quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Uma fala para e sobre nós e os amigos que nos deixaram (16nov2011)


Em comentário na postagem anterior, Fee disse: "O mundo fica menor quando perdemos alguém...não há muito a dizer , principalmente quando essa perda é de alguém com toda a vida pela frente". Mas me veio agora a necessidade de dizer algumas coisas, e mesmo que alguns considerem boutades, senso comum, vou extravasar aquilo que me vem rodando na cabeça e no peito.

Caroline nos deixou, juntamente com seus pais. Mas Caroline não nos deixará tão cedo, porque sua estada e sua partida representaram algo importante para quem com ela conviveu.

É difícil para um professor na minha idade, e com o tempo de docência que tenho, passar por uma situação dessas. Parece aquela velha frase de pais que veem seus filhos morrerem antes deles: "Não é natural". Caroline, assim como todos aqueles que passaram pelo banco escolar em minhas aulas, era jovem. E como tal, prenhe de futuro, de caminhos a trilhar, de descobertas a fazer. A morte de alunos da Geologia é algo praticamente inédito na história do curso. Somente um aluno morreu logo no início do curso, na década de 1970.

Caroline morreu com 19 anos e deixará marcas de sua passagem por nosso cotidiano. Cada sorriso, cada palavra gentil, cada risada,cada cuidado para com os companheiros. Muita coisa, aliás. Primeiro, deixa a percepção da vanidade de nossos "orgulhos", de nossas picuinhas bobas do cotidiano. Ante um fato trágico como o de agora, necessário se faz pensar em viver cada dia com intensidade. A impressão que tenho é a de que Caroline viveu assim.

Viver intensamente não é, necessariamente, viver em festa, sem pensar no futuro. Viver intensamente é criar ícones e memórias em todos que convivem com a gente. Viver intensamente é ouvir, de fato, os parceiros de jornada. Ser solidário nos momentos sérios, difíceis, e nos momentos alegres.

Viver para valer implica na busca pelo conhecimento da vida e de seus mistérios, muitos deles sendo desvendados pelo saber científico, e muito outros pela troca de experiências com aqueles que são diferentes de nós.

É uma pena que as diferenças, na maioria das vezes, gerem incompreensão, intolerância. Aceitar as diferenças e permitir que nossas diferenças aflorem é a riqueza que podemos deixar para a posteridade. Os fatos vêm mostrando a fragilidade da vida e o quanto dela desperdiçamos com rancores e agressividade contra aqueles que nos são próximos. Pura perda de tempo e de qualidade de vida.

Ao que me pareceu durante nossa convivência, Caroline não perdeu tempo com essas coisas supérfluas. Queria aprender, participar, envolver-se com o curso, com aqueles que a rodeavam. Em um ano de convivência, ela levará consigo para sempre os elos de afeto e seriedade aqui construídos. Espero que não leve mágoas de nenhum tipo.

Se cada um de nós vivesse como se fôssemos morrer amanhã, muitas das desavenças e das expressões de orgulhos tolos que vivemos e que infernizam nosso cotidiano poderiam ser percebidas como as reais bobagens e perdas de tempo que são.

Não deixemos aquele pedido de desculpas para amanhã. Não adiemos a afirmação de nossos afetos. Não procuremos desqualificar aqueles que são diferentes ou pensam de modo diferente do nosso. Cada pessoa tem uma história de vida e uma perspectiva de um futuro que poderá ou não realizar-se. Mas todos temos o presente, e ele é o aqui e agora. E é somente isso o que temos.

O passado já foi vivido e não pode ser refeito. Mas o futuro começa a cada segundo no presente. E o futuro será o fruto daquilo que fazemos a cada momento de presente. Num átimo, o presente passa sempre a ser passado. Há uma canção que diz que "só uma palavra me devora: aquela que meu coração não diz".

Neste ano Caroline partiu precedida de Douglas e Leandro. Todos da mesma turma, todos convivendo naquelas nossas salas de aula agitadas. A passagem deles entre nós não pode ser em vão. Devemos a eles o tributo de fazer de nossas jornadas coletivas na escola e na vida profissional o espaço da verdade, do afeto, e, quando o afeto não for possível, do respeito aos parceiros em suas idiossincrasias. Se entendermos que a riqueza da natureza está justamente na diversidade, se entendermos que o convívio com a existência de quem pensa e age de modo alternativo em relação aos nossos pensares e ações é uma excelente oportunidade para refletirmos sobre nossas convicções, podendo reformulá-las, melhorá-las, aí, sim, estaremos nos educando na universidade e na universalidade do conhecimento.

Quem sair da universidade do mesmo "tamanho" com que entrou não viveu a universidade, mas sim tentou impor ao coletivo o seu modo de pensar e viver como o único aceitável. Quem não estiver disposto à transformação, ao burilamento que o convívio social na universidade pode lhe proporcionar, infelizmente sairá pequeno, menor do que quando entrou. Talvez um bom técnico em uma área do conhecimento, quando muito.

Existe uma maldição árabe que é mais ou menos assim: "que o Criador (Deus, Alá, Tupã, Maomé...) o mantenha sempre assim". Ou seja, trata-se de um desejo de estagnação para aquela pessoa, mesmo que ela esteja aparentemente bem de vida naquele momento. Vivemos para crescer intelectualmente, mas vivemos principalmente para sermos agentes sociais que façam a diferença na vida de tantos quantos sustentam nossa possibilidade de crescimento. Estagnação é fim, falta de vida de verdade.

Somos seres políticos, sociais e, com o bom esforço, conhecedores de um campo das Ciências. Tudo isso tem que ser juntado para cooperarmos com qualidade nos espaços da solidariedade, da construção de um mundo melhor e mais pacífico. E tudo isso começa em nosso entorno, em casa, na escola, na universidade, com os colegas, com os professores, com os bravos servidores que providenciam uma infraestrutura digna para o nosso cotidiano, nas instituições várias que nos cercam.

Caroline, Douglas e Leandro. Se há uma continuidade da vida após essa vida, e eu, particularmente, acredito que há, meu mais profundo desejo é o de que vocês tenham partido para ali com a certeza da missão cumprida. De nossa parte, a homenagem que podemos prestar à sua memória é fazer desse espaço que vocês tanto curtiram e com o qual tiveram grande envolvimento um lugar de paz espiritual com bastante agitação intelectual e afetiva. Devemos isso a vocês. E esperamos ser capazes de honrar sua memória.

Caroline. Não tive até agora coragem de ir ás cerimônias de sua despedida. As exéquias, o funeral, o féretro - palavras que sempre me causaram espécie. Mas o dia de hoje foi bem ilustrativo do que está em meu coração. Um dia cinzento e chuvoso, que parecia chorar sua saída do meio de nós. Eu chorei, aqui no cantinho de meu escritório. É assim que sei e consigo chorar. Só e quieto neste meu ninho. Fui, e você também foi, aos velórios dos garotos que a antecederam na partida. Essa imagem deles inertes está até hoje em minha mente, e eu tenho me recusado a ter que ver aquele invólucro em que você foi colocada. Se eu não for, saiba que meu coração e minha mente têm estado com você a cada momento desde o instante em que soube do ocorrido na estrada, tanto quanto o carinho que eu desenvolvia em nossas relações na academia.

Espero que do "lado de lá" haja realmente uma continuidade, e que vocês possam levar avante e ampliar as energias agregadoras e afetuosas que aqui souberam distribuir. Fiquem com Deus e sejam sempre e sempre melhores para vocês mesmos e para com todos os que lá (ou aí) os acolherem. E também que haja festa para vocês serem recebidos com o carinho que lhes cabe.

Quanto ao aqui vivido, descansem em paz. Suas missões foram cumpridas. E obrigado por nos brindarem com sua convivência.



P.S. (16/11/11 às 09:26h): Relendo a postagem agora, em algum momento poderá parecer que há críticas a Caroline, Douglas e Leandro. Esse não é o caso. Pelo contrário. O resumo da ópera é que eu gostaria que o exemplo de alto astral, tanto de Caroline quanto dos dois garotos, em sua curta passagem por nossa vida acadêmica, sirva para que nós outros reflitamos sobre como estamos conduzindo nossas relações dentro da universidade e com a universidade, e para que, dessa reflexão, surjam melhores atitudes em todas as nossas relações acadêmicas e pessoais. 

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