A sensação que tenho agora é a de que a história tenta se repetir. Os sintomas de hoje lembram muito os fatos daquela época. Nossos homens de Benz e o jornalismo tupiniquim não se pejam de encher os próprios bolsos às custas da perda de nosso Estado de Direito. Já entregaram antes o país, levando muitos milhares de pessoas ao pânico, ao medo do desmando militarista que constituiu retaguarda para uma elite vendida se esbaldar sobre outros milhões de brasileiros que viram seus direitos civis sumirem juntamente com seus sonhos de um país que avançava para um estágio de melhor desenvolvimento e de distribuição de renda. Aliás, distribuição de renda é o que mais irrita o poder capitalista, financeiro.
Outro golpe agora, nem pensar, né? Aos jovens que não viveram aquele período, e que muitas vezes reproduz acriticamente os dogmas impingidos pela nossa mídia (o PiG - Partido da imprensa Golpista), digo que tive um período de minha adolescência em que também fui "papagaio" que reproduzia o que o jornalismo impresso e de rádio e TV martelavam todo o tempo.
Ao sair de meu "nicho" no interior de São Paulo, onde nada disso parecia estar de fato acontecendo, deparei-me com uma realidade bruta no ambiente universitário. Alunos e professores sumiam "de repente" e ninguém dava uma explicação satisfatória sobre os fatos. Simplesmente as pessoas sumiam e ninguém da universidade queria falar a respeito. Nós acabávamos por saber, por vias diversas, que nossos colegas e professores tinham sido presos acusados de subversivos. E a maioria deles nunca mais voltou.
Um mundo abriu-se ante meus olhos estupefatos de interiorano, filho de trabalhador pobre. Aí passei a entender as posturas de meu pai ao longo dos muitos anos de minha infância e adolescência. Ele sempre demonstrou completo desprezo pelos "presidentes" militares, abominava o golpe de 1964. Ao mesmo tempo, na escola, uma professora nos fazia ler os "fantásticos" discursos do "presidente" Medici que eram sempre publicados na íntegra pela Folha de São Paulo. Tanto fiz que acabei forçando meu pai a assinar aquele jornal para eu poder ler os discursos e entabular o diálogo com a sala nas aulas daquela professora. Meu pai foi a única pessoa que conheci que torceu contra o Brasil na Copa de 1970, enquanto eu cantava fervorosamente os "90 milhões em ação, pra frente Brasil do meu coração", e também o "eu te amo, meu Brasil, eu te amo; meu coração é verde amarelo branco azul anil". Achava muito certo os adesivos nos carros com o "Brasil, ame-o ou deixe-o". Foram muitas as discussões com meu pai, e depois percebi o quanto ele foi respeitoso e paciente para com minhas posturas imbecilizadas e equivocadas.
Como eu iria perceber que meu pai podia "saber mais" do que a professora de História (que defendia e justificava galhardamente, por exemplo, o Esquadrão da Morte) ou do que uma Folha de São Paulo, ou do que o Repórter Esso etc.? Meu pai era um simples e humilde ferroviário. Um homem forjado pela vida difícil, que lutou na revolução de 1924, ainda vivendo no Paraná, no pelotão do, então, General Cândido Mariano da Silva Rondon (fato que somente vim a saber depois de seu falecimento ao ler sua caderneta militar). Na revolução constitucionalista de 1932, já morando em Jundiaí, meu pai odiava ter que destruir eixos de locomotivas para, no torno mecânico, ter que fazer granadas para o governo paulista.
Fico corado de vergonha cada vez que rebusco em minha memória aqueles debates que tive com meu pai. Menos mal que durante o tempo em que fui universitário a realidade me estapeou sem dó e ainda tive tempo de abrir os ouvidos para as coisas que meu pai tinha a dizer sobre a vida. Mas foi pouco esse tempo. Eu queria ter tido muito mais. Nesse período meu pai agigantou-se ante meus olhos, apesar de continuar sendo aquele mesmo que antes eu buscava não ouvir. Enquanto eu papagaiava o discurso da classe dominante, meu pai dizia, às vezes com alguma exasperação: "Você nasceu em casa errada. Devia ter nascido na casa de alguém rico".
Poucos meses depois de minha graduação, meu pai faleceu. Sinto falta dele até hoje, pois certamente teríamos tertúlias infindáveis agora que meus ouvidos estão tão abertos para compreender a sabedoria do trabalhador, daquele que soube tirar da vida lições políticas preciosas. Daquele que, depois fui sabendo aos poucos, dominava como poucos a técnica e a arte das locomotivas, dos socorros de trens descarrilados. Daquele que criou, desenhou e fez um ferramentário específico e exclusivo para os trabalhos de socorro na ferrovia. Daquele que é meu norte nos terrenos da ética, da honestidade e da coerência.
Voltando ao filme/documentário, apresento abaixo o primeiro bloco, que já basta para se perceber como um jogo golpista se infiltra em nosso cotidiano com muita astúcia e de forma a não ser percebido até que seja muito tarde.
Ao jovem do século 21, somente peço que tente abrir de fato olhos e ouvidos para o mundo que o cerca, aproveitando tanto quanto for possível as experiências de quem já viveu muito e que pode estar bem ao seu lado sem que você faça a menor ideia disso. Conhecer a história, ou diversos pontos de vista sobre a história não tão antiga do Brasil, pode ser uma ferramenta excepcional para "desentupir" ouvidos, "desembaçar" a visão e "azeitar" o cérebro.
Quem me remeteu a rever este vídeo (que até já postei aqui há algum tempo) foi o excelente texto de Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania, intitulado "O mensalão ianque". Fica a dica para o leitor que me aturou até aqui dar uma passadinha por lá.
Como sempre, quando começo um texto não sei onde ele vai parar. Juro que nem tinha pensado em meu pai ao começar a escrever. Mas nesse aspecto político ele é minha raiz que acaba por aflorar mesmo nas vezes em que escrevo sobre política e não chego a citá-lo. Reparem que o "mensalão ianque" está no título desta postagem, mas meu texto se desalinhava (do verbo desalinhavar) à medida que é produzido. Ele toma as rédeas por si só e me leva para onde ele quer. É assim!
0 comentários:
Postar um comentário