Não me canso de ficar desolado com a postura de pessoas que conheço, ou pensava conhecer, totalmente contaminada pelo discurso da mídia golpista brasileira. Já de alguns anos decidi não assistir os informativos dessa mídia, preferindo percorrer a blogosfera, bem como sites informativos menos rancorosos. Não deveríamos estar vivendo esse tempo de rancor. Antes, assistíamos impávidos ao sucateamento do aparato estatal brasileiro. Não reagíamos à altura na medida em que ocorria a mercantilização de nossos direitos fundamentais.
Saúde, educação, segurança, entre outros, foram tornados mercadoria e, portanto, retirados das mãos do poder público para servirem de fonte de renda para empresas. No aspecto de segurança, a mídia presta um "inestimável" serviço às empresas do ramo ao difundir pânico e gerar sensação de insegurança. Lucros também são gerados para os médicos, que, mesmo quando aboletados a algum serviço público, direcionam toda sua atenção para seus consultórios particulares ou suas cooperativas médicas (os famigerados planos de saúde). Testemunhamos sem nada balbuciar a entrega do patrimônio público em áreas que são estratégicas para a soberania de qualquer país. A mídia não somente calou-se, mas aplaudiu e louvou essas "posturas pós-modernas" neoliberais.
Particularmente, não guardo rancor pelo fato de nossa infraestrutura ter sido deixada ao léu desde Sarney até FHC. Não foram feitas hidrelétricas, diversas rodovias simplesmente desapareceram. O sentimento que me assalta é de pena. Pena desses respeitáveis cidadãos que não moveram uma palha para pensar nosso país no futuro, e nem o fizeram para dar qualidade de vida à nossa população mais fragilizada e pobre.
Quem disser que o Brasil não mudou nos últimos dez anos está, realmente, enceguecido pelo discurso oposicionista e partidarizado dominante na grande mídia nacional.
Eu sou testemunha de que nesses anos que nossas rodovias federais estão pontilhadas de equipes de trabalhadores atuando em conservação e no asfaltamento de novos trechos. Eu testemunho que o público que frequenta nossos aeroportos hoje é bem mais diversificado e mais numeroso do que o era até o final dos anos 1990. Eu vejo que os adolescentes de minha família naquela década, que eu considerava uma geração perdida para a falta de perspectivas e de sonhos, além da falta de empregos, estão hoje vivendo em casas dignas, têm empregos com salários que lhes permitem viver com algum conforto e independência e, melhor do que tudo, sonham com, e planejam, um futuro melhor para eles e para seus filhos.
Por quê isso incomoda a tantas pessoas? Como não ver o que está se passando diante de nossas vistas?
Há muito a ser feito, ainda, é lógico. Mas não se pode ignorar ou negar que algo de bom vem sendo feito e que mudanças vêm ocorrendo. Fico triste, por exemplo, ao ver a campanha de demonização dos políticos "engolida" por pessoas que deveriam entender, no mínimo, que somente temos caminhos democráticos quando pavimentados pela atuação política. Muitas dessas pessoas elegem políticos da pior estirpe (e é claro que os há!) e depois ficam regurgitando o discurso que generaliza para todos os políticos aquilo que os maus políticos (eleitos e reeleitos repetidamente, diga-se de passagem) fazem. Nosso Congresso Nacional está assolado por políticos empresários, latifundiários, religiosos (alguns deles são uma mistura das três coisas) porque a legislação eleitoral favorece a que alcance mais votos, por apresentarem ao público mais intensa e cara publicidade, aqueles que têm ligações umbilicais com os interesses empresariais (empresa-fábrica, empresa-fazendas, empresas-construtoras e n outros empreendimentos). O real e profundo engajamento de um político com causas verdadeira e totalmente do interesse da imensa maioria do povo brasileiro vem a ser o seu suicídio político. O capital não quer distribuição de renda. Ponto!
Essas reflexões do meu cotidiano levam-me a reproduzir o texto a seguir:
Nunca houve tanto ódio na mídia conservadora do Brasil
Postado no sítio Pragmatismo Político em 30 out 2012
Os textos de Demétrio Magnoli, Ricardo Noblat, Merval Pereira, Reinaldo Azevedo, Augusto Nunes, Eliane Catanhede, entre outros, são fontes preciosas para as futuras gerações de jornalistas e estudiosos da comunicação entenderem o que Perseu Abramo chamou apropriadamente de “padrões de manipulação” na mídia brasileira
Por Jaime Amparo Alves*
Os brasileiros no exterior que acompanham o noticiário brasileiro pela internet têm a impressão de que o país nunca esteve tão mal. Explodem os casos de corrupção, a crise ronda a economia, a inflação está de volta, e o país vive imerso no caos moral. Isso é o que querem nos fazer crer as redações jornalísticas do eixo Rio – São Paulo. Com seus gatekeepers escolhidos a dedo, Folha de S. Paulo, Estadão, Veja e O Globo investem pesadamente no caos com duas intenções: inviabilizar o governo da presidenta Dilma Rousseff e destruir a imagem pública do ex-presidente Lula da Silva. Até aí nada novo.
Foto: Demétrio Magnoli, representante do Instituto Millenium (reprodução)
Tanto Lula quanto Dilma sabem que a mídia não lhes dará trégua, embora não tenham – nem terão – a coragem de uma Cristina Kirchner de levar a cabo uma nova legislação que democratize os meios de comunicação e redistribua as verbas para o setor. Pelo contrário, a Polícia Federal segue perseguindo as rádios comunitárias e os conglomerados de mídia Globo/Veja celebram os recordes de cotas de publicidade governamentais. O PT sofre da síndrome de Estocolmo (aquela na qual o sequestrado se apaixona pelo sequestrador) e o exemplo mais emblemático disso é a posição de Marta Suplicy como colunista de um jornal cuja marca tem sido o linchamento e a inviabilização política das duas administrações petistas em São Paulo.
O que chama a atenção na nova onda conservadora é o time de intelectuais e artistas com uma retórica que amedronta. Que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso use a gramática sociológica para confundir os menos atentos já era de se esperar, como é o caso das análises de Demétrio Magnoli, especialista sênior da imprensa em todas as áreas do conhecimento. Nunca alguém assumiu com tanta maestria e com tanta desenvoltura papel tão medíocre quanto Magnoli: especialista em políticas públicas, cotas raciais, sindicalismo, movimentos sociais, comunicação, direitos humanos, política internacional… Demétrio Magnoli é o porta-voz maior do que a direita brasileira tem de pior, ainda que seus artigos não resistam a uma análise crítica.
Agora, a nova cruzada moral recebe, além dos já conhecidos defensores dos “valores civilizatórios”, nomes como Ferreira Gullar e João Ubaldo Ribeiro. A raiva com que escrevem poderia ser canalizada para causas bem mais nobres se ambos não se deixassem cativar pelo canto da sereia. Eles assumiram a construção midiática do escândalo, e do que chamam de degenerescência moral, com o fato. E, porque estão convencidos de que o país está em perigo, de que o ex-presidente Lula é a encarnação do mal, e de que o PT deve ser extinguido para que o país sobreviva, reproduzem a retórica dos conglomerados de mídia com uma ingenuidade inconcebível para quem tanto nos inspirou com sua imaginação literária.
Ferreira Gullar e João Ubaldo Ribeiro fazem parte agora daquela intelligentsia nacional que dá legitimidade científica a uma insidiosa prática jornalística que tem na Veja sua maior expressão. Para além das divergências ideológicas com o projeto político do PT – as quais eu também tenho -, o discurso político que emana dos colunistas dos jornalões paulistanos/cariocas impressiona pela brutalidade. Os mais sofisticados sugerem que a exemplo de Getúlio Vargas, o ex-presidente Lula cometa suicídio; os menos cínicos celebraram o “câncer” como a única forma de imobilizá-lo. Os leitores de tais jornais, claro, celebram seus argumentos com comentários irreproduzíveis aqui.
Quais os limites da retórica de ódio contra o ex-presidente metalúrgico? Seria o ódio contra o seu papel político, a sua condição nordestina, o lugar que ocupa no imaginário das elites? Como figuras públicas tão preparadas para a leitura social do mundo se juntam ao coro de um discurso tão cruel e tão covarde já fartamente reproduzido pelos colunistas de sempre? Se a morte biológica do inimigo político já é celebrada abertamente – e a morte simbólica ritualizada cotidianamente nos discursos desumanizadores – estaríamos inaugurando uma nova etapa no jornalismo lombrosiano?
Para além da nossa condenação aos crimes cometidos por dirigentes dos partidos políticos na era Lula, os textos de Demétrio Magnoli , Marco Antonio Villa, Ricardo Noblat , Merval Pereira, Dora Kramer, Reinaldo Azevedo, Augusto Nunes, Eliane Catanhede, além dos que agora se somam a eles, são fontes preciosas para as futuras gerações de jornalistas e estudiosos da comunicação entenderem o que Perseu Abramo chamou apropriadamente de “padrões de manipulação” na mídia brasileira. Seus textos serão utilizados nas disciplinas de ontologia jornalística não apenas com o exemplos concretos da falência ética do jornalismo tal qual entendíamos até aqui, mas também como sintoma dos novos desafios para uma profissão cada vez mais dominada por uma economia da moralidade que confere legitimidade a práticas corporativas inquisitoriais vendidas como de interesse público.
O chamado “mensalão” tem recebido a projeção de uma bomba de Hiroshima não porque os barões da mídia e os seus gatekeepers estejam ultrajados em sua sensibilidade humana. Bobagem! Tamanha diligência não se viu em relação à série de assaltos à nação empreendidos no governo do presidente sociólogo! A verdade é que o “mensalão” surge como a oportunidade histórica para que se faça o que a oposição – que nas palavras de um dos colunistas da Veja “se recusa a fazer o seu papel” – não conseguiu até aqui: destruir a biografia do presidente metalúrgico, inviabilizar o governo da presidenta Dilma Rousseff e reconduzir o projeto da elite ‘sudestina’ ao Palácio do Planalto.
Minha esperança ingênua e utópica é que o Partido dos Trabalhadores aprenda a lição e leve adiante as propostas de refundação do país abandonadas com o acordo tácito para uma trégua da mídia. Não haverá trégua, ainda que a nova ministra da Cultura se sinta tentada a corroborar com o lobby da Folha de S. Paulo pela lei dos direitos autorais, ou que o governo Dilma continue derramando milhões de reais nos cofres das organizações Globo e Abril via publicidade oficial. Não é o PT, o Congresso Nacional ou o governo federal que estão nas mãos da mídia.
Somos todos reféns da meia dúzia de jornais que definem o que é notícia, as práticas de corrupção que merecem ser condenadas, e, incrivelmente, quais e como devem ser julgadas pela mais alta corte de Justiça do país. Na última sessão do julgamento da ação penal 470, por exemplo, um furioso ministro-relator exigia a distribuição antecipada do voto do ministro-revisor para agilizar o trabalho da imprensa (!). O STF se transformou na nova arena midiática onde o enredo jornalístico do espetáculo da punição exemplar vai sendo sancionado.
Depois de cinco anos morando fora do país, estou menos convencido por que diabos tenho um diploma de jornalismo em minhas mãos. Por outro lado, estou mais convencido de que estou melhor informado sobre o Brasil assistindo à imprensa internacional. Foi pelas agências de notícias internacionais que informei aos meus amigos no Brasil de que a política externa do ex-presidente metalúrgico se transformou em tema padrão na cobertura jornalística por aqui. Informei-lhes que o protagonismo político do Brasil na mediação de um acordo nuclear entre Irã e Turquia recebeu atenção muito mais generosa da mídia estadunidense, ainda que boicotado na mídia nacional. Informei-lhes que acompanhei daqui o presidente analfabeto receber o título de doutor honoris causa em instituições européias, e avisei-lhes que por causa da política soberana do governo do presidente metalúrgico, ser brasileiro no exterior passou a ter uma outra conotação. O Brasil finalmente recebeu um status de respeitabilidade e o presidente nordestino projetou para o mundo nossa estratégia de uma America Latina soberana.
Meus amigos no Brasil são privados do direito à informação e continuarão a ser porque nem o governo federal nem o Congresso Nacional estão dispostos a pagar o preço por uma “reforma” em área tão estratégica e tão fundamental para o exercício da cidadania. Com 70% de aprovação popular, e com os movimentos sociais nas ruas, Lula da Silva não teve coragem de enfrentar o monstro e agora paga caro por sua covardia.Terá a Dilma coragem com aprovação semelhante, ou nossa meia dúzia de Murdochs seguirão intocáveis sob o manto da liberdade de e(i)mprensa?
* Jaime Amparo Alves é jornalista, doutor em Antropologia Social, Universidade do Texas em Austin – amparoalves@gmail.com
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