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Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Universidades : sistema de cotas: necessário, mas não suficiente
(27abr2012)

Um tema bastante discutido neste momento, a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal quanto à política de cotas da UnB veio ratificar um princípio constitucional que não tem a ver com racismo, especificamente.

Minha percepção é a de que o que foi decidido no STF tem muito mais a ver com a Autonomia da Universidade. O Tribunal não obriga, com seu julgamento, as universidades a instituírem políticas de cotas. Cada universidade tem autonomia, agora sem receios legais, para definir, em parceria com sua comunidade acadêmica e com a comunidade, sob a necessária pressão das reivindicações dos movimentos sociais regionais, qual política adotar para a oferta de suas vagas para ingressantes. Pode, inclusive, fixar-se tão somente no critério meritocrático até então dominante na maioria dessas instituições.

Assim, a abertura de cotas para ingressantes pode ter critérios variados quando uma universidade passa a entender que deve estabelecer políticas afirmativas. Há casos em que os afrodescendentes foram o foco das cotas, mas há, também, casos em que o critério utilizado foi o de os candidatos a uma vaga de cota terem sido estudantes de escolas públicas durante toda sua educação básica.

O enfoque dado em blogs e na mídia à cota racial possibilita acender polêmicas antigas quanto à existência de racismo no Brasil. Ninguém, em sã consciência, pode negar esse que é o pior tipo de racismo. O racismo cordial, encoberto, mas facilmente detectável. Trazer esse tema à baila com intensidade é fato que considero positivo. As pessoas precisam refletir sobre isso, tentando, com sinceridade e coragem, detectar em si mesmas ranços de racismo, seja na linguagem, no humor, nos “ditos populares” e mesmo em atitudes bem concretas de segregação.

Voltando ao reconhecimento legal das cotas, penso que nada será alterado nas políticas que as diversas universidades têm buscado desenvolver. Em todas, certamente, há a preocupação com melhores oportunidades para aqueles que até poucos anos atrás sequer seria capaz de sonhar com uma vida acadêmica. Quantos jovens valorosos devem ter sido perdidos por nossa academia! Quantas boas cabeças e lideranças devem ter sido podadas pela raiz! A universidade não era para filhos de pobres. Entravam estudantes pobres nas universidades públicas? Sim, certamente. Mas eram as exceções que confirmavam a regra de aquele ser um ambiente para privilegiados que tiveram uma educação básica de qualidade. E educação básica de qualidade não tem sido, nas últimas décadas, o traço marcante da imensa maioria das escolas públicas do país.

Assim, ao mesmo tempo em que se busca uma recuperação de justiça e diminuição de desigualdades de oportunidades entre brancos e negros, ricos e pobres, tratando-se desigualmente os desiguais, há que se pensar nas políticas públicas voltadas para a educação. Tive oportunidade de postar aqui um texto que aponta as raízes, a origem, dos bons resultados obtidos por estudantes finlandeses em avaliações internacionais da formação básica.

O modelo finlandês coloca o professor da educação básica em alta posição social, sendo essa uma carreira disputada e de difícil acesso. São dez as escolas (toda a educação finlandesa é pública) que formam professores, todas com grau de exigência elevado sobre o futuro professor. Para entrar em sala de aula, iniciar sua carreira, o professor deve ter graduação e mestrado, no mínimo. Não há, naquele país, sistemas de avaliação gerais do ensino. Os professores e as escolas têm total autonomia para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem. As escolas são amplas, claras, mobiliadas com bom gosto. As escolas têm infraestrutura diversificada, permitindo ao corpo docente estabelecer diferentes estratégias de ensino, envolvendo ciências naturais, humanas e artes.

A população e o governo finlandês confiam nos professores e depositam em suas mãos o futuro das novas gerações. Mas para isso, instituíram na década de 1970 toda uma política educacional centrada em investimentos na sua boa formação.

Quando algo sequer parecido acontecerá no Brasil? Prefeitos e governadores são useiros e vezeiros na desvalorização dos docentes. O próprio governo federal vem praticando uma política de achatamento dos vencimentos dos professores, num percurso perigoso que pode levar à perda de docentes altamente capacitados para um mercado de trabalho que fervilha em busca de bons profissionais.

Ingressar para uma carreira docente, no Brasil, não tem sido bem o sonho de nossos jovens ou de recém-doutores. A carreira docente é algo que se abraça para uma vida, mas não pode ser vista como uma missão sublime, uma vocação quase que religiosa, de quem nada pede em troca.

Enquanto mudanças profundas da política educacional brasileira não vierem a ocorrer, há que se pensar, sim, em cotas para os menos afortunados e para aqueles que são segregados pela cor da pele. Há que se permitir que os jovens sonhem com um futuro melhor, com a possibilidade de desenvolvimento e melhor aproveitamento de suas capacidades intelectuais. O ENEM e as cotas vêm atuando nessa direção, escancarando portas que antes estavam somente entreabertas, por onde pouquíssimos passavam.

Cada região deste país tem suas carências sociais, e cabe às universidades, em cada uma dessas regiões, pensar com clareza em suas políticas de mitigação das históricas injustiças sociais cometidas por uma sociedade que parece, por vezes, preferir a manutenção do status quo vigente, da estrutura social desigual em que temos vivido por séculos.

Assim, encerro reforçando que a AUTONOMIA constitucionalmente prevista para a universidade brasileira ganhou grande reforço com a decisão tomada pelo STF, mas enfatizando, também, que a solução dos problemas sociais e educacionais brasileiros não estará aí somente. Precisamos de uma revolução verdadeira nas políticas educacionais, que de fato vire tudo de cabeça para baixo e propicie um novo começo, em novas bases. Somente assim as gerações futuras poderão ter condições adequadas de vida, cidadania e respeito. E também a capacidade de sonhar e querer sempre ultrapassar os limites da construção/constrição histórica de seus grupos sociais.

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