quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Iraque, Afeganistão, Líbia (depois Irã? Venezuela? Bolívia? Brasil?...): a quem interessam esses genocídios e a insana orgia midiática em torno delas? (10nov2011)

A espetacularização da barbárie

Por Izaías Almada

Mal a humanidade inicia a sua caminhada pelo século XXI adentro e os sinais exteriores da barbárie reclamam seu perverso protagonismo no dia a dia de todos nós cidadãos e começam a pontuar, a se destacar, nos grandes feudos de comunicação em massa. O capitalismo perdeu a compostura de vez e escancara para quem quiser ver a verdadeira natureza de suas entranhas.

A mídia corporativa, a televisão em especial, dominada pelo entretenimento e pelo jornalismo de mau gosto dos últimos anos, avançou um degrau no plano de embrutecimento das consciências, na banalização sistemática dos costumes, dos sentimentos, e na alienação política dos cidadãos. Mas com uma curiosa e, sobretudo, perversa estratégia: a culpa dessa tragédia que nos enfiam pelos olhos e ouvidos, a sua articulação, será sempre dos terroristas muçulmanos ou poderá ser também dos excluídos e seus líderes populistas, ou ainda dos que insistem em teses anticapitalistas… E contra toda essa gente será necessária uma ação profilática e de preferência seguida por uma propaganda de impacto, o mais realista possível.

Nessa nova escalada para impor o terror e o medo, o primeiro a tombar foi Saddam Hussein após o genocídio no Iraque. Alguns anos depois vem a morte do “tão procurado” Osama Bin Laden e o genocídio do Afeganistão provocado pela caça ao líder da Al Qaeda. Agora, o cruel assassinato de Muhamar Khadafi e o genocídio líbio. Quem serão os próximos: Ahmadinejad no Irã, já anunciado inclusive, Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia? Algum eventual ditador africano ou asiático?

O “Complexo Industrial/Militar”, expressão tão em voga nos anos 60, não só não deixou de atuar à sombra todos esses anos, como tem se modernizado e feito – para usar linguagem atualíssima – o “upgrade” de suas atividades, alardeando a propaganda menos dissimulada de seus interesses. O desuso dessa expressão apenas mascara a contínua busca por outros eufemismos que escondam a ganância, a selvageria e a brutalidade que toma conta da minoria de milionários que comandam as grandes corporações de sociedades anônimas, as multinacionais que mantêm em suas mãos as rédeas econômicas e políticas de um mundo cada vez menos civilizado. Segundo pesquisa recente feita na Suíça por um Instituto de Tecnologia, pouco mais de 1300 grandes empresas entrelaçam-se nessa rede de domínio da economia mundial.

Como nos clássicos romances da literatura policial cabe aqui uma primeira pergunta: a quem interessam essas mortes e a grande e insana orgia midiática em volta delas? A lista real e hipotética indicada num dos parágrafos acima aponta para direção bem clara: a “democracia” ocidental e cristã, tutelada por meia dúzia de países no mundo sob o comando cruel e cínico dos Estados Unidos da América, procura, já sem nenhum escrúpulo, manter sob seu domínio alguns dos maiores produtores de petróleo e gás mundiais, ainda e por bom tempo as principais fontes de energia, para tocar os seus grandes negócios e não só.


Não há aqui meios termos. Sob o olhar passivo e subserviente da ONU e a sempre que necessária e providencial ajuda profilática da OTAN (organismos que necessitam exercitar os músculos de seus diplomatas e soldados em férias compulsórias após a queda da ex-União Soviética), a África Setentrional, o Oriente Médio, uns tantos países asiáticos e sul americanos, precisam – sempre e quando isso for possível – continuar explorados e mantidos sob dependência como fornecedores de matéria prima e mão de obra escrava. E importadores de manufaturados. Tudo para o regozijo dos “homens de bem” que tanto se preocupam apenas com as liberdades humanas que lhes dizem respeito.

O cinismo midiático atual não deixa dúvidas quanto a isso. Antiga ou não, essa visão de mundo e essa teoria continuam a ser postas em prática, apesar de se apresentarem em novos e sedutores envoltórios, onde as insinuantes sereias do neoliberalismo tiveram e têm papel de destaque, não importando aqui que os novos Ulisses sejam de esquerda, de direita ou não tenham ideologia nenhuma. E não é pequeno entre nós o número de defensores dessa ignomínia, seja sob qualquer pretexto, inclusive o religioso.

Mas, salvo erro de avaliação, parece que o tiro, a qualquer momento, pode sair pela culatra. A insanidade dos grandes bancos mundiais e dos agentes financeiros do capital especulativo, onde a produção de mais e mais capital (real ou virtual) – incluídos aqui o tráfico de drogas e armas, cujo volume em bilhões de dólares não sofre qualquer tipo de controle – já supera em muito a produção de bens para o consumo. Esse capital especulativo dá sinais de preocupação quanto ao futuro, não da humanidade (seria esperar demais dessa gente), mas com o futuro de seus próprios negócios, numa demonstração inequívoca de que todo o sistema pode estar à beira de uma crise não só de nervos, mas de anomalias mais profundas.

A ágora grega, outrora palco milenar de grandes festas e debates democráticos, transformou-se nos últimos meses em cenário de lamentações e revoltas, onde o desespero e a dor de milhões de cidadãos fez subir o índice de suicídios, numa antevisão macabra do que poderá ocorrer em outros países. O temor toma conta do mundo e a hora é de reflexão. Mais do que isso, talvez: é hora de ação.

Contudo, na contracorrente das manifestações e revoltas populares por inúmeras cidades no mundo, os insensatos apologistas de um sistema que vaza água por muitos lados e seus irresponsáveis porta-vozes midiáticos, insistem em nos fazer crer que determinados governos, os árabes em particular (muçulmanos ou não), bem como outros, eleitos democraticamente ao redor do mundo, são comandados por “ditadores” que merecem ser abatidos como cães para se dar a impressão de que a democracia ocidental e cristã que defendem (a sua, claro) é quase que a expressão de um direito divino. As cruzadas e a Inquisição não fariam melhor.

Se você consegue mostrar um ser humano cruel, ditador em seu país cheio de gás e petróleo, acuado, abatido como um animal selvagem dentro de um buraco, estuprado numa tubulação ou num fundo de quintal, salpicando as cenas seguintes com grupos fanáticos agitando bandeiras e armas em nome da “liberdade e da democracia”, como insiste a hipocrisia de Hilary Clinton e Obama, mais um passo é dado na manipulação de mentes e consciências. Um passo estratégica e maquiavelicamente preparado.

Os programas matinais e vespertinos de emissoras de rádio, “talk-shows”, novelas e séries de televisão, alguns filmes de Hollywood, denúncias jornalísticas de origem duvidosa, revistas semanais impressas muitas delas naquele papel do Alfredo, jornais diários despudoradamente pusilânimes, e isso em quase todo o planeta, formam o renovado e agressivo pelotão de frente da ideologia dominante, usando a força de imagens e palavras para iludir, confundir, levantar suspeitas onde muitas vezes elas não existem; encobrir crimes dos apaniguados e, criar, enfim, a impressão de que esse – se não é o melhor dos mundos possíveis – é o mundo que se tem. E devemos todos nos conformar com isso. Devemos?

A Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela ONU em 1948 diz em seu artigo 1º: Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão  e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. Parece incrível que estas palavras tenham sido escritas um dia, mesmo levando-se em conta as circunstâncias de terem sido impressas no final de uma guerra devastadora. A isso, entende-se. E com elas concordamos. Contudo, a memória capitalista é cada vez mais curta e seletiva, como convém a todos aqueles para quem o sistema é vantajoso, ou seja, os próprios donos do capital e seus vassalos.

A barbárie vai fazendo suas vítimas reais e virtuais, sob os clarins da indiferença de uns, da hipocrisia e do cinismo de outros e do regozijo daqueles que, cegos e surdos diante do sofrimento de milhões de seres humanos, insistem também debochadamente que o problema não é sistema econômico, o problema é o “ser humano”, e que esse não tem jeito.

O natal se aproxima. Sabemos que o Papai Noel não existe, mas como é bom acreditar no bom velhinho, não é mesmo? A árvore enfeitada e os presentes à sua volta dão validade ao espírito cristão por mais 24 horas, juntando os despojos de nova e lucrativa campanha consumista, bem como nos tranquilizando a todos a consciência de bons cidadãos.

Exorcizados, preparamo-nos para os novos espetáculos da barbárie.

Izaías Almada é escritor, dramaturgo e roteirista cinematográfico, É autor, entre outros, dos livros Teatro de Arena, uma estética de resistência, da Boitempo Editorial e Venezuela Povo e Forças Armadas, Editora Caros Amigos.


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Do Escrevinhador, publicado em 9 de novembro de 2011. Abaixo acrescento um vídeo do documentário Let's make money sugerido por um dos comentaristas do artigo de Izaías Almada no sítio Escrevinhador.


2 comentários:

  1. Já sabia dessas informações e concordo com elas. Mais triste que isso é que muiiitos brasileiros possuem enormes influências norte-americanas, deixando assim de valorizar seu país e pior: defendendo e concordando cegamente no governo exterior.

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    1. É por aí, Laura! É impressionante como tanta gente é influenciada por meios de comunicação parciais, que parecem torcer para que nada dê certo no país quando aqueles que eles consideram elite não estão no poder. Talvez porque não consigam usufruir de tantas benesses financeiras quanto antes.
      Abraço, e obrigado pela visita.

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