O que os meios de comunicação esquecem de dizer sobre a explosão social na Turquia
Do sítio Tercera Información, em 7 de junho de 2013
Um dos argumentos mais usados pelos principais meios de comunicação ocidentais para interpretar a origem da agitação social nas ruas da Turquia é a deriva islamista e autoritária do Governo de Recep Tayyip Erdogan.
Assim, os 'mass media' centram toda a atenção nos dilemas autoritarismo-democracia e islamismo-secularismo, produzindo uma análise simplista e parcial da realidade vivida nos dias de hoje nesse país euro-asiático.
É que, a fim de se analisar mais profundamente a recente revolta popular nas ruas de cidades como Istambul ou Ancara, dever-se-ia tomar um pouco mais de perspectiva e colocar a lupa sobre as políticas sócio-econômicas que o governo vem desenvolvendo nos últimos anos.
O governo de Erdogan, composto do Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), irrompe no poder em 2002, em um contexto de crise econômica (crise financeira de 2001), onde acorda com o Fundo Monetário Internacional (FMI) um programa claro de medidas neoliberais que inclui privatização do setor público, reformas trabalhistas e drásticos cortes sociais.
Um ano depois de chegar ao governo em 2003, abre-se o caminho para a privatização da empresa pública de telecomunicações Turk Telekom. No ano seguinte, em 2004, foram postas à venda empresas de bebidas, siderúrgicas e a Turkish Airlines.
Desde então, começou um processo que não pode ser revertido: em 2007, é dada a luz verde para a privatização da empresa pública de tabacos da Turquia, Tekel. Em 2008, é a vez da rede elétrica, com a venda de duas empresas de distribuição em Ancara e Sakarya-Kocaeli. Além disso, no mesmo ano anunciou-se a venda do banco estatal Halkbank e a privatização de 15 por cento das ações da Turk Telekom.
Em 2009, o Governo aprova uma legislação para outorgar a água de rios, lagos e lagoas para empresas privadas. Isto significa que os recursos hídricos podem ser transferidos para as corporações, que até agora só controlavam os serviços de distribuição.
Devido a isso, a Confederação dos sindicatos de camponeses turcos, Çiftçi-sen, junto com mais de 100 outras forças sociais de oposição que defendem o reconhecimento do direito à água, formam uma plataforma chamada "Não à comercialização da água" e se manifestam maciçamente em 15 março de 2009 em Istambul, no âmbito do Fórum Mundial da Água.
Em 2011, o governo de Erdogan iniciou negociações para a privatização de 2 mil km de rodovias e pontes do país. Assim, o Executivo turco procura ceder ao capital privado até nove rodovias e duas pontes sobre o Bósforo, estradas muito importantes na área de Istambul.
Através da chamada "Administração de Desestatização" (OIB por sua sigla em turco), Erdogan tenta conseguir em seguida um pacote de privatização no país que inclui têxteis, mineração, petróleo, alimentos e transporte marítimo, entre outros.
Em fevereiro desse ano, 10.000 pessoas manifestaram-se no centro de Ancara para protestar contra a reforma trabalhista do governo, que, entre as medidas incluem a redução do salário mínimo para os jovens, a possibilidade de transferência de funcionários e permite a contratação de funcionários sem seguro social.
Muitos dos presentes entoavam gritos de "Isto é Ancara, não o Cairo", "Tayyip chegou sua vez" e "Tayyip, desejamos-lhe um final feliz como o de Mubarak". As diretrizes neoliberais aplicadas nos últimos anos têm gerado um aumento da desigualdade social no país. Segundo a revista Forbes, Istambul, capital financeira da Turquia, havia um total de 35 bilionários março 2008 (em comparação com 25 em 2007), o quarto lugar no ranking mundial. Um relatório para empresas interessadas em investir na Turquia preparado pelo banco espanhol Banesto assegura que "o país está marcado por graves desigualdades de renda". Muitos empregados na Turquia não cobram mais do que o salário mínimo de cerca de 570 dólares, e a renda per capita é quase a metade das rendas médias europeias.
Talvez esse conjunto de fatores ajude a explicar a agitação social que levou aos tumultos que agora vive a Turquia, para além da abordagem liberal que a imprensa ocidental tem adotado.
Tradução: Aquiles Lazzarotto
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