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Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.

terça-feira, 30 de julho de 2013

A máquina de esconder escândalos
(30jul2013)

Por Miguel do Rosário no blog O Cafezinho

Em conversas de botequim, tenho feito uma proposta “científica” para avaliarmos se a mídia convencional nos torna uma pessoa melhor informada e mais preparada para os embates da vida. Imagine duas cobaias humanas, trancadas cada uma num quarto fechado, sem contato nenhum com o mundo exterior. Uma delas receberá toda manhã um conjunto de jornais e revistas tradicionais: Veja, Folha, Globo e Estadão. No outro quarto, o indíviduo não receberá nada. Ficará olhando as paredes e meditando. Deixemos os dois nessa situação por um ano.

Quando soltarmos o segundo, o que não recebeu nada, há duas hipóteses: uma é que ele ficou um pouco tantan, com mania de falar sozinho; outra – a que eu prefiro acreditar – é que se tornou uma pessoa mais sábia. Um ser humano melhor, mais reflexivo. Aprendeu a conhecer melhor a si mesmo, seguindo o ditado da inscrição mais famosa do oráculo de Delfos: conheça a ti mesmo.

O outro, bem… o outro sairá do quarto qual uma besta fera descontrolada, vociferando palavras de ordem contra o PT, contra o comunismo, interessado mais em ver José Dirceu na cadeia do que beijar sua esposa. E, sobretudo, será uma pessoa muito pior do que antes da experiência. Será mais intolerante, mais raivoso.

O mais irônico é que o cidadão que passou um ano trancado num quarto apenas lendo jornais estará mais desinformado do que o outro que não leu nada. Mais desinformado e ainda despreparado para receber mais informações. O outro terá alguns vazios em termos de informação, mas nada que não possa suprir em algumas semanas. Pode ser até mesmo lendo a imprensa tradicional, mas temperando com leitura de sites, blogs, conversa com amigos, interação em redes sociais.

Pensei na minha proposta de botequim ao ler os jornais desta segunda-feira. Nenhum deles dá qualquer destaque ao escândalo que dominou as redes sociais no domingo: Joaquim Barbosa infringiu a lei ao inscrever o imóvel funcional onde residia como sede de sua “corporação”, a Assas JB Corporation. Quer dizer, a Folha deu a notícia num cantinho tão escondido, ao final de uma nota sobre outro assunto, que não vale.

O Ministério do Planejamento informou que a regra é clara: segundo o inciso VII do artigo 8º da norma que rege as regras de ocupação de imóveis funcionais, esse tipo de propriedade só pode ser usado para “fins exclusivamente residenciais”.

O Brasil 247 estampou a manchete:


Tem mais coisa. O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Nino Toldo, declarou que “um ministro do STF, como qualquer magistrado, pode ser acionista ou cotista de empresa, mas não pode, em hipótese alguma, dirigi-la”. Toldo refere-se ao artigo 36 da Lei Complementar nº 35. “Essa lei aplica-se também aos ministros do STF. Portanto, o fato de um ministro desobedecê-la é extremamente grave e merece rigorosa apuração”, ressaltou.

O blogueiro Luis Nassif procurou a Controladoria Geral da União (CGU) para se informar sobre a gravidade da violação. A resposta foi taxativa.
De acordo com o Decreto no. 980/1993 (que regula a cessão de uso dos imóveis residenciais de propriedade da União), o permissionário (morador) tem o dever de destinar o imóvel para fins exclusivamente residenciais. Fosse um funcionário público comum, a atitude de Barbosa estaria sujeita a apuração e a penas que poderiam ir de advertência a demissão.
Nassif então faz uma denúncia duríssima contra a hipocrisia institucional no país, porque a iniciativa está em mãos de Roberto Gurgel, que por sua vez só age com autorização da grande mídia. É uma aliança espúria: Joaquim Barbosa, Roberto Gurgel e velha mídia.

Joaquim Barbosa não deu sorte. No mesmo domingo, o Globo publicou longa entrevista do presidente do STF com sua jornalista mais célebre, Miriam Leitão. A entrevista foi encomendada, notoriamente, para blindar Joaquim dos ataques que vem recebendo da “mídia subterrânea” e dos blogs “bandidos”, como ele se refere, delicadamente, a seus críticos.

A repercussão enorme da matéria publicada no Correio Braziliense acabou atrapalhando os planos da dupla Globo e Joaquim.

Entretanto, mesmo que não houvesse a matéria do Correio Braziliense, Joaquim estaria igualmente em maus lençóis pela repercussão negativa de sua entrevista. E por sua própria culpa. A entrevista de Barbosa é de um homem com delírios de paranoia. Como de praxe, esculhamba o Estado. O sujeito é tão doente que encerra a entrevista xingando o Itamaraty!

Ora, o Itamaraty de fato ficou conhecido pela falta de diplomatas negros, mas há dez anos instituiu cotas raciais, diferentemente do STF, cujo sistema de ingresso não tem nenhuma política de afirmação positiva. Barbosa parece ter prazer em desqualificar seu próprio país. Ele nem pode dizer que não sabia, porque seu próprio filho concorreu ao Itamaraty, mas faltou à entrevista final – preferiu aceitar o emprego que seu pai lhe arrumou, no programa do Luciano Huck, na Globo…

Todas as respostas de Barbosa são patéticas. O final, porém, é tão ridículo que parece uma gag de humor.
O senhor não passou no concurso?
Passei nas provas escritas, fui eliminado numa entrevista, algo que existia para eliminar indesejados. Sim, fui discriminado, mas me prestaram um favor. Todos os diplomatas gostariam de estar na posição que eu estou. Todos.
Que mediocridade! Quer dizer que ele encara o cargo de ministro no STF como uma “vingança” pessoal contra o fato de ter levado bomba na entrevista do Itamaraty? Ele acusa o Itamaraty de lhe ter discriminado, mas conhecendo Barbosa como o conhecemos agora, só posso bater palmas para o avaliador que o reprovou. Alguém consegue imaginar um homem desses, irascível, mal educado, truculento, agressivo, como um diplomata?

Leiam também o artigo que escrevi para o Tijolaço, sobre o mesmo tema.

*

O escândalo das propinas das empresas que construíram estações de metrô em São Paulo também não aparece em nenhum jornal. A Folha dá uma matéria no interior do caderno Cotidiano, sem mencionar nem uma vez os vocábulos PSDB ou Geraldo Alckmin. E o texto dá a entender, ridiculamente, que a empresa vai devolver o dinheiro superfaturado e tudo será perdoado. A matéria não tem chamada na primeira página, nem sequer na capa do caderno onde foi publicada, que já é pouco lido. Daqui a pouco a Folha estará publicando escândalos tucanos no meio dos Classificados, em fonte tamanho 5.

A mídia brasileira está se tornando uma verdadeira máquina de esconder escândalos de seus amigos. O que reforça a minha teoria de que o sujeito que lê apenas a imprensa tradicional acaba mais desinformado do que aquele que não lê nada. Porque este último, ao menos, escapa da manipulação.

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