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Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.

quarta-feira, 13 de março de 2013

"Futebol atual é delineador da mantença do elitismo oligárquico"
(13mar2013)


Siga la pelota?

Por João Hermínio Marques, no sítio Sul 21

O jogo segue. As regras não são nossas. Inventaram. Alguém inventou. Quem? Não se sabe. Ninguém sabe. A quem favorece? Aos mesmos de sempre.

A bola do conservadorismo corre mais no gramado. Afinal, poucos são os heroicos volantes de contenção. Os carrinhos desarmadores são sempre sistematicamente reprimidos. Uma goleada é marcada com liberdade no flanco direito. E, os arqueiros nada podem fazer. Ao contrário, a bola progressista chega quadrada, o passe é dificultado, e o gol pelo lado esquerdo é quase utópico. A derrota para o futebol conservador é a confirmação da derrota para o conservadorismo social.

Indaga o futebol: espelho, espelho meu, existe alguém mais sociedade do que eu?

Reflexo da sociedade, o futebol atual é delineador da mantença do elitismo oligárquico. O feudo-capital-neoliberalismo do futebol hodierno é disfarçado por uma alegórica neo-administração sustentadora da pseudo-modernização do esporte, com o notório processo de higienismo social e arenização dos estádios. Muito mais vale manter o povo inertizado em paixões antenadas na TV, em estado de lobotomia profunda. Pois, o dinheiro das propagandas comerciais e a alienação torcedora são fatores garantidores do novo futebol velho, muito mais lucrativo e seguro aos interesses do grande capital. Qual o risco desse rentável business? O mesmo risco da burguesia: a organização proletária. Ora, a massa torcedora organizada: as nada benditas torcidas organizadas. E, ainda tem gente de esquerda, reproduzindo o discurso sensacionalista criminalizador da cultura torcedora e da extinção das torcidas. O problema não é a torcida em si. O problema é a violência urbana, que atinge a sociedade, e por óbvio, também, o futebol, que está inserido naquela, configurando o fenômeno da violência urbano-futebolística. Entretanto, a conscientização torcedora é propulsora de avanços sociais, ainda que isso tenha sido pouco trabalhado até hoje. E, a pior violência no futebol está na cartolagem.

Mesmo em países que vivenciam transformações sociais, como no caso de Brasil e Argentina, os capos da máfia da bola seguem intocáveis. Não adiantará somente Cristina Kirchner concretizar o “Fútbol para Todos”, derrotando o monopólio das transmissões do Grupo Clarín, se ela não trabalhar pela queda de Julio Grondona (presidente da AFA – Asociación del Fútbol Argentino) e pela reestruturação democrático-popular no esporte de Maradona. Da mesma maneira, não basta Dilma evitar Teixeira, e agora Zé Medalha Marin. Dilma precisa liderar o plano de regulamentação desportiva, formatar a agenda positiva do esporte brasileiro, e alavancar as mudanças necessárias para a moralização do futebol nacional. Não se pode acreditar em avanços com o simplório discurso de que a “presidenta não deseja ficar próxima dos comandantes da CBF“. Aliás, é crucial que a presidenta auxilie no processo de queda do atual comandante, que, inclusive, poderia ter sido seu algoz, como foi de Vlado Herzog. É fundamental que a presidenta seja liderança implacável de uma revolução democrática na organização esportiva

Se os ministros do esporte, até então, não planejaram esse processo de mudança, nem mesmo arquitetaram um projeto olímpico nacional diante da consagração do Brasil como sede olímpica, muito menos tiveram coragem de combater a corrupção da bola em face da confirmação da Copa do Mundo 2014 no Brasil, tem-se, portanto, que eles fracassaram na missão. E, um novo nome, preferencialmente, de um novo partido, deveria assumir a pasta com a tarefa de realmente mudar o status quo, sem enganar apenas com bravatas ufanistas de mega eventos. Pois, longe disso, as sedes dos mega eventos são decididas em balcões de negociatas. E, realizar o mega evento não significa necessariamente ter legado nem para a sociedade, nem mesmo para o esporte. O esporte brasileiro precisa de oxigenação, inteligência e coragem, características então ausentes.

Revelam-se, igualmente, determinantes para o fracasso do esporte sul-americano, as orientações políticas dos dirigentes desportivos, e o silêncio vacante dos governos progressistas sobre tal tema. O esporte mais popular na América do Sul, o futebol, é a melhor comprovação da resistência direitosa no comando desportivo. Verdadeiras ditaduras permanecem alheias às transformações sociais. Na Argentina, Grondona, aliado de Almirante Lacoste (o homem que teria supostamente subornado a seleção peruana na Copa de 1978), encontra-se na presidência da AFA desde 1979, passando por apoios ao regime militar, ao neoliberalismo de Menen, e agora, ao governo de Cristina. No Brasil, Zé Medalha Marin apresenta uma história similar. Foi deputado arenista, governador biônico de São Paulo; tornou-se dirigente esportivo, apoiou por mais de duas décadas o comando de Teixeira, e agora, filiado ao PTB, é fantoche do Del Nero (presidente da Federação Paulista de Futebol) no comando da CBF. É um legítimo exemplar da direita brasileira. Na Conmebol, Nicolás Leoz finge dirigir a entidade desde 1986.

Todos esses dirigentes, e outros não citados, possuem alguns aspectos em comum: são de direita; contribuíram nas ditaduras de seus países; são conservadores; e investigados por esquemas de corrupção. Pode-se dizer, com certeza, de que a cartolagem é o sustentáculo do atraso social, é a parasitagem política, é a sujeira da América do Sul, é a célula do elitismo-oligarca no futebol. E, devido a expressão de força social exercida pelo futebol, tem-se certa a indispensabilidade da ofensiva contra as elites-oligárquicas do futebol sul-americano. Vencer Grondona, Leoz e Marin, é vencer os resquícios de ditadura militar, é vencer o golpismo da grande imprensa, é vencer um latifúndio em forma de campo de futebol.

Chávez sabia disso. Não por acaso realizou a “revolução bolivariana” no futebol. De 1999, quando viu Ronaldinho Gaúcho humilhar a seleção de seu país (o famoso “olha o que ele fez, olha o que ele fez” narrado pelo Plínio salgado da televisão brasileira), até 2013, foi realizada uma verdadeira revolução no futebol venezuelano. Mesmo sendo praticante do principal esporte do país, o beisebol, o Comandante teve o brilhante entendimento sobre a imprescindível estruturação do futebol vinotinto. A clara lembrança do imperialismo norte-americano tão forte no beisebol abriu espaço para a construção do futebol venezuelano. A Venezuela realizaria uma transparente Copa América em 2007, sem qualquer conhecido caso de corrupção; a Venezuela ganharia do Uruguai em pleno Estádio Centenário de Montevidéu (por três a zero em 2004) e do Brasil (por dois a zero em 2008), em duas partidas inesquecíveis no imaginário popular e na afirmação do futebol venezuelano; e, enfim, os clubes venezuelanos passariam a ter presença mais marcante na Libertadores da América.

De igual modo, é válido salientar a configuração do projeto olímpico venezuelano, algo inexistente ainda no Brasil, mesmo perto de sediar os jogos olímpicos, e, especialmente, a democratização das entidades esportivas venezuelanas, algo totalmente distante da realidade pátria. A Federação Venezuelana de Futebol, por exemplo, possui mandatos eletivos com periodicidade respeitada (este ano tem eleição, inclusive) e um código de ética para punir eventuais desvios de condutas dos dirigentes. São coisas simples, mas não tão simples quando se trata do Brasil e sua temerária CBF, então controlada por oligarquias.

Interessante não olvidar que o futebol surge na elite, porém, o povo apropria-se rapidamente. As fábricas, as vilas operárias, as favelas, as comunidades, em todo o país: eis o esporte do povo. Vargas consolida o futebol e o samba como as principais expressões de identidade nacional. Entretanto, o futebol, bem como o samba, foi além. A bola fez transformação social, fez transformação na história étnica. O negro jogou, o negro encantou, o negro foi admirado, o negro deixou de ser visto como escravo, o negro foi sublimado nas figuras de Leônidas, Pelé e Garrincha. Evidentemente que o preconceito não acabou. Porém, o esporte da bola aos pés mitigou a ignorância, ventilou um novo tempo, não tendo sido pequena a mudança de comportamento social desempenhada pelo futebol brasileiro.

Nada falso em dizer que o futebol nacional nunca foi suficiente para realizar uma grande mobilização, uma grande luta. Todavia, é certo culpar a massa pela sua própria alienação? Não. Além disso, Afonsinho driblando Zagallo e os generais em defesa de sua barba, alforriando-se na conquista do passe-livre, e clamando (até hoje) pela sindicalização dos jogadores; João Sem Medo Saldanha defendendo um futebol transformador da realidade; e Doutor Sócrates Brasileiro com seu calcanhar democrático, ora de Aquiles para os militares, sua engajada participação nas Diretas, e sua militância até o derradeiro dia; são todos emblemáticos fatores para acreditar que o futebol foi, é, e pode ser, com mais força e razão, um grande instrumento de luta social.

A disputa de hegemonia, ensinada por Gramsci, deve recair sobre o esporte mais popular imediatamente. Não haverá sociedade justa e solidária sem revolução (ou reforma) na organização esportiva.

É preciso ter a constância, perspicácia e bravura do Comandante Libertador. É preciso entender o povo, é impreterível derrubar as elites que estão, em anacronismo oligarca, roubando o futebol do povo. Os mafiosos do futebol não gostavam de Chávez, nem aqueles que desejam a manutenção da dependência econômica sul-americana, muito menos os cartolas que lucram com a exploração de jovens vendidos como escravos no mercado da bola. Nada é imprevisto na política. Nada tem de casual na determinação da Conmebol proibindo o respeito ao minuto de silêncio em memória ao desaparecimento material do Comandante Chávez*. Medida absurda, cruel e vilipendiadora, principalmente por tratar-se de jogo envolvendo equipe venezuelana (Grêmio X Caracas), realizado momentos depois do adeus. A triste ironia é que o jogo fazia parte da Libertadores da América, e El Libertador não foi homenageado. O homem que bancou o resgate de Simón Bolívar, bicentenário herói libertador da América, foi solenemente ignorado.

Resta a dúvida: siga la pelota?

Não! Seguir assim não dá. Vamos parar o jogo! Vamos começar tudo de novo! Vamos devolver o futebol ao povo! Vamos vencer as elites oligarcas, que comandam o futebol e a sociedade sul-americana! Vamos libertar a organização desportiva da máfia da bola, e de seus interesses obscuros e meramente comerciais! Vamos conquistar a verdadeira soberania do esporte nacional, que está para além de medalhas e campeonatos! Afinal, “Ser campeão é detalhe”! Vamos lutar, resistir e vencer! Vamos inventar as nossas regras! Vamos jogar o nosso jogo!

Venceremos…

Adelante Comandantes!

João Saldanha, Sócrates e Chávez!

Presentes! Ahora y siempre!

* http://peru.com/futbol/internacional/hugo-chavez-conmebol-prohibio-minuto-silencio-gremio-vs-caracas-video-noticia-125301

João Hermínio Marques é presidente da Frente Nacional dos Torcedores, advogado e aventureiro em blog,

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