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Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.

sábado, 16 de março de 2013

JN esquece do jornalismo, se ajoelha para o papa e presta enorme serviço à igreja católica
(16mar2013)


Don Odilo fala em deus e Patrícia responde emocionada: “Que assim seja”

Por Lino Bocchini no sítio Desculpe a Nossa Falha

A exemplo de quarta-feira, quando foi eleito o novo papa, o Jornal Nacional de ontem também foi quase todo dedicado ao assunto. Com a íntegra em mãos, planejava contar quantas vezes, em 33 minutos de noticiário, determinadas palavras apareceram. Desisti após o primeiro bloco, quando já se somavam 23 “papas”, sete “Jesus Cristo”, seis “missa” e uma pilha de “cardeais”, “igreja”, “basílica”, “deus”, “cúria”, “senhor” etc. Montei então o roteiro de frases abaixo, todas ditas pelos apresentadores William Bonner (nos estúdios da Globo no Rio) e Patrícia Poeta (no Vaticano) e pelos repórteres da emissora que fizeram a cobertura por lá, na Argentina e em Jerusalém. É bom sublinhar que esse texto nem de longe consegue retratar o que foi essa edição do JN de fato. Tudo o que é descrito a seguir vinha acompanhado da entonação certa, trilha “emocionante”, edição cuidadosa, sorrisos etc. As frases estão em ordem de aparição no programa:
“O primeiro dia do novo papa, a primeira missa”
“Como o papa se tornou conhecido pela simplicidade”
“Um papa matutino”
“Começou impondo um estilo novo ao papado e recusou o carro oficial”
“´Também sou um peregrino´, disse”
“Comportou-se como um padre, quase um pai de família. Nem usou o trono para a homília”
“Tem a simplicidade evangélica de João 23 e o sorriso paterno de João Paulo I”
“O papa Francisco começa a conquistar um certo fascínio que já existia entre os cardeais”
“O colégio de cardeais, num grande e inteligente gesto, em poucas horas mudou o rosto da igreja”.

Uchôa se questiona: “De onde vem essa inspiração, esse sentimento de humildade?”

Aí entra ao vivo Don Odilo Scherer, que respondeu a 4 perguntas rápidas. Terminou a última, sobre a “torcida brasileira” a seu favor, dizendo que “os cardeais deveriam escolher aquele que deus indicasse”. E Patrícia, emocionada: “Que assim seja”.

Vem então uma reportagem sobre beatificação de João Paulo 2º: “O papa peregrino, João Paulo 2º, pregou com gestos a humildade … tinha sorriso sereno e cativante … enorme carisma para se comunicar com as multidões… a igreja concluiu sua beatificação, último passo antes de torná-lo santo … O clamor começou logo após sua morte, em abril de 2005. Depois, veio a descoberta do primeiro milagre. A cura de uma freira francesa, que sofria de mal de parkinson”. Sim, amigos. O tal milagre entra dessa forma, como uma notícia banal. E, mesmo em um jornalzinho de faculdade parece-me prudente, tratando-se de um “milagre”, usar um “suposto” ou “segundo a igreja”…

Continuam as frases do JN:
“O moderado e humilde Jorge Bergoglio”
“Antes mesmo de se tornar papa, já era conhecido por cultivar hábitos simples”
“Nos primeiros gestos, nas primeiras palavras, já um jeito próximo, natural. ´Irmãos, irmãs, boa noite’. Ali estava não mais o Jorge, mas o Francisco”
“O nome já era um recado, mas era necessário mais. E para esse papa, o mais era o menos. Despojado, sem joias, apenas a batina branca”
“Repare no crucifixo, é de aço, nem mesmo é de prata”
“[Deixou que] vários cardeais se apertassem no elevador com ele”
“Preferiu ir de ônibus com os cardeais, deixando o carro especial do pontífice seguir vazio”
“De onde vem essa inspiração, esse sentimento de humildade? Até agora, o próprio papa não falou nada sobre isso”
“Francisco parece já ter definido como prioridade do seu papado a solidariedade para os que mais precisam”
“Ontem ao se despedir do público, dizendo ´boa noite, bom repouso´, parecia um pai que vela pelos filhos. Sua santidade. Santa simplicidade”.
Começa um bloco sobre a vida de Bergoglio na Argentina. O JN lembrou rapidamente das críticas mais fortes que pesam sobre o novo papa, seu alegado apoio à ditadura no país vizinho: “Durante a década de 1970, na ditadura argentina, Bergoglio era a principal autoridade eclesiástica do país. Um jornalista o acusou num livro de ter dado informações que levaram à prisão de 2 padres jesuítas, que supostamente teriam ligações com grupos de esquerda. Em sua defesa, Bergoglio disse que há um documento que prova o contrário. Ele pediu a renovação dos vistos de permanência no país de um deles. Já um biógrafo do papa diz que ele agiu secretamente para ajudar a retirar perseguidos políticos da Argentina”. Esse pedaço “crítico” do noticiário durou pouco mais de um minuto, e termina assim: “Papa Francisco tem posição semelhante a de Bento XVI: é contra o uso de preservativos”.

Voltam as frases:
“Na terra santa, as pessoas rezaram e se disseram contentes com a escolha de um papa humilde, de nome Francisco”
“Por todo Oriente Médio foi assim: atenções voltadas para o homem de fala suave e olhar sereno”
“Procuramos muito e achamos uma lembrancinha, tá aqui Bonner, to mostrando pra vocês” 
“Já que estamos falando de carisma, o que chamou a atenção hoje aqui nas ruas do Vaticano foi o número de fieis tirando fotos, entrando nas lojas e perguntando se tinha um santinho, um terço, uma lembrança do novo papa. Isso horas depois dele ter sido eleito. E quem procurou muito, acabou encontrando. Eu achei, nós procuramos bastante e achamos, tá aqui: “Habemus Papam Franciscum [e mostra um santinho com a cara do argentino]. Tá aqui Bonner, tô mostrando pra vocês”
No bloco final, Patrícia ameaça com um pouco de jornalismo: “Apesar de tanto segredo, a imprensa daqui começa a publicar alguns detalhes do conclave que elegeu o novo papa. De acordo com o que um respeitado vaticanista declarou a um jornal italiano, a primeira votação apresentou o italiano Ângelo Scola, o canadense Mark Ouellet e Jorge Bergoglio com mais votos”. Mas logo desconversa: “Mas isso não importa mais…”.

E segue:
“Em mais uma demonstração do bom humor que estamos começando a conhecer, o papa brindou com os cardeais que o escolheram” 
Em seguida, recebe os cumprimentos do parceiro de bancada e editor do JN, William Bonner, que encerra assim o Jornal Nacional desse 15 de março:
“Missão cumprida, Patrícia. Para você e para toda nossa equipe que fizeram esse trabalho belíssimo aí no Vaticano, parabéns”.

“Missão cumprida, Patrícia. Parabéns”

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