O caminho
Na maior parte da década de 1980 as rodovias para cá eram boas, bem conservadas e com trânsito tranquilíssimo. No final dos anos 1980 e na década de 1990 assisti horrorizado o desmanche dos caminhos. O trecho entre Alto Araguaia-MT e Mineiros-GO foi desaparecendo até tornar-se um campo difuso de buracos onde 99% da cobertura asfáltica havia "evaporado". Como em qualquer estrada de terra, o que se via ali era um balé de carretas em zigue-zague escolhendo os menores desníveis para judiar menos do veículo. Na última vez em que passei por ali com a estrada nessas condições, fiz todo o trajeto com o meu automóvel em primeira marcha. Chuva e buracos formavam um tobogã infernal no qual me misturava aos caminhões, ultrapassando-os a velocidades incríveis de 20 a 25 km/h.
Daquele ponto em diante, cada viagem no trecho Cuiabá-São Paulo tornava-se em uma aventura, guiada pela consulta a caminhoneiros e policiais rodoviários sobre qual o caminho menos ruim. Não havia caminho bom. A ponto de eu imaginar Cuiabá isolada do país em termos de acesso rodoviário.
Uma viagem que normalmente teria 1.250 quilômetros (entre Bebedouro-SP e Cuiabá) passava a ter quilometragens variadas, chegando a algo acima de 1.600 quilômetros. Em duas ocasiões, nessas viagens de rotas alternativas, os pneus do meu carro foram estourados ao passar por "panelas" das quais foi impossível desviar. Ou era aquela "panela" ou seria uma outra maior ao lado dela.
Em cada uma dessas viagens meus pensamentos voltavam-se para Sarney, Collor e, com muita intensidade para o príncipe dos sociólogos FHC. Peço perdão às respectivas mães dessas figuras pelos meus impropérios que as envolveram. Mas peço também que compreendam a angústia pela qual eu passava. Os riscos de acontecerem acidentes graves foram crescentes naquele período. E em nenhuma ocasião eu vi trabalhos sérios de recuperação das vias. Houve aparições bissextas de grupinhos de operários tapando alguns buracos com a "reposição" de asfalto com pás, carriolas e pequenos caminhões.
Nesse meio tempo, Mato Grosso tornou-se um expoente nacional na produção agrícola, e a situação do trânsito piorava acentuadamente com o aumento de veículos pesados circulando nessas coisas que ainda chamavam de rodovia.
Nessa última viagem, da qual cheguei há pouco, vim meditando sobre as mudanças imensas ocorridas na última década. O que se vê hoje nas rodovias é uma atividade febril de homens e máquinas. As estradas estão sendo praticamente refeitas, com coberturas asfálticas de boa qualidade e bem melhor sinalizadas. O percurso total da minha viagem foi de 1.170 quilômetros. Há pequenos trechos com defeitos, mas são defeitos recentes em estradas que foram renovadas mas que o trânsito de veículos muito pesados, aliado às chuvas, naturalmente danifica.
Penso e peço ao governo federal e aos governos estaduais de MT e MS façam um esforço maior para criar novas e necessárias terceiras faixas, bem como para duplicar o trecho entre Cuiabá e Rondonópolis. As filas de carretas chegam a ser assustadoras para quem, como eu, circula nessas estradas com um veículo leve e pequeno (um Ka mil, no meu caso). O trabalho em conclusão na Serra de São Vicente é digno de nota. Ao invés de asfalto, a rodovia de asfalto foi substituída por uma de concreto. O resultado é excelente e muito mais durável.
Outro fator que deverá ajudar muito na circulação de mercadorias será a implantação da ferrovia. É urgente a necessidade de alternativa de transporte de cargas e mesmo de passageiros. Os riscos criados pela intensidade do tráfego são crescentes, e muitas vidas estão sendo perdidas.
No Estado de São Paulo, minha viagem incluiu a passagem pelo trecho de São José do Rio Preto até Santa Fé do Sul. Ali há, também um intenso trabalho de empreiteiras para a duplicação da rodovia, com obras caríssimas de engenharia para evitar cruzamentos da rodovia com o trânsito das cidades. Muitos viadutos estão sendo construídos. Isso é ótimo e dá mais segurança tanto para quem passa quanto para quem trafega no entorno das estradas. Mas fico com a certeza de que, assim que for terminada a obra (com recursos de governo estadual, suponho), o trecho será privatizado e pedágios caríssimos serão colocados para exaurir (mais) o bolso dos contribuintes. Ou seja, gastos públicos e lucro privatizado. Esse é o modelo paulista (eu diria demotucano) de administrar a res pública. Realmente um "choque" de gestão.
Por outro lado, as rodovias federais precisam cuidar de um detalhe importante. As rodovias passam por cidades de intenso movimento de ciclistas, motoqueiros, pedestres e automóveis. Tudo isso se mistura ao trânsito da rodovia, criando riscos enormes para todos, além das malfadadas lombadas, cuja sinalização rapidamente desaparece, deixando os viajantes à mercê de solavancos, saltos e sobressaltos arriscados.
Passar por Rondonópolis vem se tornando uma epopéia, a despeito do trabalho de duplicação e obras que ali vêm sendo feitas. Ou se muda o traçado da rodovia ou obras mais pesadas de engenharia precisam ser feitas, de modo a isolar o tráfego da rodovia do tráfego urbano.
Em suma, as minhas viagens estão sendo melhores a cada ano no sentido de qualidade física das estradas. Mas sinto que faltam ainda cuidados com uma série de aspectos de segurança, principalmente devido ao intenso fluxo de transportes de carga nessas ligações de um Mato Grosso pujante em produção agrícola - isso é assunto polêmico, pois essa produção é poluidora, concentradora de renda e esmagadora para as populações tradicionais, entre outras coisas - com os centros compradores e/ou portos marítimos ou fluviais.
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