O assassino em massa norueguês Anders Behring Breivik cita o Brasil, no manifesto racista que divulgou na internet, como um exemplo do que a “mistura de raças” produz em uma nação
Segundo sua mente transtornada pelo ódio, seríamos assim “por causa da “revolução marxista brasileira”, o Brasil teria se tornado uma mistura de raças o que se mostrou uma “catástrofe” para o país que é “de segundo mundo” com um baixo nível de coesão social. Os resultados seriam os altos níveis de corrupção, baixa produtividade e conflitos entre as diferentes culturas”.
Breivik é um doente, mas a forma que sua doença assume é moldada por um caldo de cultura que existe aqui também, embora nem todos os que pensam como ele vão sair fuzilando dezenas de jovens. Mas ele existe e tem muita gente que está mergulhada nele e, mesmo sem verbalizar ou escrever isso, acha que o Brasil negro, mestiço, cafuzo, mulato, é a praga e o atraso deste país.
Cheios de dedos, para não explicitar seu racismo social, o que eram os que reclamavam daquela “gente diferenciada” que uma estação do Metrô traria a Higienópolis?
Mas deles a gente está cansado de falar.
Nós também temos culpa nisso.
Porque paramos de celebrar, por nos agarrarmos – usando a expressão do próprio terrorista, em seu manifesto – à idéia de tribo, de grupo fechado por alguma razão: etnia, gênero, ideologia, a riqueza da diversidade.
A maior perversidade da discriminação é essa: a de nos cegar para vermos a riqueza de nossa igualdade humana.
Estamos, com razão e por dever, tão presos a afirmar os direitos de grupos – e todos eles os têm e são invioláveis – que descuidamos de proclamar a maravilha de nossa grande – por que não assumir a palavra – disfuncionalidade.
Porque o ser humano não é uma função. Não é uma peça, um produto, algo feito em série, para cumprir um papel.
O milagre do povo brasileiro não é apenas respeitar a diversidade, mas ter forjado nela uma unidade nessa tão rica e una diferença.
Disfuncional, para aquele lunático terrorista.
Desprezível, para nossas elites, que nos consideram, por isso, inferiores, embora não tenham mais coragem de afirma-lo com todas as letras, o que não os impede de colocar cercas eletrificadas, insulfilme e, sobretudo, de aderir e aplaudir a ideia de que este país seja de todo o seu povo.
Que falta nos faz um Darcy Ribeiro agora – e como nossa intelectualidade se empobreceu por não os produzir às centenas – que proclame nossa miscigenação como virtude e avanço, e não esqueça dela porque tenha medo de dizer que ela é boa, porque soma todos os que somos iguais: negros, brancos, amarelos, índios e até nossos noruegueses.
Como debocharam da ideia generosa do “socialismo moreno” que ele, Darcy, e Leonel Brizola, apregoaram diante de seus narizes torcidos, tentando dizer que, numa sociedade justa, aberta e igualitária, todos nós em algumas gerações, seríamos da mesma cor, feita de todas as cores.
Como zombaram da ideia de uma “civilização dos trópicos”, por acharem boa, mesmo, aquelas frias e funcionais, que produzem desvios assim. E não é de hoje, vide as barbaridades coloniais, depois o nazismo e estes seus filhos tardios.
Não temos de ser funcionais, o que nada tem a ver com não sermos racionais.
Um país, como ser humano, vive em busca da felicidade.
E felicidade é um estado de alegria coletiva, de aceitação, do que o Frei Leonardo Boff dizia ser a festa, onde as pessoas dizem sim a todas as coisas.
É, porque a gente precisa entender e sentir que o não só tem sentido, quando se nega o sim para alguém. Nós não temos ódio, mas não descuidamos de lutar pelo direito – e o dever – de amar.
É isso: só o que temos contra nossas elites é não aceitar que o povão seja gente. É não entender o verso do Tom que diz que é impossível ser feliz sozinho.
O Rolex e a futilidade a gente aceita e tolera.
E ainda pergunta que horas são.
Publicado em 25 de julho de 2011, por Fernando Brito, no blog do Brizola Neto (Tijolaço).
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