Quem sou eu

Minha foto
Bebedouro, São Paulo, Brazil
Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Autonomia universitária em risco pelas interferências judiciais e pela criminalização de movimentos estudantis
(7fev2013)

Vivemos dias esquisitos, para dizer o mínimo! Nossa sociedade parece estar macaqueando a sociedade estadunidense em seus aspectos menos interessantes (deve haver alguns interessantes, provavelmente). Tudo lá é motivo de processo na justiça. Cada estadunidense é doidinho para arrancar uns dólares de seus semelhantes a qualquer custo.

Por aqui, a Justiça é utilizada mais para intimidar e tentar calar os movimentos sociais, estudantis, blogueiros etc. etc. É incrível que a Justiça aceite processos contra as universidades ou as comunidades universitárias, rompendo com o princípio constitucional da autonomia universitária. Qualquer problema interno da Universidade pode ser resolvido no âmbito dos regimentos internos da instituição, com processos administrativos ou disciplinares onde as partes têm amplo espaço para apresentarem suas respectivas posições. No entanto, os Colegiados são cada vez mais cerceados em suas prerrogativas na medida em que o Poder Judiciário acata processos que envolvem questões absolutamente acadêmicas.

Se um professor, técnico ou estudante ofende colegas, por exemplo, um processo disciplinar interno vai colher os depoimentos das partes envolvidas e, em se comprovando que o acusado realmente infringiu as normas acadêmicas ou o código disciplinar da instituição, a Comissão encarregada da realização do processo disciplinar pode indicar à administração superior a punição cabível ao caso.

Colocando toda a situação de ponta-cabeça, o acusado e punido pode processar os depoentes do processo, que relataram as suas atitudes academicamente inadequadas, por perdas e danos morais. E, pior, há juízes que acatam tal tipo de processo. Com isso, rompe-se o tecido da ordem acadêmica, bem como a autoridade e a autonomia da universidade no estabelecimento de um sadio ambiente de vivência dentro da academia. Qual membro da comunidade acadêmica, diante disso, denunciará ou coibirá um ato de desrespeito a que tenha presenciado? Uma vez que o ataque judicial é contra sua pessoa e não contra a instituição, pergunto: quem, na comunidade acadêmica, tem disponibilidade financeira para bancar sua defesa?

Diferentemente do exemplo hipotético acima citado, mas caminhando no mesmo sentido de interferência na autonomia universitária, vemos a judicialização e criminalização dos movimentos sociais construídos pelos segmentos que compõem a comunidade universitária. Greves, passeatas e fundadas atitudes de protesto são mais e mais tratadas como casos de polícia e de processos judiciais, como forma de intimidar a sociedade, de calar aspirações e demandas. Para tanto, contribuem em muito alguns regimentos internos desatualizados de diversas universidades. Tais regimentos clamam por revisões (ou pelo seu abandono) por parte dos conselhos superiores dessas instituições. Muitas dessas normas foram criadas à sombra e sob a inspiração das leis de exceção impostas pela ditadura civil-militar iniciada em 1964. Há normas anacrônicas e em completo descompasso com o atual processo político vivido em nosso país. Ou não?

Com regulamentos internos que afrontam a prática da cidadania por parte dos estudantes, eventuais administrações de perfil conservador e repressivo terão a faca e o queijo na mão para desarticular dissidências e para desestimular o aprendizado do fazer político que seria intrínseco do viver acadêmico. A universidade é um dos berços privilegiados para o pensamento político e local para politização mais acurada de nossa juventude. No entanto, o que se vê, majoritariamente em cursos de áreas ditas técnicas, são estudantes indiferentes à política mas nem um pouco indiferentes às "dicas" para se darem bem na vida profissional. Estudantes que se vêem como mercadoria a ser elaborada e ofertada pela universidade ao mercado de trabalho. Estudantes que não se vêem como cidadãos que terão participação por vezes radical na transformação de espaços e do cotidiano da população em geral. Participação que dificilmente terá o viés do interesse coletivo, social, mas sim o daqueles que pagam pelo "serviço". E muitos se esquecem de que quem paga pela sua formação é essa mesma população que poderá ser prejudicada por seus "pareceres técnicos e imparciais".

Já os poucos grupos que ousam levantar a cabeça para debater, questionar e pensar sobre política, esses não têm muita guarida mesmo no campo institucional. Eles são incômodos. Eles perturbam. Eles precisam ser pressionados a abandonar tais posturas, exceto quando suas demandas "coincidirem" com interesses políticos da administração da universidade.

O quadro é mesmo estranho. Quem não tem noção do que seja o decoro acadêmico não pode ser processado porque a Justiça acatará suas queixas e dará andamento a processos contra as testemunhas formais de suas mazelas. Quem ousa contestar politicamente as posturas da academia, exigindo melhorias, é processado na mesma Justiça que acoitou aquele que, de fato, desrespeitou o ambiente acadêmico.

Qual é o recado? Cala-se a formação integral que uma universidade deveria prover aos seus estudantes. Primeiro, dando-se cobertura judicial a quem não descobriu que a vivência social e o ambiente acadêmico requerem uma noção de limite; a noção de que sua liberdade termina onde começam os direitos dos outros. Segundo, dando-se cobertura a administrações que se valem de regulamentos autoritários para cortar pela raiz a possibilidade do aprendizado do exercício da cidadania.

De minha parte, passo a esperar com certa sofreguidão que meu tempo para aposentadoria se complete (e torcer para que as regras não sejam mudadas mais uma vez), para que eu não tenha que conviver, num futuro breve, com uma universidade que cada vez reconheço menos, com a qual cada vez menos me identifico. Será muito doloroso ver a universidade brasileira completamente encilhada e amordaçada, destituída de sua autonomia. Será triste ver a universidade como uma fábrica de bonequinhos de ventríloquo, formados com dinheiro público mas tendo como único horizonte seus interesses pessoais (vide, como exemplo, a maioria dos melhores médicos é formada em escolas públicas e foge de trabalhar com a saúde pública, preferindo se instalar em sofisticados e caros consultórios particulares).

A ideia de universidade, tão bem construída ao longo dos séculos, voltada para pensar as necessidades e os novos caminhos para o crescimento da humanidade, está se desvanecendo. As nossas universidades, no passo atual, vão se parecendo mais e mais com colégios de educação básica. Ou talvez estejam ficando aquém desses colégios. Dá-se um diploma ao indivíduo e ele que vá aprender da vida no famoso e ansiado (pelos estudantes) mercado de trabalho. Perdem-se os conceitos de ética, ao mesmo tempo em que crescem os valores de uma moralidade tacanha e egoísta.

Uma amostra do quadro atual está explicitado nas notas que transcrevo abaixo, relativas às atitudes autoritárias e judicializantes da administração da Universidade de São Paulo (com destaques meus), em consonância com as políticas públicas do governo do Estado de São Paulo. Aliás, nada pode ser mais identificado com uma elite arcaica e anacrônica do que o poder judiciário no Estado de São Paulo. O que reforça minha visão de que os melhores advogados (que passam em concursos para o Poder Judiciário) são formados nas melhores escolas públicas do país. No entanto, são provenientes de uma classe social distanciada da realidade vivida pela maioria da população brasileira. Eles vêem o mundo pela ótica do grupo social elitista em que foram criados. E é por esta ótica que eles se permitem desprezar ou simplesmente sentirem ojeriza pelos movimentos sociais. Nunca lhes foi necessário lutar por nada. Nunca precisaram conquistar nada em termos de seus direitos sociais, pois a eles nada foi negado e seus direitos nunca foram sequer ameaçados. É claro que para toda regra há exceções, as quais somente servem para confirmar a regra.



Nota do Fórum Aberto pela Democratização da USP

No dia 31 de janeiro de 2013, a reitoria da USP finalizou o andamento de processos administrativos contra estudantes e funcionários tendo por fundamento o decreto n°52.906/1972, conhecido como regime disciplinar da USP, editado em consonância com o Ato Institucional n°5. As punições compreendem de 5 a 15 dias de suspensão para 72 estudantes e funcionários da USP por participarem do movimento político que ocupou o prédio da reitoria em novembro de 2011, na luta contra a militarização da Universidade e a violência policial.

Menos de uma semana após a determinação das punições administrativas, no dia 5 de fevereiro, o Ministério Público Estadual (MPE) denuncia os 72 estudantes, funcionários e manifestantes por formação de quadrilha, posse de explosivos, danos ao patrimônio público, desobediência e crime ambiental por pichação, que indicam o mínimo de 8 anos de prisão.

A criminalização do movimento político na universidade, além de ser confirmada com as punições aparentemente leves (suspensões de até 15 dias), previstas em regime disciplinar, tem nova faceta na investigação criminal do movimento político no Ministério Público Estadual e escancara a evidente criminalização dos movimentos sociais e políticos, fora e dentro da Universidade.

As punições referentes aos processos administrativos consolidam o fato de que a reitoria da USP, amparada pelo regimento disciplinar, segue empreendendo o acordo com a Polícia Militar, com a evidência, hoje, de que não há por parte da reitoria, qualquer tipo de política de “segurança” que não seja a presença da PM. Nada foi realizado no campus em relação à melhor iluminação das vias, por exemplo. Nesse sentido, a ameaça de prisão vem se constituir em mais uma medida de judicialização da política, que coíbe o debate, a participação e a manifestação de ideias.

Nesse sentido, se faz necessário somar esforços em defesa dos estudantes e funcionários punidos administrativamente e, desde o dia 5 de fevereiro, denunciados pelo Ministério Público Estadual, exigindo a imediata revogação dos processos e a imediata anulação da denúncia.

Fórum Aberto Pela Democratização da USP

Adusp, Sintusp, DCE, APG, CAHIS, Guima, CEUPES, CAF, CEPEGE

Levante Popular da Juventude, Juntos, Ler-QI, Rompendo Amarras, Para Além dos Muros, Partido Operário Revolucionário, Consulta Popular

******

Petição do DCE Livre da USP ao Ministério Público de São Paulo

O DCE-Livre da USP e abaixo-assinados exigem a retirada imediata da denúncia apresentada pelo Ministério Público de São Paulo à Justiça no dia 5 de fevereiro, que acusa 72 estudantes da universidade, detidos durante a violenta reintegração de posse do prédio da reitoria em 2011 por parte da Tropa de Choque da Polícia Militar, por danos ao patrimônio público, pichação, desobediência judicial e formação de quadrilha. Além disso, também repudiam as declarações da promotora Eliana Passarelli, autora da denúncia, à imprensa que chama os estudantes de bandidos e criminosos. Na nossa opinião, a intenção de criminalizar esses estudantes é um ataque ao movimento estudantil e aos movimentos sociais de conjunto, em todo Brasil, que possuem o direito democrático de livre expressão, manifestação e organização política e ideológica. Lutar por democracia na universidade não é crime.

Para apoiar a petição, clique aqui.

0 comentários: