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Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Mãos sujas de Sangue
(24fev2013)


Do sítio Viomundo

Na série de artigos que o site Teoria e Debate iniciou há duas semanas, Emiliano José retrata alguns exemplos que explicitam a relação da mídia (muitas vezes golpista) com o poder. De Vargas a Goulart, da ditadura a Collor, de FHC a Lula e Dilma, todos esses personagens serão analisados à luz da intervenção da mídia, que o autor qualifica como um partido político, à Gramsci.

Por Emiliano José

O Última Hora não escondia seu apoio a Getúlio, mas não abriu mão do apuro jornalístico, da criatividade e do respeito aos fatos. Tais opções afrontaram as poderosas famílias proprietárias dos instrumentos de construção da opinião pública no Brasil, que se sentiam no direito de conspirar contra governos legítimos. É assim até hoje, desde 2002, quando Lula ganhou as eleições presidenciais
(…) Podemos ser dirigidos por la prensa
sin advertilo. Y no existe en ningún diario
la información por la información; se informa
para orientar en determinado sentido a las
distintas clases e capas de la sociedad, y con el
propósito de que esa orientación llegue a
expresarse en acciones determinadas.
Periodismo y Lucha de Clases, de Camilo Taufic, Akal Ediciones, 1976, pág. 7
* * *

Dia 2 de fevereiro de 1951.

Palácio Rio Negro, Petrópolis.

Primeira reunião do ministério de Getúlio Vargas, recém-eleito, na qual seriam anunciadas as diretrizes centrais do novo governo.

Só dois jornalistas presentes: um repórter da Agência Nacional e Samuel Wainer. Iniciava-se, com ferocidade, a conspiração do silêncio da grande imprensa contra Getúlio. O silêncio ensurdecedor foi o primeiro movimento, não o último.

Getúlio certamente percebeu.

Fim da reunião, Wainer é convidado a ficar e jantar com a família.

Terminado o jantar, é chamado por Getúlio à sala de despachos, vasto salão que o presidente usava para conversas reservadas. Falava sempre entre baforadas de charuto e caminhadas de um lado para outro. Iniciou a conversa com rememorações.

– Tu te lembras de uma frase que disseste no dia em que começamos a campanha?

– Não, presidente – respondeu Wainer.

Getúlio puxou-lhe pela memória:

– Era uma frase sobre jornalismo.

Wainer lembrou-se. Voava com o presidente do Rio de Janeiro para o Amazonas e lhe disse:

– Presidente, a imprensa pode não ajudar a ganhar, mas ajuda a perder.

Dissera mais:

– Perceba que sou o único jornalista destacado para cobrir sua campanha. Note que a do brigadeiro Eduardo Gomes mobiliza pequenas multidões de repórteres e fotógrafos. Toda a grande imprensa está contra sua candidatura.

– Não preciso da grande imprensa para ganhar – retrucou Getúlio na conversa a bordo do avião.

O presidente pensava em Franklin Roosevelt, que nunca tivera apoio dos jornais americanos e sempre vencera as eleições. Pensou e disse.

Wainer ponderou:

– Presidente, ao contrário do que ocorre em países como os Estados Unidos, no Brasil a imprensa tem um fortíssimo poder de manipulação sobre a opinião pública. Não é fácil enfrentá-la.

E completou com a frase que o presidente pretendia que ele lembrasse:

– A imprensa pode não ajudar a ganhar, mas ajuda a perder.

Getúlio, entre as baforadas de charuto e as passadas pelo salão, perguntou:

– Tu reparaste que hoje não veio ninguém cobrir a reunião?

– Claro que reparei. Hoje foi desencadeada a conspiração do silêncio.

E Wainer acrescentou, ainda:

– O senhor só vai aparecer nos jornais quando houver algo negativo a noticiar. Essa é uma tática normal da oposição, e a mais devastadora.

O presidente não parava de caminhar, e fumava seu charuto, e queria dizer alguma coisa conclusiva, e disse:

– Por que tu não fazes um jornal?

Wainer, perplexo, e feliz, reagiu:

– Presidente, isso é o maior sonho de um repórter como eu. Não seria difícil editar uma publicação que defendesse o pensamento de um governante como o senhor, que tem o perfil de um autêntico líder popular.

Getúlio foi taxativo:

– Então, faça.

Wainer perguntou:

– O senhor quer saber como faria?

– Não – Getúlio respondeu prontamente.

E acrescentou:

– Troque ideias com a Alzira e faça rápido.

– Em 45 dias, dou um jornal ao senhor – reagiu Wainer.

– Então, boa noite, Profeta.

– Boa noite, presidente.

* Texto publicado originalmente no site Teoria e Debate, como parte de uma série de artigos publicados especialmente sobre o tema. Emiliano José é jornalista, escritor e suplente de deputado federal pelo PT/BA.

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