1935
Se fosse viva, minha mãe completaria hoje 95 anos.
1936
Nunca me esqueço da "minha casa", com minha mãe elaborando cotidianamente uma mescla de cheiros e sabores em sua cozinha, em seu jardim e horta, com seu carinho e cuidados para com os filhos, e muito para mim, que era o seu caçula temporão.
1955
Era ela que "intermediava" nossas demandas junto ao pai, como quando queríamos que ele comprasse nossa primeira televisão, que assinasse o plano de expansão da Telesp, que emprestasse o carro (ô ciúmes danado que ele tinha daquele fusca).
1956
Durante muito tempo acreditei que era meu pai quem mandava e trazia a casa sob seu controle absoluto. Assim parecia porque minha mãe atuava de forma a parecer assim. Com o tempo, fui percebendo que eles mantinham longos diálogos, que trocavam impressões sobre todos os assuntos. Ela era ouvida e bastante considerada por aquele homem aparentemente bravo, zangado, mas que no fundo tinha um baita de um coração mole e uma saúde sempre precária, razão de muitas de suas ranzinices.
1961
Minha mãe ensinou a todos os filhos a observarem o pai e a saberem qual era o seu humor expressado pelo seu modo de andar, por pequenos detalhes. Ela nos ensinou a respeitar seus silêncios. Bastava um olhar, tanto dele quanto dela, e inúmeras coisas já estavam ditas sem palavras.
1965
Era ela a diretora de tudo, regendo o cotidiano de casa com a diplomacia que somente se aprende com muito boa vontade e amor pela família. Nunca vi meus pais brigarem, em hipótese nenhuma, e de nenhuma maneira. Mas meu pai gritava muito para falar com minha mãe. Ela tinha um grau crescente de surdez nos últimos anos de convivência conjugal, o que forçava meu pai a quase gritar para ser ouvido. Foi essa surdez que a deixou mais apática nos seus últimos anos de vida, pois ficava cada vez mais difícil participar de atividades de grupos, embora ela adorasse sair, tomar um choppinho ("Tem chopp escuro aqui, filho?"), comer seus doces, apesar do diabetes adquirido, num tempo em que nada havia de diet no mercado.
1982
Meu quarto ficava ao lado do quarto de meus pais, e todas as noites eu dormia embalado ao som de suas conversas, longas conversas em que os fatos do dia, os contatos dos filhos, os problemas a resolver, tudo, era conversado por eles. Sensação de conforto me vinha dessas vozes ocupadas em cuidar da vida em família.
1982
A única casa diferente desta onde moro que eu podia chamar de "minha casa", ou dizer "vou pra casa" nas férias, era a casa de minha mãe. Daí uma enorme sensação de vazio, de perda ampliada me veio quando ela morreu. Perdi a mãe, o que por si só já é danado de dolorido. Mas perdi também o meu ninho, minha casa primeira, com seus sons e odores de pães caseiros, bolos que sempre me esperavam ao chegar de viagem, comidas bem escolhidas. E o riso solto de uma mãe que nunca deixava de mostrar o quanto estava feliz ao reunir sua "ninhada" e os netos e bisnetos. Uma casa sempre aberta, de onde nenhuma visita estava autorizada a sair sem que encarasse no mínimo uma mesa farta de um café da tarde.
1988
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