Prisões se abarrotam, polícia se degrada, crime organizado ganha corpo. Poucas políticas podem se dar ao luxo de tamanho estrago
Levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) concluiu que nos últimos três anos, o volume de presos por tráfico de entorpecentes cresceu 30%, três vezes mais do que o restante do sistema penitenciário. O comércio ilegal em nada diminuiu nesse período.
Mais de uma dezena de policiais civis de São Paulo, encarregados do combate ao narcotráfico, foram presos nessa semana, suspeitos de vender informações para traficantes ligados à principal facção criminosa do Estado.
O que as duas notícias revelam em conjunto é o fracasso absoluto da guerra contra as drogas, que só tem servido para contribuir e vitaminar o próprio crime.
Entre os presos, um número superior a 80% é formado por microtraficantes, operários de venda a varejo do entorpecente, facilmente substituídos.
O problema é que estes jovens depois de encarcerados criam vínculos que acabam por fortalecer as próprias facções.
As prisões se abarrotam, a polícia se degrada, o crime organizado ganha corpo. Sem nenhuma melhora para a saúde pública, que a lei diz tutelar.
Poucas políticas criminais podem se dar ao luxo de promover tamanho estrago como essa.
Política que, verdade seja dita, não se esgota no Legislativo.
A tônica da repressão permeia também policiais, promotores e juízes, que em parcela considerável se mostram refratários até à aplicação de benefícios expressamente previstos na lei, como por exemplo, as penas restritivas de direito.
O fator criminógeno da guerra contra as drogas é tão grande que daqui a pouco será possível discutir a apologia não daqueles que lutam pela legalização, mas justamente dos que sustentam a bandeira de mais e mais repressão.
A proposta de internação compulsória de viciados em crack, tida como peça de resistência da política, só foi capaz de revelar o enorme déficit para o tratamento pelo sistema de saúde. Representantes do Ministério Público chegaram a denunciar a abertura indevida de vagas em hospitais por desinternações precoces de outros pacientes psiquiátricos mais graves.
Se uma pequena parte dos milionários recursos dispendidos na repressão fosse diretamente destinado à saúde, esse déficit com certeza seria bem menor.
Mas a depender das disposições de governos estaduais e federal, o dinheiro só não faltará quando os tratamentos se terceirizarem, abundando recursos a entidades mais ou menos terapêuticas, a maior parte delas religiosas.
É bem provável que a guerra contra as drogas também derive assim pelo caminho da privatização, como quase toda política social dos últimos tempos.
A saúde pública se deteriorou há décadas, abrindo largo espaço para as seguradoras que passaram a controlar a iniciativa privada. Mecanismo não muito distinto do que aconteceu com a educação, convertida progressivamente em uma mercadoria valiosa.
A indústria da segurança privada floresce com o esquartejamento progressivo das polícias e as empresas já se ouriçam para oferecer respostas à superpopulação carcerária.
Não é a má gerência dos serviços públicos que abre espaço para a privatização. É a volúpia do mercado que provoca o sucateamento do Estado.
Enfim, se não fosse por outros motivos, só por seu alto custo, pela ineficiência e pelo paradoxal estímulo ao que se pretende reprimir, a guerra contra as drogas deveria ser seriamente repensada no país.
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