segunda-feira, 18 de março de 2013

Dedicado a quem gosta de replicar ("compartilhar") mensagens ofensivas contra Lula e Dilma
(18mar2013)


Do sítio de Luis Nassif

Contra ofensas que conservadores fazem a Lula e Dilma

Um dos mais importantes especialistas do País na área trabalhista, o advogado Valter Uzzo criou um fato político ao enviar para amigos e-mail remetido para um de seus conterrâneos da cidade de Pompéia, no interior de São Paulo, chamado apenas por Lara, listando uma série de argumentos contrários à proliferação de spams jocosos sobre o ex-presidente Lula e a presidente Dilma Roussseff. Ex-presidente do Sindicato dos Advogados de São Paulo, Uzzo, no texto, descreve o cenário histórico da presença e influência das forças conservadoras na política brasileira.

O e-mail de Uzzo está sendo velozmente disseminado pela internet, ganhando status de peça política contra a discriminação ideológica às forças de esquerda.

Abaixo, o conteúdo completo:
Caros
Um amigo meu de infância passou a me mandar um volume enorme de e-mails com piadas, comentários e afirmações sempre depreciativas em relação ao Lula, Dilma, PT, etc. A situação foi em um crescendo tal, que atingiu as raias da provocação e do insulto, até que, outro dia, resolvi responder. E mandei este pequeno texto, que é, em verdade, o que penso de pessoas como ele que, a pretexto de criticar, escondem hipocritamente suas ideias e concepções.
Abcs.
Valter Uzzo
Sent: Tuesday, February 05, 2013 3:42 PM

Caro Lara:

Tenho, quase que diariamente, recebido os seus e-mails, que trazem piadas, “fotos interessantes”, e propaganda daquilo que, politicamente, você acredita. Quero crer que estou me dirigido à pessoa certa, ou seja, ao Lara que conheci em Pompéia, na infância e adolescência. Se assim é, tenho algumas gratas recordações, de nossa convivência que, ao tempo, pela idade e sem as agruras que viríamos a experimentar durante a vida, era muito boa. Recordo-me mesmo que uma das suas habilidades, invejada por todos nós da mesma classe ginasial, era a incrível capacidade que tinha de “colar”, já que você se abastecia de um grande estoque das “sanfoninhas” (era o tipo de “cola” da época), que escondia perfeitamente em sua mão direita e que lhe permitia – grande perfeição! – colar sem interromper a escrita e, – perfeição maior! –, até mesmo diante do olhar atento do professor. Ao que me recordo, nunca, nenhum dos professores, na fiscalização que faziam, conseguiu algum êxito diante de você. Nesse particular, você era imbatível.

Mas, deixando-se de lado tais reminiscências, eu estou me dirigindo à você para tratar de assunto que, diante de sua volumosa correspondência eletrônica, parece lhe interessar: trata-se de questões que envolvem a visão que temos da forma como vem sendo dirigido este país, melhor dizendo, a questão política. Para se ter uma conversa franca, devo dizer que temos uma visão de mundo muito diferente. Acho mesmo, oposta. Em minha profissão (sou advogado) acabei aprendendo a conviver na divergência, já que, diariamente, senta do lado de lá da mesa de audiência, ou dos autos do processo, um colega de mesmo grau de escolaridade que defende justamente o contrário. Adversário. Mas, terminada a audiência, retomamos o relacionamento, ou seja, é um aprendizado constante e permanente, a nos ensinar que devemos respeitar os que pensam de forma diversa. Transposta tal relação para a política, também aprendi a respeitar aqueles que têm uma visão de mundo diferente da minha, embora com eles não concorde. Entre tais “adversários” de pensamento existem dois tipos: os que assim agem por convicção, e os que agem por interesse. Creio que você se enquadra entre os primeiros, ou seja, você tem ideias, a meu ver, que eu classifico como “conservadoras”, mas que são catalogadas no jargão político comum como “reacionárias”, ou por alguns “direitistas”, ou, se formos levar ao extremo a sociologia política, “fascistas”. Para mim, no entanto, você é um “conservador”, por convicção. E é aí que eu quero conversar com você.

Existe no Brasil uma forte corrente de pensamento conservador. Sempre existiu, aliás, durante o império e durante a república, todos os presidentes e Governos, até 2003, sempre tiveram um perfil conservador, uns mais outros menos. Todos. Getúlio Vargas (1º Governo, ditadura) liderou uma “revolução” – que não era revolução no sentido sociológico do termo – contra práticas condenáveis da República Velha, só isso. Pertencia à elite agrária, era fazendeiro e fez um Governo ambíguo, criando uma legislação trabalhista (que estava sendo criada, ao tempo, por quase todos os países de mesmo grau de desenvolvimento que o Brasil), e criou dois partidos políticos – o PTB, para lhe servir – e o PSD, conservadoríssimo, para ajudá-lo a governar. No mais, encarcerou a oposição e restringiu as liberdades públicas. Em 45 foi substituído pelo Dutra (outro conservador), que dissipou todas as reservas cambiais que havíamos acumulado com a substituição das importações, durante a guerra. Getúlio volta em 1950 e aí, após um início de governo meio indefinido, começa a aproximar-se de ideias progressistas, mas não conseguiu implementá-las, já que, ameaçado de deposição, suicidou-se. Juscelino foi um inovador em realizações, mas seu governo, embora aparentemente liberal nos costumes, sempre foi um produto das classes dominantes e um fiel seguidor da política americana. Jânio se foi muito rápido, e Jango também nada tinha de progressista: era filho de uma família de riquíssimos fazendeiros, era despreparado para a função e sua queda dá bem a medida de seus compromissos de classe: preferiu viver rico no exílio, do que participar ou liderar uma revolução popular com a qual não se identificava. Seguiram-se os governos militares, Sarney, Collor, Itamar e Fernando Henrique. Se examinarmos todas as medidas tomadas por tais governos (algumas muito boas, até) veremos que nenhuma delas teve a preocupação ou conseguiu alterar o sistema de distribuição de renda no país – um dos mais injustos do mundo. A dívida externa sempre em patamares impagáveis, o salário mínimo medeando entre U$ 80 a U$ 120 dólares, lenta queda da mortalidade infantil, poucos avanços na alfabetização, grande transferência de rendas para o exterior, sistema de saúde pública catastrófico, destruição da escola pública, gigantesca falta de moradias e favelização, polícia corrupta, Justiça que não funciona, previdência privada mais cara do mundo, seguros mais caros do mundo, alta tributação e assim foi. Só discursos, só demagogia, e muita roubalheira.

Aí vieram a eleição em 2003, reeleição do Lula e eleição da Dilma. Muitos erros, houve e há corrupção, muitas coisas não deram certo, os quadros do PT, em grande parte, eram despreparados para administração, enfim, as coisas não saíram como o PT pregava. No entanto, o salário mínimo triplicou (em dólares), a renda familiar cresceu, a dívida externa foi paga, o consumo aumentou muito, o emprego cresceu (e o desemprego despencou) e o Brasil conseguiu crescer, ao meio de uma grande crise internacional. Caro Lara, esses são fatos. Fato é fato, não é discurso, nem proselitismo político, nem palavrório. FATOS. O País está em regime de pleno emprego (é a 1ª. vez em nossa história que isso acontece), e no ano de 2011, em um universo de 200 países, fomos o 4º. País do mundo em receber investimentos externos, só atrás dos Estados Unidos, China e Hong Kong (notícia do Times, reproduzida no Estadão e Folha na semana passada, com pouco destaque). A arenga de que o Governo, em 2003, pegou uma condição internacional favorável é conversa para boi dormir: muitos outros países não progrediram, muitos entraram em crise, o sistema financeiro internacional em 2008 quase ruiu, enfim, o Brasil navegou muito bem por sua conta e seus méritos. Pensar de modo diverso é revolver a mentalidade colonialista.

Mas, estou eu a pretender que você se torne um apoiador do Lula e da Dilma? É claro que não, até porque na nossa idade ninguém muda mais. É que eu acho que essa sua “cruzada” contra, poderia ser muito mais consequente e séria. Já que na clássica definição “partido político é a opinião pública organizada”, porque vocês, conservadores, não fundam um partido que expresse tal ideologia? A grande farsa que existe é que os conservadores, ou os direitistas, ou os neoliberais, não assumem o próprio rosto. O PSDB (neoliberal) não se diz neoliberal, diz que vai mudar, que é de centro esquerda, que é progressista, e outras baboseiras mais. Porque não se diz neoliberal, e faz um programa neoliberal? E vocês, conservadores, porque não se assumem, e fazem um programa com o conteúdo daquilo que vocês acreditam; contra as cotas, contra o aborto, contra o casamento gay, pela redução dos direitos trabalhistas, dos impostos, por uma política externa mais invasiva, etc., etc., tal qual o Partido Republicano (Conservador) dos Estados Unidos? Se você fizer as contas, aqui como lá, o eleitorado se divide, o que, aliás, ocorre em todos países civilizados (França, Inglaterra, Austrália, Itália, Espanha, Alemanha, Áustria, etc., etc., etc.). Ou seja, no mundo todo, o eleitorado se divide em conservadores e progressistas. Mas, aqui não, em razão da hipocrisia política da direita, a luta não é limpa. Estimule a criação de um verdadeiro partido conservador, que defenda as teses conservadoras e o modo de governar conservador e aí, sim, teríamos um debate limpo, direto, sem enganações, sem subterfúgios. A meu ver, essa situação da direita esconder suas verdadeiras propostas, de vestir um manto progressista quando não o é, é a pior forma de trapacear uma nação, posto que esconde seus verdadeiros desígnios. Em suma, já é tempo de sair do armário e vir corajosamente para o debate de ideias.

O outro ponto que gostaria de conversar com você é sobre a forma negativa e pejorativa de sua “crítica” política. As piadas, imagens, dizeres, etc., que se referem aos que não pensam como você, revelam um rancor que tem de tudo: preconceito, desinformação, insultos, etc. Se você acha que este tipo de crítica desperta alguma simpatia para as suas ideias, ou fazem mal a figura dos criticados, então está na hora de você fazer algumas reflexões sobre o que muda as pessoas. Uma pessoa decente muda de opinião quando você demonstra que ela está errada. Só não mudará se tiver “interesses” em se manter no erro, ou, então, se por alguma razão (preconceito, ignorância, intolerância, irracionalidade, etc.) não entender o seu erro e o significado da mudança. Fora disso, a “propaganda” pejorativa contrária é um tiro na culatra. E isso é tanto no aspecto individual como coletivo. O Lula cresceu eleitoralmente depois que mudou sua imagem para o “Lula, paz e amor”. Antes, o eleitorado preferia o FHC, com sua voz e modos blandiciosos. Serra com sua linguagem belicosa só perdeu votos. Obama derrotou duas vezes os seus adversários com um discurso suave, sofrendo agressões de todo os lados. O Berlusconi e Sarkosi, na Itália e França, perderam as eleições, em razão de suas práticas autoritárias e arrogantes. Enfim, na medida que a sociedade evolui, essa linguagem truculenta, ofensiva, enganosa, que intui uma falsa moralidade e prega medidas radicais extremadas (para os outros, nunca para si) vai caindo em desuso, não engana mais ninguém. Pode ter servido em outra época, chegou a levar os hitlers e mussolinis ao poder, mas, hoje em dia, ninguém mais cai neste canto de sereia. As pessoas querem é ser convencidas, sem imposições.

Bem, fico por aqui. Se você quiser prosseguir mandando-me os e-mails, gostaria que não mais me enviasse os relativos à política, a não ser quando nesta terra tiver um partido conservador, ou direitista, ou de natureza fascista (o Plínio Salgado pelo menos teve coragem e honestidade criando os “camisas verdes”), para que se possa ter um debate decente e honesto. Daí sim, quem sabe, talvez até eu me convença de que existe alguma verdade nessas ideias trapaceadas e escondidas sob o manto de uma falsa moralidade. Ideias tão escondidas, tal como você fazia com as colas e era invejado por toda classe.

Abraços e saudades.

Valter Uzzo

PS: Se você não é a pessoa que eu penso, peço desculpas.

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