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Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

O próximo livro do Fernando Morais que pretendo ler (8set2011)

A aventura dos que lutam contra o terrorismo nos EUA




Texto de Emir Sader

Mesmo se fosse ficção, a história desses personagens já seria sensacional. Mas se são reais e se dão no epicentro da guerra fria – entre Cuba e os EUA, entre Havana e Miami -, com personagens reais, que têm sua trajetória verdadeira reconstruída com maestria por um dos melhores escritores que temos - só poderia dar um livro extraordinário.

Fernando Morais diz que quer, com suas obras, de Olga a Paulo Coelho, passando por Chatô, entre tantas outras – ajudar a entender o Brasil. Com "A Ilha" nos ajudou a entender a Cuba, com "Os últimos soldados da guerra fria", nos permite entender melhor a América Latina, sua relação com os EUA e, portanto, um dos eixos que articulam o mundo contemporâneo.

O cenário é uma das duas esquinas da guerra fria – a outra era Berlim dividida -, que quase levaram a um enfrentamento bélico entre as duas superpotências. A trama tem a ver diretamente com isso. Daí a intensidade que ganham as situações de tensão, entre países, refletida em personagens concretos, reconstruídos com maestria por Fernando.

Cuba era, literalmente, o “pátio traseiro” dos EUA. Toda a economia cubana dependia da venda da safra de açúcar ao mercado norteamericano. Cuba era o destino principal do turismo norteamericano, que dispunha de uma enorme estrutura de cassinos, cabarés, rinhas de briga de galos, prostíbulos. Nem precisavam passar pela alfândega, saíam diretamente com seus iates da Florida e chegavam aos hotéis de Havana.

Os carros norteamericanos eram primeiro testados em Cuba, antes de serem lançados nos EUA. A primeira linha aérea internacional da Pan American foi para Cuba, cenário típico dos filmes de Hollywood.


A ditadura de Batista, derrubada pelo movimento liderado por Fidel, tinha o apoio total dos EUA. Desde o começo Washington tramou contra a Revolução Cubana. Quando foram realizadas a reforma agrária, a reforma urbana, a nacionalização da indústria açucareira, os EUA passaram a enfrentar abertamente o novo governo cubano, decretando o bloqueio do país – há meio século -, tentando uma invasão com mercenários e passando a financiar a oposição a Cuba, localizada basicamente em Miami.

As ações terroristas foram uma constante ao longo das 5 décadas de poder revolucionário, da mesma forma que o trabalho de infiltração por Cuba dos grupos opositores, buscando informações que permitissem evitar essas ações. Os 5 últimos soldados fazem parte dessas escaramuças.

Já sob os duros efeitos do fim da URSS e do planejamento econômico internacional do campo socialista - quando Cuba perdeu todo seu mercado para a produção de açúcar em troca do petróleo -, o turismo ganhou mais destaque na resistência cubana para sobreviver à pior crise que tinha enfrentado desde 1959. As ações terroristas se concentraram então em locais de turismo, tentando passar a ideia do risco dessa atividade em Cuba.

Foi nesse marco que Cuba resolveu montar uma operação que conseguisse penetrar nas organizações que mais diretamente realizavam as ações terroristas, diante da passividade, da conivência, quando não do incentivo e do apoio direto do próprio governo dos EUA. A historia magistralmente relatada por Fernando Morais é a de cinco deles, que foram presos e até hoje cumprem penas nos EUA, por terem tratado de fazer o serviço que os EUA não fazem: o de recolher informações junto aos grupos terroristas no exílio cubano, para tratar de evitar a proliferação de sua ações criminosas.

O livro começa já com a descrição da dramática situação de um cubano sempre identificado com a revolução, que de repente aparece como um “traidor”, que chega a Miami a bordo de um avião da Força Aérea cubana, que ele mesmo tinha pilotado na guerra de Angola. Ninguém da sua família sabia, nem mesmo sua mulher, até ali confidente de tudo, que não podia acreditar que o seu marido e companheiro de vida está falando para uma rádio de Miami, criticando a revolução e justificando sua deserção.

Fernando retoma, fio a fio, a saída de cada um deles, suas inserções no meio de organizações terroristas cubanas na Florida, o clima dessa colônia, até, finalmente, a prisão de todos e as condições absurdas dos processos que se armam contra eles, como se estivessem espionando instituições norte-americanas e não apenas entidades terroristas da oposição cubana, tarefa que deveria ser feita pelo próprio governo dos EUA.

A mídia brasileira se sente incomodada diante de um livro com esse teor e trata de calar sobre ele. Uma que outra nota apenas não impede que o livro salte para os primeiros lugares nas listas do mais vendidos. Uma leitura obrigatória para entender como os EUA tratam de manter a guerra fria nas suas relações com Cuba, porque até hoje não conseguiram tragar o fato de que não conseguiram derrubar, por nenhum meio possível, o regime que mais oposição lhe faz, há mais de meio século. Uma leitura deliciosa para quem gosta de livros de aventura, de espionagem, de temas políticos vinculados à ação. E um grande trabalho a favor da libertação dos cinco cubanos que, lutando contra o terrorismo em território noteamericano, foram presos e condenados, enquanto terroristas confessos continuam andando livremente pelas ruas da principal potência imperial da história.

Emir Sader é sociólogo e cientista político .

Postado hoje em Carta Maior.

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