Do sítio Viomundo
Na série de artigos que o site Teoria e Debate iniciou há duas semanas, Emiliano José retrata alguns exemplos que explicitam a relação da mídia (muitas vezes golpista) com o poder. De Vargas a Goulart, da ditadura a Collor, de FHC a Lula e Dilma, todos esses personagens serão analisados à luz da intervenção da mídia, que o autor qualifica como um partido político, à Gramsci.
Por Emiliano José
O Última Hora não escondia seu apoio a Getúlio, mas não abriu mão do apuro jornalístico, da criatividade e do respeito aos fatos. Tais opções afrontaram as poderosas famílias proprietárias dos instrumentos de construção da opinião pública no Brasil, que se sentiam no direito de conspirar contra governos legítimos. É assim até hoje, desde 2002, quando Lula ganhou as eleições presidenciais
(…) Podemos ser dirigidos por la prensa
sin advertilo. Y no existe en ningún diario
la información por la información; se informa
para orientar en determinado sentido a las
distintas clases e capas de la sociedad, y con el
propósito de que esa orientación llegue a
expresarse en acciones determinadas.
Periodismo y Lucha de Clases, de Camilo Taufic, Akal Ediciones, 1976, pág. 7
* * *
Dia 2 de fevereiro de 1951.
Palácio Rio Negro, Petrópolis.
Primeira reunião do ministério de Getúlio Vargas, recém-eleito, na qual seriam anunciadas as diretrizes centrais do novo governo.
Só dois jornalistas presentes: um repórter da Agência Nacional e Samuel Wainer. Iniciava-se, com ferocidade, a conspiração do silêncio da grande imprensa contra Getúlio. O silêncio ensurdecedor foi o primeiro movimento, não o último.
Getúlio certamente percebeu.
Fim da reunião, Wainer é convidado a ficar e jantar com a família.
Terminado o jantar, é chamado por Getúlio à sala de despachos, vasto salão que o presidente usava para conversas reservadas. Falava sempre entre baforadas de charuto e caminhadas de um lado para outro. Iniciou a conversa com rememorações.
– Tu te lembras de uma frase que disseste no dia em que começamos a campanha?
– Não, presidente – respondeu Wainer.
Getúlio puxou-lhe pela memória:
– Era uma frase sobre jornalismo.
Wainer lembrou-se. Voava com o presidente do Rio de Janeiro para o Amazonas e lhe disse:
– Presidente, a imprensa pode não ajudar a ganhar, mas ajuda a perder.
Dissera mais:
– Perceba que sou o único jornalista destacado para cobrir sua campanha. Note que a do brigadeiro Eduardo Gomes mobiliza pequenas multidões de repórteres e fotógrafos. Toda a grande imprensa está contra sua candidatura.
– Não preciso da grande imprensa para ganhar – retrucou Getúlio na conversa a bordo do avião.
O presidente pensava em Franklin Roosevelt, que nunca tivera apoio dos jornais americanos e sempre vencera as eleições. Pensou e disse.
Wainer ponderou:
– Presidente, ao contrário do que ocorre em países como os Estados Unidos, no Brasil a imprensa tem um fortíssimo poder de manipulação sobre a opinião pública. Não é fácil enfrentá-la.
E completou com a frase que o presidente pretendia que ele lembrasse:
– A imprensa pode não ajudar a ganhar, mas ajuda a perder.
Getúlio, entre as baforadas de charuto e as passadas pelo salão, perguntou:
– Tu reparaste que hoje não veio ninguém cobrir a reunião?
– Claro que reparei. Hoje foi desencadeada a conspiração do silêncio.
E Wainer acrescentou, ainda:
– O senhor só vai aparecer nos jornais quando houver algo negativo a noticiar. Essa é uma tática normal da oposição, e a mais devastadora.
O presidente não parava de caminhar, e fumava seu charuto, e queria dizer alguma coisa conclusiva, e disse:
– Por que tu não fazes um jornal?
Wainer, perplexo, e feliz, reagiu:
– Presidente, isso é o maior sonho de um repórter como eu. Não seria difícil editar uma publicação que defendesse o pensamento de um governante como o senhor, que tem o perfil de um autêntico líder popular.
Getúlio foi taxativo:
– Então, faça.
Wainer perguntou:
– O senhor quer saber como faria?
– Não – Getúlio respondeu prontamente.
E acrescentou:
– Troque ideias com a Alzira e faça rápido.
– Em 45 dias, dou um jornal ao senhor – reagiu Wainer.
– Então, boa noite, Profeta.
– Boa noite, presidente.
* Texto publicado originalmente no site Teoria e Debate, como parte de uma série de artigos publicados especialmente sobre o tema. Emiliano José é jornalista, escritor e suplente de deputado federal pelo PT/BA.
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