A guerra contra as drogas fracassou. A tolerância zero também.
Duas medidas recentes dão conta de uma mudança de trajetória na política-criminal norte-americana.
É tardia e ainda pequena, mas já perceptível.
O secretário da Justiça dos EUA anunciou orientação para que suas procuradorias atuem no sentido de reduzir sanções para diminuir o encarceramento de portadores de droga.
A Justiça Federal em Nova York decidiu que as revistas indiscriminadas, conhecidas como stop-and-frisk, são inconstitucionais por falta de justificativa, dirigindo-se, prioritariamente, a negros e latinos.
Há cerca de dois milhões de presos no país, o que faz dos Estados Unidos a maior penitenciária mundial.
Lá estão reclusos um de cada quatro presos do planeta. Mais de um terço deles por delitos relacionados à posse de entorpecentes.
O efeito da guerra às drogas pode ter vitaminado muitos negócios, levando-se em consideração a exploração privada dos presídios, mas no tocante à saúde pública tem sido inócua.
O potencial criminógeno do excesso de prisão, ao revés, é devastador.
“Não podemos mais tratar pequenos criminosos como reis do tráfico. É contraproducente. Usuários com pequenas violações da lei acabam pagando um preço alto demais ao serem colocados no sistema prisional” –afirma o secretário de justiça Eric Holder (Folha de S. Paulo, 13/08/13).Pesquisa recente no Brasil já havia concluído que a prisão por tráfico de entorpecentes crescera três vezes mais do que a população carcerária no geral desde a edição da última lei de drogas.
O volume de microtraficantes está superlotando as prisões brasileiras que já ultrapassam meio milhão de habitantes –além de representar quase a metade das internações de adolescentes.
A seletividade, ademais, tem sido um dos marcos distintivos do direito penal, tanto lá quanto aqui. É a tal de serpente que só pica pés descalços.
Além das escolhas legislativas, que privilegiam certos crimes e são tênues sobre outros, e das deficiências inerentes à defesa dos carentes, a prioridade na vigilância acaba sendo determinante para a formação da clientela penitenciária.
Com a irrisória investigação, o grosso dos processos criminais se origina de prisões em flagrantes, realizadas a partir de fiscalizações de rua.
Prisões por posse de drogas, como de armas, por exemplo, dependem basicamente de quem é o destinatário da abordagem. Estas se dão preferencialmente nas periferias ou sobre pessoas que, segundo uma avaliação subjetiva das polícias, despertem maior suspeita.
O volume de jovens negros ou pardos submetidos a batidas policiais é muito mais elevado do que a média dos demais cidadãos.
A presença na rua da população carente, seja pelo uso frequente do transporte coletivo, seja pela utilização dos espaços públicos como área de lazer, é muito superior a quem trafega apenas de carro entre endereços e locais conhecidos e bem protegidos.
Isso é mais ainda perceptível nas prisões de possuidores de pequenas quantidades de droga.
Embora seja fato constantemente noticiado a presença de entorpecentes em festas particulares, clubes privados ou endereços tradicionais da noite em grandes metrópoles, a expressiva maioria das prisões se dá mesmo nas ruas, becos, vielas ou em bailes da periferia. Como se o vício ou o uso recreativo da droga fosse algo totalmente desconhecido na alta classe média.
Buscas e apreensões em favelas e cortiços não são revestidas tradicionalmente das mesmas cautelas dos que as que, raramente, aliás, se realizam em edifícios residenciais.
Não é à toa, assim, que o panorama de presos e processados seja uma amostra extremamente desigual da sociedade.
Como tanto a guerra contra as drogas, como a tolerância zero foram vedetes de políticos e comunicadores, replicando o provincianismo de achar que o era bom para os Estados Unidos devia ser bom para o Brasil, é de se ver, enfim, se esses mais contundentes líderes da política da lei e da ordem também vão se dar conta destas confissões de ineficácia e acompanhar a guinada da política norte-americana.
Ou continuarão tentando, em vão, apagar fogo com querosene?
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