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Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Jornalismo policial sensacionalista segue destruindo a dignidade dos excluídos
(24mai2012)

Reproduzo postagem de hoje do sítio Jornalismo B , pois há muitos anos sinto indignação ante o que esses programas policialescos da televisão apresentam, expondo à população em geral, de forma grotesca e aviltante, a intimidade de lares miseráveis invadidos por policiais em ação. Os repórteres desses programas não hesitam em fazer críticas desdenhosas e descabidas à aparência daquilo que é o lar possível para muitos brasileiros abandonados à própria sorte, excluídos e marginalizados por essa mesma sociedade que garante grandes audiências a esses programas. Nunca vi repórteres acompanhando com suas equipes de filmagens qualquer "invasão policial" em casas de pessoas mais abastadas. Aliás, nem sei se a polícia age dessa mesma forma quando o suspeito pertence a porções mais privilegiadas social e economicamente. Ou seja, a presunção de inocência até que se prove a culpa vale somente para quem recebeu educação de qualidade e ainda teve boas oportunidades na vida. Com esses, que conhecem melhor seus direitos, a mídia evita lidar, pois sabe que pode ter que enfrentar consequências judiciais. A ignominiosa ação desse tipo de reportagem recai, então, sobre aqueles mais fragilizados, submetendo muitas famílias pobres à humilhação e execração pública, o que, por si só, já é um julgamento completo: a reportagem denuncia, mostra o que acha conveniente, como acha conveniente, e dá o veredito imediato, tudo sem procurar ver as situações pelo ângulo daquele que está sendo tomado como suspeito, sem "ouvir o outro lado". Ou, quando finge que ouve, o faz para usar imagens e falas na desqualificação do personagem em tela.

Mobilização nasce na internet e tira garoto Paulo Sérgio da inexistência social

A mobilização que nasceu nos últimos dias em torno de um garoto preso desde o fim de março e violentado psicologicamente por uma “repórter” do programa Brasil Urgente Bahia, começa a dar resultado. A Defensoria Pública da Bahia se mobilizou para apurar a situação de Paulo Sérgio Silva Sousa, de 18 anos. Ao mesmo tempo, o Ministério Público Federal entrou com uma representação contra Mirella Cunha, a repórter-torturadora.

“Eu me senti humilhado, porque ela ficou rindo de mim o tempo todo. Eu chorei porque sabia que ali, eu iria pagar por algo que não fiz, e que minha mãe, meus parentes e amigos iriam me ver na TV como estuprador, e eu sou inocente”, foi o que disse o garoto à Defensoria Pública da Bahia.

Não fosse a internet e Paulo Sérgio seria “só mais um Silva que a estrela não brilha”, como diz a música. Seria mais um dos que mofam nas prisões brasileiras sem julgamento formal, na situação de condenados sociais. Mas, no início da semana, o vídeo em que a enviada da Band humilha o garoto – vídeo que já estava no YouTube desde o dia dez de maio – ganhou destaque com a divulgação da história em alguns blogs – o Jornalismo B esteve entre os primeiros a atacar a conduta da “repórter” e da Band.

A partir daí, o caso ganhou grande espaço nas plataformas de redes sociais e nos blogs. Jornalistas baianos se mobilizaram e produziram uma bela Carta Aberta “sobre abusos de programas policialescos na Bahia”. A Carta questiona a “conivência do Estado com repórteres antiéticos, que têm livre acesso a delegacias para violentar os direitos individuais dos presos, quando não transmitem (com truculência e sensacionalismo) as ações policiais em bairros populares da região metropolitana de Salvador”.

Diz ainda, em um bem construído e preciso texto: “Sob a custódia do Estado, acusados de crimes são jogados à sanha de jornalistas ou pseudojornalistas de microfone à mão, em escandalosa parceria com agentes policiais, que permitem interrogatórios ilegais e autoritários, como o de que foi vítima o acusado de estupro Paulo Sérgio, escarnecido por não saber o que é um exame de próstata, o que deveria envergonhar mais profundamente o Estado e a própria mídia, as peças essenciais para a educação do povo brasileiro”.



As repercussões chegaram, por fim, às instituições do Estado. Segundo matéria do iG Bahia, “o delegado-geral da Polícia Civil baiana, Hélio Jorge Paixão (…) vai apurar se houve descumprimento pela 12ª Delegacia Territorial (Itapuã) de portaria que regula a divulgação de ações policiais. (…) Tal portaria assegura o direito à inviolabilidade e a presunção de inocência, e que informações à imprensa devem ser fornecidas pela assessoria de comunicação, pelo diretor do órgão ou por quem esta à frente do inquérito”.

A Defensoria Pública da Bahia também se manifestou. Enviou representantes para conversarem com Paulo Sérgio. E, em matéria publicada no site da Defensoria, explica: “Paulo Sérgio é réu primário, vive nas ruas desde criança, apesar de ter residência em Cajazeiras 11. Tem seis irmãos, é analfabeto e já vendeu doces e balas dentro de ônibus”. O defensor público Rodrigo Assis, foi além: “não é possível conceber a devida justiça neste caso sem uma ação por danos morais. As imagens confirmam o abuso no exercício da informação e da manifestação do pensamento da repórter”, disse. E a matéria completa, referindo-se ao trabalho da “repórter” da Band: de acordo com a defensora pública, a reportagem utilizou a imagem do acusado para humilhá-lo, achincalhá-lo, expô-lo ao ridículo, apenas com o intuito de utilizá-lo em uma tentativa de angariar audiência, de forma sensacionalista, às custas da violação da sua dignidade”.

É importante destacar, em meio a todo o debate que esse caso gerou, que não é uma situação isolada. Em nenhum sentido. Brasileiros pobres, ignorantes e desdentados, abandonados durante toda a vida pelo Estado, são diariamente tratados por este como causa – e não consequência – da exclusão. São tratados como inapropriados e indesejados, quando, na verdade, quem é inapropriado a eles é o Estado, que age violentamente em parceria com a mídia dominante. Mídia essa afirmada por um modelo de comunicação que o Estado brasileiro em pouco ou nada tem agido para modificar. Nesse círculo vicioso, quem acaba destruído é Paulo Sérgio, enquanto quem deveria ter esse destino é o modelo da exclusão. Não é a culpa ou inocência de Paulo Sérgio que está aqui em questão, mas o simbolismo da atitude da “repórter” como exposição caricata do tipo de jornalismo gerado pelo modelo midiático aristocrático que o Estado brasileiro segue aceitando como natural.

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