sábado, 2 de julho de 2011

Digressões ou beatitudes sobre os direitos do cidadão, a mídia e a força do capital (2jul2011)

Clarissa (Paulinho Pauleira)
Céu da Boca


Comecei a escrever este texto no blog da Coordenação de Curso de Geologia, mas acabei desvairando para outras considerações que, acredito, cabem melhor em meu blog pessoal. Dei um control cê, vim para cá e dei um control vê. Lá deixei somente as fotografias que já tinha postado.

A II Semana de Estudos Geológicos realizou-se em maio de 1981, promovida pelo Departamento de Geologia, num tempo em que o Cematege (atual centro acadêmico dos alunos de Geologia) vivia em certo conflito com a Chefia do Departamento. Eu diria que foram tempos bicudos, com acirradas disputas internas no Departamento. Era, também, um tempo de instabilidade. Os professores não tinham nenhuma segurança em sua relação de emprego com a FUFMT.. Tempos em que a universidade era uma fundação federal, uma "coisa" criada durante o regime militar, talvez um prenúncio das PPPs atuais.

Todos eram contratados em regime celetista (pela CLT - Consolidação das Leis do Trabalho) e podiam ser demitidos a qualquer momento. Havia, então, um reinado dos chefes, chefões e chefetes. Bastava o Chefe não se agradar de alguém para simplesmente mostrar ao infeliz a porta da rua. Portanto, ter opiniões ou ideias que se contrapusessem às dos superiores hierárquicos era uma temeridade.

Muitas lutas da associação de docentes (servidor público não podia ter sindicato) ocorreram visando igualar as universidades federais fundacionais às universidades federais autárquicas. Não havia uma carreira única. Nas universidades autárquicas, à época, 70% ou mais dos professores eram contratados como "professores colaboradores", por prazo indeterminado e pela CLT. Os colaboradores eram uma versão do atual substituto, coma diferença de que a legislação de então permitia os contratos por tempo indeterminado no serviço público.

Por isso, há que se respeitar as lutas que levaram a universidade pública brasileira a patamares bem melhores, ainda que não se tenha atingido os ideais. Por isso, a mobilização docente deve ser respeitada e apoiada pelos novos professores e pelos alunos. O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN) tem sua história marcada muito mais pela luta por educação pública, gratuita e de qualidade, do que por ganhos salariais. Todos os seus embates com o governo trazem em seu bojo a luta pela melhoria das universidades brasileira (inclusive as privadas).

A tendência neoliberal, ainda em franca atividade, de reduzir o espaço de atuação e responsabilidade do Estado (governo) explicita-se numa sistemática desmontagem das conquistas dos trabalhadores em educação. Os servidores públicos contratados a partir de 2003, se bem que tenham estabilidade no emprego, não têm outros direitos anteriormente existentes, dentre eles o da aposentadoria integral. No aspecto salarial, os professores novos acompanharão os funcionários do setor privado, com aposentadoria pelos padrões do INSS.

Sempre é bom lembrar que os professores contribuem para a Seguridade Social com percentual que incide sobre o valor total do seu salário, e não sobre o valor teto do INSS.

Foram eliminados, para todos os servidores públicos, os anuênios e a licença prêmio. Para os professores universitários, o tempo de contribuição para aposentadoria passou, inicialmente, de 30 para 35 anos (os homens). Depois, no governo Lula, estabeleceu-se que além dos 35 anos de contribuição, o professor somente pode aposentar-se se tiver atingido a idade mínima exigida E (e não OU) se tiver pelo menos 35 anos de contribuição.

Um detalhe bizarro é que o servidor públicos continua a ter a contribuição previdenciária descontada de sua aposentadoria. Ou seja, o aposentado continua pagando sua aposentadoria.

Por isso a luta continua. Se ficarmos quietos, a lógica neoliberal vai saquear todos os direitos possíveis, tanto dos trabalhadores do setor públicos quanto daqueles do setor privado. Os patrões e a mídia adoram falar do "custo Brasil", que vem se revelando como mais uma grande falácia. Veja aqui o caso dos preços dos automóveis, como exemplo.

Quem acompanha o que hoje ocorre na Europa, sendo que muito disso já foi exigido e feito no Brasil com pouquíssimas reações populares, pode ter uma ideia de quão fortes são as imposições do capital rentista e improdutivo sobre o mundo do trabalho. O capital só pode se acumular a partir de duas fontes combinadas: a natureza e o trabalho assalariado (leia aqui sobre esse assunto). Como a Terra já foi ocupada em sua totalidade, não sobram espaços para novas explorações. Assim, o alvo passa a ser o mundo do trabalho. Os donos do capital entendem o conjunto dos trabalhadores deva ser destituído de direitos trabalhistas, de saúde, educação, segurança e previdência públicas.

Tudo isso vem sendo privatizado, cabendo aos trabalhadores retirar significativas parcelas de seus rendimentos para pagar a empresas privadas para que prestem esses serviços. Os direitos básicos dos cidadãos deixaram de ser direitos. Eles passaram a ser mercadorias fazendo prosperar colégios particulares, universidades particulares, planos de saúde, condomínios fechados e planos de previdência de bancos privados.

Dá para perceber quanto do dinheiro do mundo do trabalho escorre para o mundo do capital? Para tanto, a grande mídia - constituída por empresas privadas e que eu acompanho os "blogueiros sujos" ao chamá-la de PiG - Partido da imprensa Golpista - ajuda o mundo do capital nesse ataque ao bolso do trabalhador. A imprensa gera e reforça cotidianamente a sensação medo e insegurança na sociedade, de modo a fazer com que ela corra atrás desses serviços privados (ver mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).
A grande mídia conseguiu naturalizar que todo serviço tem que ser pago, descaracterizando e mercantilizando aquilo que se constituía em direitos do homem. Ela mostra o Estado como incompetente e corrupto (os empresários, no entanto, são anjos de candura), incapaz de gerir os serviços que deveriam ser públicos.

A mesma mídia apóia uma política de estrangulamento dos créditos, de retração do consumo (usam o dragão da inflação como se fosse o bicho papão), para que os juros subam e o capital rentista improdutivo se multiplique às custas do erário público. E os dólares correm para os países que pagam maiores juros. No Brasil, uma parte imensa do orçamento público nacional é destinada ao pagamento desses juros, em detrimento de investimentos naquilo que deveria atender aos direitos dos cidadãos.

É contra isso que os europeus, que conhecem o que é ter segurança, educação e saúde públicas de qualidade, estão gritando nas ruas da Grécia, Espanha, Itália, Portugal, França, Inglaterra... (sobre isso veja aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui). Eles não admitem que o dinheiro público seja desviado para sanear os bancos e seus insensatos investidores. As conquistas sociais aconteceram em consequência de uma conscientização generalizada nos períodos pós-guerra, quando se entendeu que os cidadão tinham que ter garantias de qualidade de vida, de bem estar.

O Brasil certamente está na mira do capital. Aqui há riquezas naturais, água potável e um povo dócil e bastante manipulável pela grande mídia plim-plim ("a gente se vê por aqui"). Sobre o plim-plim e comparsas, veja aqui um documentário que não passa no Brasil.

Não podemos ficar de bobos nessa história. Temos que ser agentes na busca de ampliação de conquistas sociais. Um governo bom para o povo só se faz com a pressão popular fazendo contraponto às campanhas midiáticas intensivas e contínuas do capital. É a pressão dos movimentos sociais organizados que respalda o governante bem intencionado no embate contra os interesses empresariais que cercam o poder público. Eles têm lobistas e dinheiro. Nós temos as ruas e os votos.

Não dá mais para que a sociedade continue vendo manifestações populares, nas ruas e em greves, como sendo baderna e coisa de grupos inconsequentes.

A mídia empresarial sempre enfatizará que greves e manifestações trazem prejuízos para todos. Todos QUEM, cara pálida? Chegam a apresentar especialistas transformando em cifrões os "prejuízos" causados por esse ou aquele movimento social.

No entanto, as mortes de líderes sindicais na cidade e, principalmente, no campo, quando noticiadas, são assuntos imediatamente arquivados. Propositalmente desvirtuadas em suas motivações, e propositalmente "esquecidas".

Riquezas naturais, pujança e um povo bom, composto por múltiplas raças, religiosidades, sexualidades e culturas, portanto rico nesse aspecto também, fazem do Brasil um tremendo espaço para a construção de um futuro de bem estar, tolerância e paz. Mas isso não acontecerá se depender da mídia e do capital.

A cada dia são mais estimulados o racismo, a intolerância religiosa, a homofobia e a não aceitação do outro em sua cultura. As divisões nos enfraquecem, tornando-nos vulneráveis.

Sei que tudo o que escrevi pode ser considerado como um conjunto de beatitudes, de coisas do senso comum, mas creio que todo exercício de se escrever sobre o que se pensa contribui de alguma forma com o coletivo.

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