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Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.

domingo, 6 de novembro de 2011

Ocupa USP contra repressão: estudantes querem uma universidade pública de verdade
(6nov2011)

“A gente não quer a polícia fora do Campus a gente quer a polícia fora do mundo”

Por Maria Frô

Nas redes sociais inúmeros discursos sobre os jovens estudantes que mais uma vez ocupam a reitoria da USP: discursos conservadores, partidários de direita, das esquerdas… discursos que os diminuem, carimbam como ‘porralocas’ e/ou ingênuos… Sem exceção: todos os discursos os julgam.

Esse incômodo me moveu no sábado à tarde até a USP, peguei bike, capacete e o smartphone e rumei para o campus para perguntar: Quem são vocês, o que querem?

Cheguei na USP por volta das 16 H, pelo portão 2 (Politécnica), já estava fechado, inclusive para pedestres. Nos finais de semana a USP fecha seus portões. Eu sempre achei isso complicadíssimo, São Paulo tem pouquíssimas áreas verdes e a USP é uma delas e não é aberta para a comunidade nos finais de semana.


Ao lado da USP tem uma imensa favela – a São Remo -, nos finais de semana não vemos seus moradores desfrutarem do espaço público que deveria ser a USP ao menos para aqueles que vivem em seu entorno.


A USP é cheia de ‘espaços vazios’, mas há câmeras por quase todo o campus. Nem ronda privada, nem PM, nem câmeras parecem resolver problema de segurança pública.


Segurança tercerizada do Campus, como quase tudo hoje na universidade.


Reitoria ocupada.


Rodas, o alvo de todas as manifestações. Reitor de ações autoritárias é visto por funcionários, professores e alunos que apoiam o movimento de ocupação como o maior agressor da universidade.


Manifestantes critcam gastos abusivos da administração de Rodas como a compra de um tapete por 32.000,00.


Ao fundo carros de reportagem de rádio, tvs e jornais. A mídia institucional não parece ser bem-vinda pelos alunos. De campana o dia todo em frente à reitoria os jornalistas não conseguem uma entrevista sequer. Reclamam muito dos meninos. Ouvi de um: “Nem no presídio sou impedido de entrar”. O fotógrafo de boné, segundo informação dos alunos, é do Estadão e causou enorme tumulto porque ultrapassou a barreira criada pelos alunos.


Os alunos temem represálias da reitoria que já persegue vários estudantes e funcionários com processos administrativos, daí esconderem o rosto. O fato de os fotógrafos e câmeras não respeitarem o medo real dos estudantes dificulta ainda mais a relação dos manifestantes com a mídia institucional.


A USP completamente isolada da sociedade é uma das grandes críticas dos alunos acampados na reitoria. Para eles esse isolamento é uma das causas da falta de segurança no campus.

Mas afinal quem são os encapuzados que não querem falar com a mídia?

Aqueles que pintam os universitários como um bando de ‘filhinhos de papai maconheiros’ se surpreenderiam com a diversidade dos ‘uspianos’ acampados: brancos, negros, brancos com dreadlocks, cortes modernos, cortes comportados, adereços, chinelos… eles não têm partido, gostam de usar o termo ‘independente’. Sabem que são ‘privilegiados’, mas não se sentem confortáveis com isso: “Eu já tomei enquadro da polícia aqui e na quebrada onde vivo, aqui a polícia pega bem mais leve“.

Falo das representações sobre eles na mídia e nas redes sociais e questiono o silêncio deles. Eles me dizem que não estão em silêncio, mas a mídia escreve o que quer sobre eles: distorce, julga e não apresenta os fatos. Retruco que não há só um discurso conservador, que a ‘esquerda’ e alguns líderes estudantis também os criticam.

Eles com toda a paciência argumentam que na grande assembleia onde se votou a desocupação da FFLCH a mesa ignorou outras propostas, como a do meu interlocutor que tentou em vão colocar em pauta para a votação a saída da FFLCH e a ocupação da reitoria: ‘Eu havia feito outra proposta: a transferência da ocupação para a reitoria. Isso foi ignorado pela mesa, quando o plenário estava cheio votaram apenas ocupar ou desocupar a FFLCH e depois muita gente foi embora, mas havia outra pauta e nos ignoraram, nós reivindicamos na assembleia a votação desta pauta e a mesa não deixou votar‘.

Alguns se mostram muito descontentes com as estratégias de lideranças estudantis nas assembleias, mas apesar de verem problemas na mesa que dirigia a assembleia e na outra ala partidária que se opunha a mesa, apesar de reconhecerem que houve erros e mal entendidos, aqueles que decidiram ocupar a reitoria acham que não há mais sentido ficar discutindo a legitimidade da ocupação da reitoria por causa da assembleia. ‘A ocupação da FFLCH já acabou não importa agora, o movimento que está chamando atenção da opinião púbica é a ocupação da reitoria‘. Para esses manifestantes a ocupação da reitoria  criou um fato político e é a partir daí que se deve discutir.

Decisão de acampar foi espontânea

“Enquadro” é o termo que os uspianos usam para se referir às revistas da polícia militar no campus. Eles denunciam o aumento dessas investidas policiais, assim como de outros episódios como o de uma catraca abandonada na reitoria pega por um aluno para fazer uma instalação e polícia e guarda universitária tomaram-na e a catraca está no lixo!

Desta vez o início dos protestos foram deflagrados com o ‘enquadro’ de três alunos que consumiam maconha, mas  eles fazem questão de afirmar: “é muito mais que isso, é uma luta contra o sistema de repressão”.

Argumento que os uspianos têm privilégios, que a polícia é violenta, pratica racismo institucional, pergunto se eles percebem esses privilégios em relação aos jovens enquadrados pela polícia nas áreas pobres da cidade: “É fato que tem privilégio, eu já tomei enquadro da polícia aqui e fora daqui. Aqui realmente tem um tratamento diferente e por isso a gente pode usar isso para luta. Não queremos viver nessa bolha que tenta isolar a universidade das mazelas sociais: fechamento de portões, aumento da altura dos muros, mais e mais policiamento, a gente quer transbordar a nossa vivência universitária” para toda a sociedade.

Somos pensadores e queremos uma universidade verdadeiramente pública

O que mais me chamou a atenção na fala desses jovens foi o fato de não burocratizarem o papel da universidade como um lugar de conseguir um prestigiado diploma. Esses jovens querem muito mais, argumentam que a universidade como lugar privilegiado da pesquisa, reflexão e pensamento precisa potencializar essa discussão, professores, estudantes, funcionários têm de ser agentes do debate sobre segurança pública, repressão etc. não apenas no espaço do campus, mas fora dele.

Esse discurso surpreende porque ele é ridicularizado, espezinhado tanto pela esquerda como pela direita que não cansa de repetir ‘isso é tão anos 60, isso é tão anos 80′. O pragmatismo neoliberal da direita que transformou a universidade numa grande fábrica de produção em série sem reflexões transformadoras ou o pragmatismo da esquerda institucionalizada nos partidos que se encastelam nos seus centros acadêmicos e depois se surpreendem quando chapas de extrema-direita vem para a disputa não permitem espaço para sonhos. Aliás esses jovens que ocupam a reitoria não acham que o fato de lutar por mudanças concretas para a democratização da universidade seja sonhar. Para eles isso é função de estudantes, professores e funcionários que desejam uma universidade verdadeiramente pública.

Menciono que no campus houve uma manifestação de estudantes pela permanência da polícia. Eles sorriem e dizem que acabaram dando quorum para a manifestação, porque inicialmente não havia mais de 100 pessoas e eles seguiram para ver o que estava acontecendo.  ‘As fotos que mais aparecem na mídia são nossas com o canhão cor de rosa‘.

‘Nós nos solidarizamos com a família do Felipe‘ (o estudante assassinado durante um assalto na área bancária da USP) e argumentam que o fato de se oporem à permanência da polícia militar no campus não significa que ‘estão se lixando para a morte do Felipe‘. E mais uma vez tecem críticas duras à PM: a polícia mata e reprime nas favelas, mata a população negra, “a polícia é também agente de violência, nós somos pensadores temos de levar essa discussão para a sociedade. ‘Nós temos convicção que a polícia não resolverá o problema da educação". E prosseguem falando sobre a terceirização da segurança pública, denúncias de lavagem de dinheiro e a mídia que estereotipa o movimento.

Na fala dos manifestantes é constante a denúncia do autoritarismo da gestão da USP: processos administrativos e criminais contra estudantes e funcionários é realidade após cada manifestação. Para eles a presença da polícia passa ao largo da segurança pública, porque ela está a serviço da repressão dos que se opõem ao autoritarismo do Reitor.

Reivindicamos o fim dos processo adminstrativos e criminais contra os estudantes e funcionários, nós queremos uma universidade verdadeiramente pública:  as bibliotecas da universidade são espaços públicos. Qualquer pessoa poderia entrar em uma biblioteca pública e ler um livro. “Esses dias um negro tentou entrar e questionaram o que ele queria ali e ele não pôde usar a biblioteca“. Os próprios trabalhadores terceirizados da USP são invisíveis para usufruir do bem público, mas alvo da polícia.

“Sábados e domingos não entra ônibus no campus, os meninos da São Remo são expulsos pela guarda do campus nos finais de semana, por outro lado um espaço público,  o Paço das artes foi usado para um casamento privado“,  denunciam os acampados.

‘Nós formamos comissões (eu conversei com membros da comissão de comunicação) as assembléias são horizontalizadas’. Mas nem todos concordam: ‘deixa eu dar minha opinião‘, diz um dos encapuzados que ficou comigo todo o tempo da entrevista: “tem muita burocracia nas mesas, acaba o tempo da assembeia e não votam as propostas, muitas manobras.”

Para meus interlocutores qualquer reforma entre PM e universidade que não seja o rompimento deste contrato não vai adiantar. Se não partir da universidade  um debate real sobre a sociedade brasileira, a universidade pública serve para quê?, questionam eles o tempo todo sobre o real papel da universidade pública.

Falo que eles estão sendo acusados de terem destruído patrimônio público durante as ocupações. Eles negam e afirmam que têm inclusive uma declaração da diretora da FFLCH de que não houve nenhum dano no prédio administrativo. Pergunto sobre a ocupação da reitoria e eles dizem que não há dano algum, só intervenção artística e que ao contrário do Reitor que queima dinheiro público na compra de tapete de 32 mil reais, eles preservam e lutam pela univerisdade.

“A gente quer bastante coisa, não sei se vamos conseguir, mas a a gente só vai descobrir tentando.”

*Notas:

1. Gravei quase toda a conversa que tive com os membros da comissão de comunicação. Não foquei em seus rostos, daí os dois vídeos serem da grama ou do asfalto com a fala de cada um deles sem edição.

2. O blog do movimento: Ocupa USP Contra Repressão , Página do Facebook, twitter: @ocupa_usp

Postagem de hoje no sítio Maria Frô.

1 comentários:

RoxXD disse... [Responder comentário]

Muito legal, estava pesquisando os reais motivos, achei muito pouco as reportagens dos jornais, que colocaram como uma explosão repentina de "um bando de vagabundo" como algumas pessoas dizem por aí.

Gostei do texto, só achei muito extenso.