quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Occupy Wall Street: o "xerife mundial da democracia" violenta a democracia em seu próprio território (17nov2011)

Polícia de NY tentou impedir mídia de registrar destruição


Por Heloisa Villela, de Washington

Eram cinco mil livros. Uma biblioteca montada de forma espontânea e informal, ao longo dos últimos dois meses, que ocupava um dos cantos da Praça Zuccotti. A Polícia de Nova York juntou todos os volumes, misturou os títulos aos utensílios da cozinha comunitária, aos tambores, sacos de dormir e barracas. Com o apoio logístico dos garis municipais jogou tudo em grandes sacos de plástico e de lá, para os caminhões de lixo.

A resposta do movimento pacífico, que quer muito mais do que apenas uma praça da cidade, foi bem articulada por Gabriel Johnson, em entrevista ao programa de rádio DemocracyNow!:

“Um dos grandes erros de avaliação deles é achar que o movimento se limita ao parque. O movimento está em nossas mentes: é uma ideia. É estar aqui, as conversas que temos e que levamos conosco para qualquer lugar. Os grupos de trabalho continuam funcionando 100% e temos esta coisa maravilhosa chamada internet. Não sei se os policiais já ouviram falar disso, mas eles não podem fechar a internet. Eles podem até tentar, mas ainda assim teremos acesso às nossas ideias e ainda temos a habilidade e a oportunidade de dividir nossas ideias”.

A cozinha pública e comunitária foi proibida. Mas a criatividade deu conta do problema. A comida agora é feita a uma quadra do parque e vai, de mão em mão, sustentar quem está ali, sem cadeira, barraca ou qualquer outro aparato. Vídeos e mensagens continuam circulando na internet.

A operação para desmontar o acampamento e tentar calar o chamado Ocuppy Wall Street, deflagrada na calada da noite, foi muito bem pensada, apesar de ter fracassado em boa medida. As ruas de acesso à praça foram fechadas. Várias estações de metrô das redondezas também. A quadra escolhida como área física para dar voz ao que pensa boa parte da população americana se transformou em zona militar. É quase sempre assim: governos que se sentem ameaçados por ideias e questionamentos tentam barrar o fluxo com escudos e cassetetes.  Uma atitude que só confirmou o que vêm dizendo muitos dos envolvidos nesse movimento: não é apenas a economia americana que está falida. A democracia do país também foi pro brejo. Faz tempo.

No mesmo programa de rádio citado acima, o depoimento do policial aposentado do Departamento de Polícia da Filadélfia, Ray Lewis:

“Estou aqui porque estou cansado de ver o sofrimento de tantas pessoas enquanto 1% da população está acumulando toda a riqueza nas costas dos trabalhadores. A polícia faz parte dos 99%. Infelizmente, não se deram conta ainda. Mas o que eles estão fazendo é impor a lei dos ditadores, que são 1%. E eles também estão sofrendo cortes em suas pensões, tem seus salários reduzidos e nem se dão conta”.

O que surpreendeu foi a tenacidade dos que foram empurrados dali para fora. Dos que não são ouvidos e não se sentem representados pelo sistema-teatro bipartidário americano.  Mais de 200 manifestantes foram presos. A polícia prometeu devolver os pertences coletados durante a noite. Eles seriam depositados no Departamento de Saneamento Básico. Mentira pura. Conversando com os motoristas das caçambas, manifestantes descobriram que a ordem era clara: levar tudo para o lixão.

O que se deu em Nova York não foi uma ação isolada da Prefeitura. Em entrevista a BBC, Jean Quan,  prefeita de Oakland, na Califórnia, deixou escapar: “Acabo de participar de uma conferência telefônica com outros 18 líderes de cidades do país que estão enfrentando a mesma situação”. Outra não-coincidência foi a operação policial casada com a viagem do Presidente Barack Obama. Ele estava bem longe, na Austrália, quando tudo aconteceu.

A jornalista Amy Goodman, que apresenta o programa DemocracyNow! correu para o parque assim que soube da movimentação da polícia:

“Os poucos de nós da imprensa que conseguimos furar o bloqueio da polícia fomos limitados a uma área que fica do outro lado da rua, diante da praça Zuccotti. Assim que nossas câmeras foram ligadas, estacionaram dois ônibus diante de nós para bloquear a visão. Eu e meus colegas conseguimos nos meter no parque e subimos nos montes de barracas e sacos de dormir empilhados. A polícia tinha conseguido impor um bloqueio quase completo da mídia para evitar o registro da destruição”.

Não houve meio de evitar o registro.

A biblioteca, antes (foto Luiz Carlos Azenha)

Postagem de ontem no Viomundo. Destaques em negrito são meus.


Nenhum comentário:

Postar um comentário