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Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Quem não sabe votar não merece
o direito de eleger alguém
(29out2012)


Por Leonardo Sakamoto, no Blog do Sakamoto

Estava precisando baixar minha autoestima e resolvi ler com atenção os comentários de alguns posts que acabaram gerando polêmica neste espaço. Notei que, com uma certa frequência, alguns leitores reclamam do que interpretam como “politicamente correto”. Ficam irritados com essa “onda” de criticar quem manifesta preconceito por cor de pele, orientação sexual, classe econômica e por aí vai.

Cadê meu direito de tripudiar os párias da sociedade? Eu venci na vida, sofri muito bulling social. Agora é minha vez!

Da mesma forma que no dia seguinte ao segundo turno das eleições de 2010, internautas usaram as redes sociais para exalar preconceito contra moradores da periferia do município de São Paulo, onde o candidato do PT teve maior votação. Surgiram coisas do naipe de “Pobre não sabe votar” e “É isso que dá deixar essa gente votar”. Em 2010, quando o Nordeste garantiu uma quantidade expressiva de votos para Dilma Rousseff, houve uma enxurrada de destempero na rede. Comentários “sinceros” e “politicamente incorretos” – como muitos dos leitores deste blog gostam de batizar esses petardos preconceituosos e violentos – mostraram que estamos longe de entender o que é democracia.

É triste constatar que, quando uma eleição apresenta um nível sofrível de debates sobre políticas e é calcado em baixarias, de qualquer lado que seja, ela invariavelmente descamba para um fim melancólico de guerra online, revelando o que há de mais obscuro na alma das pessoas.

Todos nós que fomos criados em uma sociedade racista, machista, homofóbica e elitista temos que percorrer um longo caminho para abandonar a programação bizarra a que fomos submetidos. Portanto, estes momentos são didáticos para que aprendamos com nossos erros no dia a dia, façamos correções de rumo e possamos nos reconstruir e construir uma sociedade melhor. Mas esses comportamentos não deixem de assustar.

Após as eleições de 2010, colegas jornalistas receberam spams que defendiam a necessidade de separar o Estado de São Paulo e a Região Sul do restante do país por conta do resultado da votação. Quem tem 30 anos ou mais lembra daquela campanha “O Sul é meu país”, que circulou com adesivos de qualidade duvidosa, acrescentando São Paulo a esse delírio separatista. Por um momento, parecia que a campanha estava de volta.

Tanto naquele momento quanto agora, nada sobre juntar quem não concorda com o governo eleito e fazer uma oposição firme, programática e responsável – não só aqui, mas em outras cidades do país. Até porque, como sabemos, a tática do “perder e levar a bola embora” é super madura e fortalece a democracia, seja em São Paulo, Fortaleza, qualquer lugar.

Já usei este exemplo aqui, mas acho salutar resgatá-lo. Por mais que o filme original não seja um primor de roteiro e de execução, seria extremamente didático para esse pessoal que espuma preconceito se houvesse uma versão tupiniquim do norte-americano “Um Dia sem Mexicanos”. A ideia da película simples: os imigrantes latino-americanos, que custam algumas centenas de milhões em serviço social e retornam bilhões em mão-de-obra, um dia somem da Califórnia – para a alegria dos xenófobos. Mas a vida se torna um caos com o sumiço deles. Por aqui, seria algo como “Um Dia sem a Periferia” (lembrando que “periferia” não é um conceito geográfico, mas sim social), com roteiro gravado em São Paulo:

A socialite acorda e vê seu poodle completamente despenteado. Tem um piti e grita pela empregada responsável pelo serviço que, pasmem, não estava em seu quartinho. Nada. O empresário chega de seu cooper matinal e percebe que seu suco de laranja não está espremido como devido. Grita pelo mordomo. Nada. O editor reclama que o motoboy não apareceu para levar as provas para a gráfica. Nada.

“Deve ser enchente na favela onde moram os filhos delam. Ela está sempre à mão, sabe? É pobre, mas tem caráter. Nunca sumiu nada lá em casa.”/”É o quarto dia que aquele sujeito não vem. Sabe o que é isso? É o Bolsa Família! Torna as pessoas vagabundas. Deve estar bebendo em um bar”/ “Combinei uma coisa com ele e ele não veio. Esse povinho da periferia, viu? Se não caga na entrada, caga na saída.”

E por aí vai. Até porque, como todos sabemos e o preconceito rastaquera paulistano reafirma diariamente, muitos dos moradores pobres da periferia da cidade estão em ocupações subalternas porque gostam disso.

Seja na superfície, através de risinhos, ironias e preconceitos, seja estruturalmente, via baixos salários e uma desigualdade gritante, já passamos o recado de quem manda e quem obedece na cidade. Direitos sociais e econômicos já são sistematicamente negados. Agora passamos a dizer não também aos direitos políticos? Qual o próximo passo?

Revogar a Lei Áurea?

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