Stephen: OK, OK, então eu não gosto de usar sempre a palavra com 'h' [N.T.: hate = ódio], mas esse é o título deste artigo da coluna perspicaz do jornalista Sam de Brito, que vive em Sydney. Eu sempre gosto de ler pensamentos de Sam na medida em que ele costuma dizer o que muitas pessoas estão pensando - e então eu senti que valia a pena compartilhar o seu texto de hoje com todos vocês. Aviso: linguagem levemente grosseira.
Por Sam de Brito, Sydney Morning Herald - 24 de maio de 2013
Eu odeio a mídia. Não tanto os jornalistas, porque eu tenho muitos que são queridos amigos, parentes, irmãos, primos, pais, avós (e empregadores!).
Eu estou falando sobre a coisa que hoje chamamos de "mija" [N.T.: provavelmente o autor se refira à pronúncia australiana da palavra 'media', grafando-a como 'meeja'] - a feia bola de escrever do infotenimento [N.T.: informação/entretenimento], dar-às-pessoas-o-que-elas-querem, jogar para os mais baixos, mais humildes, mais cinicamente nostálgicos, jejunos, insípidos impulsos da audiência e do leitor - que é no que ela se transformou.
Eu posso ler um grande sítio de notícias de cima para baixo e, literalmente, sentir-me doente - e não apenas por causa da merda sem fim, que agora passa por uma "história", parece ser o que as pessoas querem ler, mas que nós - jornalistas e editores e profissionais de comunicação - parecemos impotentes ou tão carentes de imaginação sequer para fornecer uma alternativa atraente.
Eu odeio que algum imbecil com uma conta no Twitter possa se tornar notícia de primeira página por dizer porcarias ditas por jornalistas a cada minuto do dia nas redações, mas então vamos hipocritamente para as desculpas públicas mais fininhas do que o material em que nosso produto é impresso.
Eu odeio ver traficantes e bandidos se transformarem em celebridades em nossas páginas sociais e que o fato de ficar rico neste país de alguma forma equivale a ser notícia.
Eu odeio que fotógrafos persigam atores adolescentes ou motoristas bêbados com morte cerebral fora dos tribunais, mas nunca vemos uma equipe de filmagem estacionada fora das mansões da criminosa multitudinária elite empresarial e política "porque eles merecem uma vida privada".
Eu odeio o racismo desenfreado em nossa cobertura de notícias e nós negarmos que ele sequer está lá. Eu odeio o provincianismo do nosso "mija" e que fazemos tão pouco para educar as pessoas sobre as realidades geopolíticas que estão moldando o mundo em que vivemos
Eu odeio as mentiras que não são contestadas. Eu odeio que "cobertura equilibrada" signifique citar algumas imbecilidades de que "a vacinação realmente causa autismo" ou que "a mudança climática não está acontecendo", apesar de 97 por cento dos cientistas concordarem que está.
Eu odeio como algum(a) prostituto(a)-da-fama de bumbum arrebitado que age como um(a) idiota absoluto(a) em um reality show é considerado "notícia" no dia seguinte na TV do café da manhã, e nós entao damos em um sítio de notícias uma recapitulação de 60 parágrafos de suas travessuras.
Eu odeio o falso feminismo apregoado por revistas femininas após uma trágica garota ser estuprada em um país do terceiro mundo (porque nos preocupamos tanto com os nossas irmãs negras e marrons e as da Ásia), e depois se vira a página para encontrar 87 garotas brancas magras dizendo à multicultural Austrália que é assim que você deve parecer.
Eu odeio que se eu clicar em um vídeo de uma história de uma pobre criança que está sendo brutalizados por causa de seu gênero, sexualidade ou religião, eu primeiro tenho que sentar-me para um anúncio de 15 segundos de alguma fábrica multinacional sem um membro do conselho do gênero, sexualidade ou nacionalidade da criança brutalizada - ainda podem mudar minha vida para melhor com o seu produto.
Eu odeio que a "mija" parece se deleitar assegurando-nos o quão ruim e miserável de um lugar que a Austrália é, quando temos isso melhor do que qualquer outro país no mundo. Eu odeio, odeio, odeio que nós realmente acreditemos nisso.
Eu também odeio algumas marcas da "mija" mais do que as outras, embora eu conheça quem são as pessoas com o poder nessas marcas, aperte suas mãos, beba com eles no pub, cresci com eles e entenda as pressões sob as quais operam.
E eu não odeio sozinho.
Eu falo com pessoas todo o tempo que vão dizer o quanto elas desprezam a "Media de Murdoch" ou "o que eles fizeram para Fairfax" ou o "estado de notícias na TV".
Eu conheço caras que não poderiam citar o líder da oposição no estado que me dizem que "odeiam" o sensacionalismo com que tantas histórias são tratadas, com o voyeurismo vestido como interesse público sempre que alguém de boa aparência e branco é morto, ou um desastre natural (na Austrália) oferece classificações como maná do céu.
Eu conheço mães que odeiam ser tratadas como caminhões de leite com estrias, pois elas tiveram um filho - agora elas são um "novo demográfico" que não sabe ler uma seção a menos que seja filigranada com corações do amor e patinhos de borracha e histórias assustadoras sobre as crianças que já se engasgaram com amendoim.
Estas são pessoas que dizem coisas como "é por isso que eu não leio mais o jornal" ou "eu não assisto o noticiário, é muito negativo".
Acima de tudo, eu odeio que a "mija" tenha se voltado agora para "conseguir algo" do consumidor - seja isso "engajamento", seus "hábitos de compra", "demografia" ou "aspirações" em vez de dar-lhes valor: uma boa história, bem contada.
Eu ganho a vida na "mija" e em muitos dias isso me deixa com raiva, desiludido e condescendente. Então, como você acha que seja a sensação do público em geral?
Eu vou dar um palpite e citar um pedaço de grafite que está sendo feito nas rondas da internet nos últimos tempos.
"NOTICIÁRIO: PESSOAS RICAS PAGANDO PESSOAS RICAS PARA DIZEREM ÀS PESSOAS DA CLASSE MÉDIA PARA CULPAREM PESSOAS POBRES."
Eu amo isso porque é a verdade direta - algo que eu vejo cada vez menos no meu setor.
Sam de Brito passou mais de uma década escrevendo para TV, cinema e jornais. Em seus livros, No tattoos before you're thirty e No sex with your ex, ele oferece conselhos aos seus filhos nascituros. Em suas ofertas de The lost boys e Hello darkness, ele toma o pulso da masculinidade australiana.
Tradução: Aquiles Lazzarotto - Como poderão notar os leitores, não sou expert em tradução, mas acredito que tenha conseguido trazer para aqui a ideia geral do artigo.
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