, embora haja, na intimidade espiritual das grandes almas, a serenidade adquirida como a resistência do aço submetido às altas temperaturas e aos resfriamentos súbitos.

Em todo o período governamental de Pedro II, conferimos maior relevância ao fato de possuir esse monarca intensa capacidade para manter-se sereno na prova cruel do insulamento espiritual, alimentando a chama interior de uma pureza de intenções absolutamente inextinguível.

Diante da Espiritualidade, nada poderia sobrepor-se a esse fator, capaz de assegurar o êxito possível a qualquer empreendimento.


PERGUNTA — Que fatores terão influído para fazer de Pedro II esse líder espiritualmente tão bem dotado?

RAMATIS — Achamos interessante notar a expressão "espiritualmente bem dotado", pois é preciso distinguir claramente entre a capacidade de magnetizar as massas numa liderança estéril e artificial e o dom superior das grandes almas que se colocam em situação natural de destaque, por uma amplitude de valores que não procuram evidenciar, mas que se impõe por si mesma. Pedro II não pode ser comparado aos líderes modernos, cujo empenho maior consiste em consumir vorazmente a atenção das massas. Incapaz de improvisar o "vedetismo" exigido pela alma superficial da época materialista, seria facilmente derrotado em uma das eleições atuais, por apresentar virtudes dificilmente identificadas pelo olhar distraído do irrequieto espírito contemporâneo.

Para melhor compreendermos os fatores que o envolveram numa aura de constante e genuíno patriarcalismo, no sentido bíblico da palavra, seria necessário recuarmos à atmosfera tranquila da vida no século passado, quando o cientificismo dos tempos modernos mal começava a despontar. Todos os valores hipertrofiados geram desequilíbrio e até mesmo a força grandiosa da ciência, que impulsiona o progresso, pode distorcer o panorama da própria evolução para a qual colabora tão decisivamente. O homem do século XIX começava a vislumbrar uma era lúcida de grandes renovações. Respirava na atmosfera de Edison, Marconi, Mme. Curie e outros pioneiros do ressurgimento material do planeta, cuja alma coletiva ainda não mergulhara na concepção hipertrofiada dos valores adquiridos através da ciência material. Concedia ainda importância relativamente grande à personalidade do cidadão capaz de se impor pelas irradiações de um verdadeiro humanismo.

O homem atual porta-se como a criança cujos educadores proporcionassem, para seu aprendizado, meios tão aperfeiçoados na técnica material que a levassem a considerar a experimentação científica como um brinquedo, viciando-lhe a alma em facilidades que a tornassem avessa ao estudo acurado das causas capazes de movimentar a engrenagem observada. Encantada com a técnica, olvidara por completo os valores desenvolvidos por aqueles que se empenharam num esforço sobre-humano para obter os meios de concretizar o sonho dourado de um progresso vertiginoso. Observando os efeitos, seria essa criança incapaz de desenvolver em si qualidades que a tornassem, também, apta a semelhante empreendimento, feito de tenacidade e idealismo superior.

A Humanidade do presente moldou seu psiquismo numa atmosfera de grandiosidade externa e perdeu, por atrofia, a capacidade de identificar as irradiações mais aprimoradas do espírito.

Pedro II foi uma alma como ainda existem muitas sobre a Terra. Não se poderia afirmar que fosse um expoente da Espiritualidade. Sua grandeza consistia em possuir uma sinceridade de propósitos de absoluta integridade moral e ter sido colocado em situação que favorecia e evidenciava esses atributos. Não era um espírito aguerrido e belicoso; no entanto, sabia aceitar o desafio das forças negativas. Não era um gênio científico, mas valorizava a instrução, seguindo os rumos mais avançados do saber, sem esquecer de proporcionar ao povo os rudimentos necessários ao seu esclarecimento. Não era um "santo", porém de sua aura irradiava-se uma vibração em que predominava a generosidade cristã, sem discriminação de qualquer espécie.

Ainda nos dias de hoje, poderiam ser encontrados em vosso meio espíritos que se lhe assemelhassem pela pureza de intenções e verdadeira capacidade de trabalho em prol do bem coletivo. Entretanto, para que se alçassem ao panorama da liderança seria necessário formar-se uma corrente de entusiasmo popular pelas virtudes cristãs que não se exibem em praça pública, incapazes que são de se contradizerem em sua autenticidade por gestos melodramáticos de propaganda pessoal.

Os fatores decisivos do êxito de Pedro II sob o ponto de vista espiritual foram, em primeiro lugar, sua indiscutível coerência com os princípios cristãos, assimilados por sua alma íntegra e profundamente interessada na evolução do povo; e, paralelamente, a circunstância de ter vivido numa época em que os destinos da Pátria ainda permitiam a interferência mais direta da Espiritualidade para colocá-lo como seu verdadeiro condutor.

Hoje em dia passaria inteiramente despercebido ou ver-se-ia relegado ao ostracismo caso tentasse, por dever cívico, impor-se aos seus contemporâneos.

Nada disso, porém, está em desacordo com as previsões das Esferas Superiores, pois a maturidade psíquica de um povo só pode ser forjada ao calor de provações coletivas, durante as quais as maiores lições são assimiladas.


PERGUNTA — Que considerações ainda teríeis a fazer em torno desse período histórico?

RAMATIS — Acompanhando a sequência das comparações adotadas, constatamos ser essa época equivalente ao período da segunda infância no desenvolvimento espiritual da coletividade brasileira. Há nos fatos observados aquela característica de ponderação e "bom comportamento" que os jovens se impõem para as decisões graves, quando ainda se colocam sob um maior controle dos progenitores. Assim, num dia de festa para o plano terrestre e, mais ainda, para a Espiritualidade, na ausência física do responsável pelos destinos do País reuniu-se o que havia de mais puro em sentimento patriótico e, dentro da aura luminosa de um idealismo extraterreno, o povo brasileiro deu prova de generosidade vigorosa em seus princípios cristãos, igualando os direitos civis de todos os homens na Terra do Cruzeiro.

Foi como  se,  na ausência paterna, a alma coletiva brasileira desejasse dar um testemunho de assimilação dos princípios morais e educacionais adquiridos e, como a criança feliz, recepcionasse com a casa em festa o pai que retornava.

Ele, por sua vez, recebeu com alegria as demonstrações do progresso espiritual de seus tutelados, embora soubesse que estimulando o desenvolvimento dos predicados positivos de seus filhos, arriscava-se a sérios contratempos. Contudo, dispôs-se a pagar os prejuízos consequentes à boa aprendizagem, mesmo que isso redundasse em ruína total para si.

Houve intenso júbilo na Terra, mesclado aos clamores de protesto de grande parte dos "prejudicados" com a alforria dos negros. Mas, em nenhuma parte do mundo, em nenhum momento histórico, vibrou mais intensamente o padrão de espiritualidade de um povo.

Grandes valores têm sido movimentados em outras coletividades sob o ponto de vista espiritual; nenhum, porém, de tão alto teor crístico como o esforço benéfico de alguns, refletido de forma decisiva sobre o carma de uma nação, de maneira tão fidalga e cristã.

Com bases profundas, essa foi uma lei digna de figurar num livro de ouro, pioneira de uma era que ainda não despontou na Terra — uma era na qual a justiça será distribuída com equidade e os códigos redigidos verdadeiramente em função do bem-estar coletivo, mesmo que impliquem em desabono aparente para quem os sancione.

A alma generosa da mulher brasileira teve também sua glorificação na pessoa da Princesa que iniciou uma era de influência positiva no elemento feminino como instrumento de socorro à infelicidade alheia. Essa época de sérias definições não poderia deixar de marcar uma das diretrizes mais nobres da Espiritualidade sobre a Terra Brasileira: um exemplo indelével da colaboração efetiva da sensibilidade feminina aos empreendimentos que traçaram definitivamente os rumos de um povo.


PERGUNTA — Como deveremos interpretar, à luz da Espiritualidade, os fatos que se seguiram à libertação dos escravos?

RAMATIS — Espiritualmente falando, o Brasil navegara até então como uma grande caravela em período de calmaria, onde os senhores, distraídos de seus deveres espirituais, não sabiam encontrar a direção dos ventos generosos. Com esforços, arrastava-se a nave sobre as ondas à custa dos pesados remos movidos pelos cativos. Um pequeno grupo, porém, conspirava, buscando a rota certa para que a viagem espiritual seguisse seu ritmo normal. Entretanto, não contava com a extensão das consequências da vitória que obteria. Alcançado o rumo certo, repentino impulso enfunou as velas, arrastando a nau com sua força propulsora. Os cativos, em algazarra, viram-se desligados de sua tarefa e corriam em confusão pela nave. Acusações de toda sorte eram dirigidas ao comandante pelos feitores. Dentro de tal ambiente, tornou-se cada vez mais difícil planejar a rota e o pânico apoderou-se da maioria. Colhida pela força do vento renovador, a embarcação ameaçava adernar se mão poderosa não imprimisse ao leme a direção acertada. Verdadeiro motim, no entanto, vedava ao comandante o acesso ao leme.

A criança atingira a puberdade e negava-se a obedecer aos generosos ditames paternos. Incapaz de suportar a disciplina renovadora imposta pela necessidade de corrigir erros longamente alimentados, preferiu personificar na figura do eminente brasileiro que imprimira novos rumos ao destino do País o motivo dos desgostos e insatisfações que convulsionavam sua alma.

Repelindo a figura venerável do servo fiel da Pátria, seus detratores deram vazão aos instintos inferiores de revolta contra o sentimento de amor e fraternidade de que seus atos sempre se revestiram.


PERGUNTA — Poder-se-ia julgar culpado o Proclamador da República por ter contribuído para o degredo de tão nobre alma?

RAMATIS — Amotinados os tripulantes de uma embarcação, é preciso que mão firme se aposse do leme antes que o naufrágio seja iminente. Austero, leal e prudente, Pedro II não possuía, porém, o dom de impor-se à revelia do povo que servira. Sua alma generosa não saberia equilibrar-se num clima em que era acusado de causador das maiores calamidades públicas. Desde o momento em que a alma coletiva do país, convulsionada, atribuiu-lhe a culpa dos próprios desajustamentos, compreendeu em seu foro íntimo a extensão das dificuldades que seriam interpostas à continuidade de sua administração.

O governo deve ter sempre íntima relação com o grau de maturidade espiritual do povo. Conscientemente, na hora de grandes definições, a coletividade brasileira demonstrou não se encontrar à altura do líder que recebera do Alto e, pela ordem natural das coisas, alguém deveria substituí-lo.

Não são os atos praticados que definem o caráter de um homem, mas a maneira pela qual ele os realiza. Uma contingência de honra e de noção de responsabilidade pode impulsionar as criaturas a adotar atitudes que repercutirão negativamente sobre seus contemporâneos. Uma visão mais ampla pode descortinar panoramas não identificados pela maioria.

No momento decisivo, Deodoro assumiu a responsabilidade de personificar os anseios do povo que repelia a generosidade sem mácula de Pedro II e clamava por um líder e um destino mais à altura de sua compreensão.

Os padrões de conduta do jovem ser que se desembaraça do jugo paterno descem de nível, mas temos então uma fase de involução necessária à sua futura autoafirmação.

Deodoro seguiu os ditames da consciência, tomando energicamente em suas mãos os destinos da Pátria sequiosa de autonomia. Quem poderia acusá-lo? Nem mesmo Pedro II, que compreendeu a gravidade do momento, embora não se pudesse furtar à dor de prova tão aflitiva.

Longinus*, que cravara a lança no corpo de Jesus nas últimas horas do Calvário, viu-se reduzido à prolongada agonia do degredo, tendo a trespassá-lo a dor de uma incompreensão irremediável.

* Longinus foi uma encarnação anterior de Pedro II, no tempo de Jesus (cf. Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho,  de Irmão X, psicografado por Francisco Cândido Xavier).


PERGUNTA — Em virtude de ser Pedro II considerado um instrumento dócil às inspirações da Espiritualidade, teria nossa Pátria, em sua ausência, retrocedido ou sofrido grave prejuízo?

RAMATIS — Não, simplesmente colocou-se sobre os próprios pés para seguir os caminhos escolhidos. Nem as criaturas nem as coletividades podem ser conduzidas indefinidamente pela mão do mais sábio. Este princípio, que parece à primeira vista uma injustiça ou imprevidência dos Poderes Superiores, revela profunda sabedoria, pois o ser em evolução só se torna consciente das próprias necessidades quando elas passam a molestá-lo. Precisa, então, fazer-se forte, a fim de enfrentá-las e vencê-las.

Num anseio natural de autodeterminação, os brasileiros desejaram escolher os próprios rumos, não reconhecendo mais sobre si qualquer tutela, mesmo sendo ela da melhor espécie. Esse fato, como já dissemos, é sintoma de sadia maturidade, e por si só nada revela de condenável. Mesmo a incapacidade de muitos para valorizar o governante de escol que até então liderara o País não pode ser condenada, pois o âmbito mental e emocional de um ser involuído não deve ser acoimado de errado por não alcançar ainda valores mais altos. Há uma norma de direito espiritual que dá a cada um a liberdade de escolher sem ser molestado, mesmo quando os seres que lhe caminham à vanguarda identifiquem a inconveniência de suas predileções.

A quem possua uma ideia mais clara do que seja a evolução, nada existe de estranhável no fato de um aparente retrocesso ser sintonia de real tomada de posição dentro do processo evolutivo. O primeiro impulso no deslocamento em direção ao Alto costuma ser feito sob a custódia das Forças Superiores que, após, se retiram para observar de longe, vigilantemente, aguardando os momentos decisivos em que a colaboração externa seja indispensável e oportuna.

Este processo é utilizado como norma de trabalho por todos os servos do Senhor e foi assim que o Brasil passou a ser amparado de forma indireta após a Proclamação da República, fato esperado na eclosão da maturidade relativa a que o povo brasileiro havia chegado.

Longe de ser considerado involutivo, o período que se seguiu é classificado diante da Espiritualidade como a era dos primeiros pronunciamentos realmente genuínos da coletividade, já consciente de seus destinos.


PERGUNTA  — Como interpretar o período que se seguiu à Proclamação da República?

RAMATIS — À Proclamação da República seguiu-se um período comparável aos primeiros anseios de autonomia característicos da puberdade e adolescência. Sendo recente a relativa liberdade desfrutada, o ser ainda se mostra imaturo para a verdadeira realização de independência e enfrentará uma fase mais ou menos longa de adaptação. Muitos de seus gestos terão o cunho caricatural da personalidade não definida e parecerão risíveis em sua seriedade burlesca. Entretanto, sob a aparente incoerência de conduta permanece um lastro valioso de experiências úteis acumuladas e registradas a bem da futura personalidade que se delineia. Passando da atividade desordenada e insegura dos primeiros anos de puberdade à rebeldia obstinada da adolescência, substituída em seguida pelos primeiros clarões de reflexões sadias, o período laborioso que precede a estabilidade dos anos da juventude é precioso pela diversidade das experimentações registradas. Sem elas não se poderia formar uma consciência própria, capaz de arquivar reminiscências e conclusões nas quais se baseassem as diretrizes do futuro. Dessa forma, o período republicano tem sido caracterizado por uma variedade de experiências que se assemelham aos diferentes impactos aos quais a alma adolescente se vê submetida. Um estudo constante de caracteres e situações coloca muitas vezes a alma do povo brasileiro perplexa, como o jovem que abre desmesuradamente os olhos diante de fatos inesperados a que sua impulsividade o arrastou.

Porém, dotado de boa índole, para e raciocina, procurando corrigir os próprios erros sem, entretanto, conseguir furtar-se a novos dissabores.

Permanece na luta e orgulha-se de viver dentro dela, pois sabe que seu futuro baseia-se nos esforços feitos para melhor se conduzir.


PERGUNTA — Poderíamos obter uma análise mais detalhada do que seja esse período de puberdade e adolescência?

RAMATIS — Esse período desdobra-se em três fases: a puberdade, com início de reais transformações, seguida de duas etapas para o clímax e a consolidação das novas bases de vida.

Na alma humana, atingido o período de maturação que precede as grandes transformações do final da segunda infância, um impulso interior arroja a individualidade ao terreno de vivências antes impossíveis.

Há uma incapacidade total de permanecer nos padrões anteriores de conduta. Entretanto, a alma ainda não conta com o desembaraço da experiência e utiliza nesse novo campo de ação os valores adquiridos ao contato de seus instrutores. A puberdade caracteriza-se, pois, pelo jogo de emoções e ideias que tendem a forçar a alma entre expressões antagônicas de si mesma, sem porém exorbitar de um âmbito limitado.

O período da adolescência dispõe de um lastro de várias incursões no terreno da autonomia. O sentimento de entusiasmo pelos valores entrevistos chega ao seu paroxismo e o ser desmanda-se para conseguir conhecer, através de sucessivas experiências, os limites impostos pelo meio à expansão de sua própria personalidade.

Passado mais algum tempo, diminui a intensidade desse rebuliço. A sede de emoções, parcialmente saciada, permite que a alma passe a sorver suas impressões num ritmo moderado, já com uma atitude de observador interessado mais tranquilo.

Consideramos os primeiros anos da República semelhantes aos de plena consolidação da puberdade a surgir num crescendo, através dos primeiros pruridos de emancipação. Na Guerra da Independência e na Inconfidência Mineira, tomam as características de rebeldia da segunda infância, reveladoras da aproximação inegável do destemor e ousadia inerentes ao período crítico. Essas tendências, porém, só se acentuam, tomando aspectos de maior repercussão, quando o ser conquista uma coordenação própria de ideias capaz de conduzi-lo a um fim determinado.

A capacidade do ser vitorioso em um embate planejado alerta os educadores para o surgimento de uma personalidade definida. Foi assim que os brasileiros, considerados coletivamente, testemunharam suas possibilidades autodiretivas no esforço de expandir as ideias abolicionistas, provando, diante de seus orientadores, o vigor crescente dos germes de sua autonomia em vias de concretização.

Apoiados moralmente pelos próprios condutores de seus destinos na Terra, renovou-se a disposição com vista a um futuro cada vez mais realizador e criou-se uma incompatibilidade total entre o jovem vitorioso em seus propósitos e o desejo de seus orientadores de continuarem a conduzi-lo.

Novos esforços de autonomia e rompem-se por completo os liames da tutela que, por mais amiga que seja, passa a ser indesejável.

O período consequente é de ajustamentos totais, porém as normas adotadas em tudo lembram os valores adquiridos. Paira sobre os homens do governo a aura de sincera austeridade com relação ao bem público. Admira-se e incentiva-se a retidão de princípios e os caracteres, calcados na moral sólida e padronizada da época, refreiam os ímpetos naturais em tais eventos.

Passam-se os anos, as gerações se sucedem e o "menino" sente amortecer o eco das vozes dos progenitores. Seus ardores e inquietações crescem, seu corpo desenvolve-se, mudam completamente as características físicas. As novas companhias trazem-lhe ao discernimento considerações inéditas. Observa o ambiente, conclui pela necessidade da renovação de valores e procura audaciosamente cultivar novos padrões de vida. Rompem-se as barreiras estabelecidas pelas considerações da primeira e da segunda infância, classificando-se de obsoletos até mesmo os rumos prestigiados na fase da puberdade.

Surge a adolescência em toda a sua força. Fala-se em renovações radicais, rompe-se com o passado nos aspectos passíveis de crítica e, dando vazão aos valores próprios como sinal de renovação, exteriorizam-se males interiores não suspeitados.

Dos pampas, uma avalanche arrasadora derrama-se sobre o Brasil. Sua finalidade? Vencer o erro que se propaga sob a égide do poder constituído. Para longe o pátrio-poder, pois os genitores encontram-se pejados de enganos! Melhor será seguir só, pelos caminhos novos da razão.

Simbolicamente, a voz da prudência fala através do prelado, que afasta o "genitor" para evitar maiores choques com o "filho" rebelado.

Senhor da situação, o adolescente rejubila-se e investe furiosamente contra as normas e padrões estabelecidos. Traz consigo o ardor do idealismo cultivado num clima de absoluta eugenia física e moral. Libertou-se de todas as inibições no campo largo de sua terra de valentes homens. Simboliza a mente juvenil, inclinada à trama de heroicas façanhas. E a época encontra sua expressão num grupo de cidadãos valorosos, clarividentes, porém, ainda, sujeitos ao culto da força como meio de impor a razão.

Característica inegável da adolescência em sua expressão mais pura — revolta contra os valores estabelecidos e utilização de medidas impositivas — a Revolução de Trinta e seus anos subsequentes proporcionaram à alma nacional os meios de reflexão quanto aos melhores métodos de remediar situações negativas. À força de tantos choques e de lutas contra a sua repercussão, o povo brasileiro começa a reconhecer que talvez fosse preferível agir moderadamente, renovando o panorama da vida com mais cautela e ponderação.

Despontam os primeiros raios de um discernimento sereno. Porém, o vezo característico da idade da intemperança não desaparecerá de um momento para o outro. Só à custa de novas decepções conseguirá o pobre adolescente aquietar seus ímpetos e suportar pacientemente o processo natural de maturação, que exige tolerância, constância e paciência. Passará afinal a compreender que a elevação dos padrões de vida é produto exclusivo do trabalho infatigável e que a semivadiagem da adolescência não possui valores que possibilitem resolver de chofre problemas seculares. Quando humildemente reconhecer sua deficiência, desistindo de adotar uma atitude de bazófia que lhe fecha os ouvidos às sábias advertências de seus maiores, poderá caminhar como o jovem sensato que, sem abrir mão do idealismo renovador pelo qual seria capaz de imolar as próprias energias, saberá vencer impulsos insólitos, recorrendo serenamente à experiência do passado. Dela então retirará os princípios de uma sabedoria nova, reavivando os  conceitos classificados como obsoletos porque empoeirados pelo tempo com o vigor das tintas brilhantes que seus olhos jovens emprestam a tudo que toca.


PERGUNTA — Haverá ainda considerações a tecer sobre o desenvolvimento histórico do Brasil?

RAMATIS — O desenvolvimento histórico do Brasil, em linhas gerais, não fugiu ao andamento impresso à evolução dos outros povos. Assim como todas as criaturas humanas assemelham-se em suas reações através dos diversos períodos da existência, os povos diferenciam-se por emprestarem características próprias às fases comuns de crescimento.

Os momentos críticos em que a alma se encontra em rebuliço têm o condão de fazer sobrenadar as emersões do subconsciente, exteriorizando o conjunto de impressões arquivadas em vivências anteriores. O crescimento exige que o ser amplie as próprias conquistas, impelindo para o plano das realizações concretas as tendências até então conservadas em estado latente.

Jesus afirmou que o "reino dos céus" seria para aqueles que se assemelhassem aos pequeninos, ainda incapazes de lançar mão de subterfúgios, entregues como se encontram, nas primeiras etapas da existência, a um processo de expansão constante de sua mais íntima essência espiritual. Assim, nas criancinhas que O fitavam ingenuamente, sem a menor noção do momento grandioso que viviam, poderia o Mestre assinalar as diferentes características de doçura, rebeldia, compreensão ou hostilidade. Em todas, porém, identificava a pureza e a simplicidade das almas ainda submetidas ao despertamento gradativo na experiência terrena, fase em que os princípios renovadores podem, com maior êxito, ser assimilados.

Através das eras, o Mestre continua a pregar, chamando a Si os que se assemelham aos pequeninos, e os povos, como se fossem crianças de diversas raças e procedências, têm sido, um a um, atraídos à Sua presença. Entretanto, em breve passa a idade receptiva e a alma humana, em suas expressões coletivas, não tem sabido usar o mágico poder de conservar, na maturidade, a candura espiritual que a tornaria perenemente acessível às vibrações do "reino dos céus".

Todavia, entre todos aqueles "pequeninos" que se aproximaram do Senhor nos milênios de desenvolvimento do planeta, os olhos misericordiosos do Mestre puderam sempre distinguir maior ou menor receptividade aos Seus ensinos.

Bem podemos compreender que tenha Ele sentido quão superficial foi o Seu toque nas almas dos povos intensamente voltados para os interesses materiais, junto aos quais Sua voz passou como um suave aroma que não foi devidamente aspirado. Eram as crianças bem dotadas, aquelas cujos privilégios distraíam-se por completo no enlevo dos folguedos absorventes. Finalmente, chegou junto a Ele um grupinho de três pequeninos, exibindo, respectivamente, o aspecto humilde e tristonho do negro, do índio e do branco menos dotado. Vinham silenciosos, tímidos, assustados mesmo, por uma insegurança quase doentia. Pararam e puseram-se a olhar os outros meninos que brincavam alegres e despreocupados. Fitavam-nos como quem não tem direito algum e, insensivelmente, aproximaram-se do Mestre que lhes estendia as mãos. Aconchegaram-se a Ele e, sentindo-se renovados ao Seu contato, sorriam aliviados. Permaneceram então a ouvir-lhes as palavras brandas, continuando, ao mesmo tempo, a observar os jogos dos outros, porém não mais torturados pelas agruras do sofrimento intenso dos que nada têm.

Palavras de luz lhes tinham sido segredadas e suas almas, prematuramente amadurecidas pela adversidade, absorveram-nas em seu justo valor. O gozo fácil de uma infância descuidada não lhes podia interessar, pois a dor já lhes havia feito sentir sua dureza férrea, para a qual só existe um lenitivo — o Amor Espiritual.

Essas três criancinhas nunca mais se afastaram do Mestre. Sabiam quão árdua era a luta longe Dele. Daí por diante, passaram a brincar a Seus pés com o pouco ou nada que possuíam, mas sempre envolvidas por um inefável sentimento de segurança. Cresceram à Sua sombra, causando-lhe preocupações quando suas almas penetravam a penumbra das experiências dolorosas mas necessárias; porém, a um simples olhar Seu, nova força lhes vibrava na alma e, esperançosas, aguardavam o futuro que lhes estava reservado.

Com Ele aprenderam a aceitar a dor que as tornou espiritualmente maduras para entender-Lhe as lições e, dentro em pouco, começaram a ajudar e consolar os pequeninos desgostos de seus irmãos mais felizes.

Com o tempo, os companheiros mais aquinhoados acostumaram-se a recorrer, nas horas de aflição, aos irmãozinhos humildes, pois neles encontravam recursos armazenados através de duras provações.

Só a dor é capaz de preparar o ambiente psicológico de um povo para a aceitação natural do Evangelho. As "três raças tristes" — o negro escravizado, o índio em sua condição de desajuste e inferioridade e o branco frustrado em suas saudades e sonhos de grandeza irrealizados na terra natal — venceram o espectro da irreverência diante da vida, que sempre lhes surgira sob a aparência de penosas realidades íntimas.

Não se pense, portanto, em privilégios ou pretensões descabidas quando nos referimos ao futuro promissor da Terra do Cruzeiro. Experiências aflitivas, profundas amarguras espirituais, foram impostas a seus filhos a fim de que se tornassem vanguardeiros do Bem sobre a Terra. Aos discípulos que partiriam com a missão de difundir a Boa Nova o Mestre não prometeu senão lutas e dores — sacrifícios proporcionais ao bem que desejassem espalhar.

Na renovação espiritual do planeta venceram sempre os que travaram grandiosas e profundas batalhas interiores. Àqueles que sobraram lazeres e despreocupações só as compensações da vida material poderiam chegar.

Por algum tempo ainda será uma característica dos "escolhidos" a permanência entre seus irmãos como ovelhas denegridas pela dor — o divino filtro que, sorvido com compreensão, desperta no homem a consciência da sublimidade da vida espiritual, não lhe sendo mais possível continuar distraído de seu verdadeiro destino.

* * *

Em postagens anteriores neste blog, estão o Prefácio escrito por Ramatis e uma análise do papel desempenhado pelas diferentes etnias na constituição do povo brasileiro.

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