Do sítio Escrevinhador..
Por Izaías Almada 
Um curioso artigo do jornalista espanhol Pascual Serrano publicado em  “El Periódico de Catalunya” e reproduzido no site www.rebelion.org  levanta uma questão interessante provocada pelos milhares de telegramas  vazados pelo site Wikileaks na internet, mas que – de algum modo até  intrigante – ultrapassa a polêmica criada na imprensa mundial diante do  volume e do conteúdo ali exibidos.
Diz Serrano na introdução do seu texto que o fenômeno Wikileaks tem  monopolizado numerosas análises e reflexões sobre o futuro da  informação, da internet e da própria difusão de notícias. É natural.  Como o direito à informação e à liberdade de imprensa se constituem em  pilares, entre outros, da democracia tal qual a conhecemos e é praticada  em boa parte do mundo ocidental, chama a atenção o fato de que parece  se configurar com maior nitidez uma verdade que a hipocrisia de muitos  ‘democratas’ procura esconder e maquiar há algum tempo: afinal existem  informações e… informações. Como também existem concepções diferentes  sobre a liberdade de imprensa. 
Quando um país, como os Estados Unidos da América, apóia um golpe de  estado contra um governo democraticamente eleito, o último exemplo é a  deposição do presidente Manuel Zelaya em Honduras (mas a lista é imensa  só nos últimos 50 anos), é justo encobrir ou negar essa informação? Em  nome de quê? De quem? E a liberdade de imprensa onde é que fica? Os  chamados segredos de estado só pesam em um dos pratos da balança?
Não é por acaso que o pensador e lingüista Noam Chomsky declara, a  propósito dos recentes vazamentos no Wikileaks, que os governantes norte  americanos tem profundo desprezo pela democracia, essa mesma da qual se  orgulham e querem impor ao mundo através da força.
Muito a propósito, vejamos as recentes declarações do atual  embaixador dos EUA no Brasil, Thomas Shannon, em artigo escrito para o  jornal Folha de São Paulo no dia 2 de dezembro passado: “O presidente  Obama e a secretária de Estado Hillary Clinton decidiram dar prioridade à  revigoração das relações dos EUA no mundo.
Ambos têm trabalhado com afinco para fortalecer as parcerias  existentes e construir novas parcerias no enfrentamento de desafios  comuns, das mudanças climáticas e da eliminação da ameaça das armas  nucleares até a luta contra doenças e contra a pobreza.”
Obedecendo à orientação de Washington para minimizar os telegramas  wikis, o blá, blá, blá retórico de Thomas Shannon é vazio de significado  prático e recheado de conteúdo cínico. No contexto da América Latina,  quais seriam esses desafios, senhor embaixador? O combate ao  narcotráfico, por exemplo? Mas qual é o maior país consumidor de drogas  pesadas no mundo e, portanto, grande sustentáculo do narcotráfico  internacional, segundo relatórios da ONU? Os Estados Unidos da América.  Qual o volume de dinheiro do narcotráfico branqueado em bancos norte  americanos? Em termos mundiais, já ultrapassa a casa dos 400 bilhões de  dólares por ano.
Quanto às mudanças climáticas, é sabido que até a presente data o  país do Sr. Shannon ainda não assinou o Protocolo de Kyoto, criado em  1997 com o objetivo de reduzir a produção de gases poluentes, sendo os  EUA o país que mais polui o meio ambiente mundial. Dispenso-me de  comentar sobre o cinismo da “eliminação da ameaça de armas nucleares”.  Repito aqui apenas a velha e surrada pergunta: por quê os EUA não dão o  exemplo e começam a destruir o seu próprio arsenal nuclear? Sobre a luta  contra a doença e a pobreza, o Sr. Shannon deveria olhar para dentro de  seu próprio país e ver os estragos causados no sistema de saúde  privatizado, tão bem avaliado pelo cineasta Michael Moore; ou avaliar o  atual nível de desemprego e pensar nos imensos guetos de miséria  espalhados pelo país, sobretudo entre afros descendentes e hispânicos.
O ainda referido artigo publicado na FSP é uma catilinária de  parvoíces, eivada de frases vazias, mas sempre com aquela pontinha de  arrogância com a qual os “nossos irmãos do norte” se acostumaram a  tratar o mundo. Prestem atenção nessa simples e emblemática frase do  embaixador norte americano no Brasil sobre os telegramas do Wikileaks,  eivada de arrogância e ‘espírito democrático’: “Uma ação cuja intenção é  provocar os poderosos pode, em vez disso, pôr em risco aqueles que não  têm poder.” Ou seja: nós, os poderosos (leia-se EUA), se provocados,  podemos pôr em risco os que não tem poder (o resto do mundo).
Mas é exatamente isso o que seu país já faz, senhor embaixador, com  ou sem o Wikileaks. Como é que ficam os assassinatos de civis no  Afeganistão e no Iraque? Quantos idosos, mulheres e crianças já morreram  para receber (custa-me mais uma vez engolir o cinismo) a velha e  empoeirada democracia de Abraham Lincoln? O que significa enviar dez mil  soldados armados até os dentes para uma ajuda humanitária ao Haiti?
Volto agora ao jornalista Pascual Serrano. Sobre o debate entre  defensores e críticos para saber se o site de Julian Assange comete uma  irresponsabilidade com a e circulação de informação secreta, o  jornalista espanhol considera que há uma simplificação do tema e que o  modus operandi do próprio Wikileaks vem demonstrando que o assunto é  mais complexo.
Serrano, sem mostrar duvidas quanto à veracidade dos tais telegramas,  levanta a enigmática hipótese de se saber a razão pela qual, de início,  o Wikileaks ofereceu de forma privilegiada e com exclusividade 250.000  documentos a cinco grandes meios de comunicação mundial, The New York  Times, The Guardian, Der Spiegel, Le Monde e El País. Tais órgãos de  informação divulgaram em seguida que tinham “autonomia para decidir  sobre a seleção, valoração e publicação das informações que afetassem a  seus países (EUA, Grã Bretanha, Alemanha, França e Espanha).
Portanto, e ainda segundo Serrano, a conivência entre o Wikileaks e o  cartel criado entre esses cinco órgãos de comunicação, é absoluta. E  conclui: “Não sei se a origem do site Wikileaks era limpa e honesta. O  que parece claro, contudo, é que está se convertendo num objeto  domesticado, a ponto de o primeiro ministro de Israel Benjamim Netanyahu  afirmar que os documentos dão razão ao seu governo ao valorizar a  ameaça iraniana”.
Os vazamentos Wikileaks significariam o simples desnudamento da  diplomacia de intimidação e espionagem colocadas em prática por  Washington, tornando explícito para o mundo aquilo que muitos já sabiam  ou desconfiavam? Criam constrangimentos para o complexo  industrial/militar e as grandes corporações capitalistas ou, ao  contrário, significam uma nova e sofisticadíssima forma de  contra-informação digna de um filme de Hollywood?
O atual líder republicano no senado norte americano, Mitch McConnell,  declarou em entrevista para a rede de televisão NBC que Assange é “um  terrorista de alta tecnologia”. O dano causado aos EUA é enorme e,  segundo o senador, Assange deve ser julgado com todo o peso da lei. Se  por acaso isso causar problemas legais, “muda-se a lei”, completou  McConnell. Parece que desde a eleição de Bush filho, quando se fraudou a  lei no estado da Flórida para sua eleição, ou mesmo bem antes, quando  John Kennedy foi assassinado, a democracia norte americana vem mudando  algumas de suas leis a fim de se manter como sendo a democracia exemplar  para o resto do mundo.
Ainda é cedo para maiores projeções nessa ou naquela direção sobre os  telegramas wikis ou sobre o papel representado por Julian Assange. Uma  coisa é certa. A pergunta que se configura aos poucos e que o confronto  entre a força avassaladora da nova informação eletrônica e a da velha  mídia mundial a serviço do poder hegemônico do capitalismo nos coloca é a  seguinte: a democracia representativa burguesa está fugindo ao controle  de quem a tutela?
Izaías Almada é escritor, dramaturgo, autor – entre outros – do livro  “Teatro de Arena: uma estética de resistência” (Boitempo) e “Venezuela  povo e Forças Armadas” (Caros Amigos).
Quem sou eu
- Aquiles Lazzarotto
 - Bebedouro, São Paulo, Brazil
 - Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.
 
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