Peter Pan e os devoradores de criancinhas
Quando o escritor e dramaturgo anglo-escocês Sir James Matthew Barrie escreveu a peça de teatro Peter and Wendy – obra que, depois, por incontáveis vezes ganharia as telas do cinema rebatizada simplesmente como Peter Pan –, jamais imaginaria que a história dos garotos que não queriam crescer e fugiram para uma terra mágica em que isso era possível batizaria operação da agência norte-americana de inteligência, a CIA, que constitui um dos momentos mais dolorosos da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética.
Alguns pensam que é piada ou ironia a frase sobre comunistas, além de todos os pecados, serem devoradores de criancinhas, mas a origem do que hoje é considerado piada vem de um tempo em que os Estados Unidos tentaram realmente vender a acusação inacreditável de que o regime de Fidel Castro pretendia usar crianças para alimentar os povos supostamente esfaimados do Leste Europeu. Só que, de tão ridícula, a acusação não foi oferecida ao mundo, mas, tão-somente, ao povo cubano, dando origem à segunda grande diáspora desse povo rumo à ensolarada Miami, e sob o beneplácito e o incentivo do governo ianque.
Meses após a chegada de Fidel Castro ao poder, em 1959, e em seguida à primeira grande onda migratória rumo aos Estados Unidos, composta tanto pelos que se auto-exilaram quanto pelos que foram expatriados pelo novo governo, a CIA empreendeu uma de suas mais delirantes operações visando derrubar o regime comunista de Cuba. Essa história incrível deve virar filme, provavelmente adaptado do último livro do escritor Fernando Morais, Os Últimos Soldados da Guerra Fria [veja aqui postagem sobre o livro], no qual a Operação Peter Pan, que visava incrementar a diáspora cubana, é descrita.
Em outubro de 1960, uma das rádios montadas pelos cubanos exilados em Miami que, devido à proximidade com Cuba, faziam chegar à ilha transmissões contra o governo do país exortando o povo a emigrar para os Estados Unidos passou a veicular mensagens às “mães cubanas” acusando Fidel Castro de pretender tirar a guarda de seus filhos pequenos. Em seguida, aviões civis pilotados quase sempre por cubanos exilados despejaram toneladas de panfletos sobre a ilha contendo a reprodução de um suposto decreto governamental que concretizaria a extinção do pátrio poder dos cubanos sobre filhos maiores de cinco anos e menores de vinte.
Apesar de todos os desmentidos do governo cubano, cerca de 14 mil crianças e adolescentes deixaram Cuba rumo aos Estados unidos. Sozinhos, sem pais, sem ninguém, enviados para supostamente serem postos a salvo de “canibais comunistas”, pois os vigários das paróquias da Igreja Católica passaram a difundir a versão macabra de que as crianças “expropriadas” seriam enviadas à União Soviética para serem trituradas, enlatadas e usadas como alimento para os povos famintos que supostamente penavam sob regime comunista europeu.
O fim da história não é bonito e muito menos feliz. Grande parte dos pais que enviaram seus filhos para o exílio no afã de salvá-los da “voracidade comunista” jamais voltaram a vê-los. Como Peter Pan, as crianças e adolescentes que os Estados Unidos usaram em sua guerra sem limites contra a ilhota caribenha ironicamente foram de fato para uma espécie de Terra do Nunca, só que era a terra do nunca mais verei meus filhos de novo.
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