quarta-feira, 26 de dezembro de 2012
A decadência das redes sociais
(26dez2012)
(26dez2012)
Por Maurício Caleiro, publicado em Cinema & Outras Artes
Em um país em que a mídia corporativa encontra-se, há décadas, concentrada na mão de meia dúzia de famílias caricaturalmente conservadoras e aliadas aos interesses das elites, a blogosfera e as redes sociais logo se afiguraram como meio alternativo de informação, de exercício do debate democrático e, eventualmente, da militância política.
Foi a atuação de cidadãos e cidadãs, nos últimos dez anos, que acabou por gerar um verdadeiro fluxo de contrainformação, desmentindo factoides criados pela mídia e desvelando episódios risíveis como a da bolinha de papel que atingira o candidato José Serra, na penúltima de suas tantas derrotas eleitorais.
As redes sociais transformaram-se num campo de batalha permanente – e, se um dia foi possível acessar o Twitter ou o Facebook e deparar-se, em poucos segundos, com um punhado de links sugestivos e dois ou três debates instigantes, hoje o que se vê, na seara da política, são subcelebridades e anônimos se digladiando, seja através de farpas e indiretas, seja via os cada vez mais frequentes ataques frontais, que não levam a nada, interditam o debate político e só constrangem aqueles que esperam respirar um pouco de inteligência nas redes sociais.
Não estou falando dos trolls que durante tanto tempo prestaram serviços ao PSDB e nem sequer do embate entre os simpatizantes dos tucanos e aqueles que apoiam o PT. Chegamos a um ponto em que o debate é entre figuras que se dizem de esquerda, mas que, seja apoiando incondicionalmente o PT ou se colocando contra tudo o que o PT faz, se comportam como Stalin redivivo.
É um debate muito pobre, esse, entre os chamados governistas e os antigovernistas.
Para os primeiros, Lula é o Deus encarnado e a administração Dilma é uma perfeição, a despeito das privatizações vergonhosas para um governo que se elegeu com um discurso antiprivatização, da total falta de diálogo com os movimento sociais, da repressão a greves com uma truculência só vista no regime militar, das ameaças constantes aos direitos indígenas e trabalhistas, do anacronismo no trato com questões caras à bancada evangélica, como aborto e união civil homossexual, do PIB a 1%, da prioridade à educação só da boca para fora. Fingem achar normal que Haddad se alie com Maluf e que Kassab, um dia após ser derrotado numa campanha em que os próprios petistas o qualificaram como "higienista" e "fascista", seja recebido com tapete vermelho pelo partido. Para tais governistas, o pragmatismo tudo justifica. O que vale é o poder.
Para os que a estes se opõem, Dilma é a Porca e vale tudo para atacar o governo. Vibram com o julgamento do mensalão, fingindo não ver os desatinos apontados por juristas do quilate de Bandeira de Mello, Konder Comparato e Dalmo Dallari. Enchem a boca para criticar as alianças governamentais, fingindo hipocritamente não saber que, no sistema político brasileiro, não há como governar sem tecer amplas alianças partidárias. Não reconhecem nenhum mérito no governo, sequer nas políticas sociais que tiraram quase 40 milhões de pessoas da pobreza e criaram uma nova classe de cidadãos e consumidores. Pouco importa para eles que, em plena crise econômica mundial, os índices de desemprego sejam os menores da série histórica e os salários apresentem inédito ganho real. Não têm vergonha de fazer eco à pior direita para defenestrar o governo que odeiam.
Se o embate entre um e outro grupo se desse no plano das ideias, das confrontações programáticas, do debate em busca de um consenso, talvez fosse possível aturar, tomando um Sal de Frutas por dia, esse binarismo cego. Como ele se dá através de provocações pré-adolescentes, desqualificações grosseiras, xingamentos e demais baixarias, acompanhá-lo, nas redes sociais, tornou-se um martírio em que se assiste a uma baixaria digna dos piores programas mondo cane da TV, em relação aos quais as redes sociais foram, um dia, uma opção inteligente e mais divertida.
Assim se comportando, tais figuras fazem o jogo da mídia corporativa, que há tempos se esmera em afirmar que a internet e as redes sociais são o território de ninguém, dos ataques agressivos, da não-razão - uma falsa assertiva que tem como premissa a suposição de que o jornalismo profissional das mídias seria o locus da razão, da argumentação e do equilíbrio.
Em um cenário que passou a ser dominado, recentemente, por listas apócrifas no pior estilo macartista, por ameaças de processo jurídico a granel e por agressões machistas grosseiras, quem não se identifica com nenhuma das extremidades acima elencadas, e acredita ser possível manter uma postura crítica acerca do governo Dilma, sem deixar de reconhecer seus eventuais méritos - apoiando-o ou não - vivemos agora, nas redes sociais, o pior dos mundos.
Falo a partir de uma perspectiva pessoal, é claro, mas tenho a impressão de que tem muita mais gente saturada desse ambiente em que adultos se comportam como colegiais exaltados, de estilingue e mamonas à mão, e que gostaria de ver restabelecido o diálogo civilizado e politicamente construtivo nas redes sociais.
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