Alexandre Vannucchi Leme, sorocabano, foi estudante de geologia da USP e militante do movimento estudantil. Acusado de integrar os quadros da ALN (Ação Libertadora Nacional), foi detido em 16 de março de 1973 pelos “encapuzados” da OBAN (Operação Bandeirante) – organização paramilitar que ganhou as ruas a partir de 1969 –, sendo barbaramente torturado e assassinado nas dependências do DOI/CODI-SP. Foi enterrado como indigente. Conforme a versão oficial da época, o estudante morreu atropelado por um caminhão, quando fugia da polícia.
Subversivo foi o golpe de 1964, que mergulhou o país num pântano de medo, de insegurança jurídica. Período em que cada policial virou autoridade para prender, torturar, matar a quem bem entendesse. Período em que vicejou o Esquadrão da Morte.
À época foi bastante disseminada, entre outras, a ideia de que os comunistas comiam criancinhas - no sentido literal, e não no atual sentido católico do termo.
A acima citada Operação Bandeirante (OBAN) tinha apoio, financiamento, de grandes empresários e a conivência da imprensa. Consta que a própria Folha de São Paulo emprestava seus camburões de entrega de jornais para que as prisões e o transporte de "elementos subversivos" fosse feito de forma discreta.
Daí o medo danado de muita "gente boa" da criação de uma Comissão da Verdade, ou da revisão da lei da anistia.
Quando fiz a graduação em Geologia, na década de 1970, o clima vivido na universidade era de tensão constante. A qualquer momento alguém poderia sumir. E sumia mesmo...
Toda universidade pública tinha uma "assessoria de segurança interna", onde o "assessor", um militar de alta patente, tinha uma sala bem próxima ao gabinete do reitor.
A infiltração de espiões do SNI entre os estudantes - eles matriculavam-se normalmente, como nós - gerava um clima de desconfiança entre os colegas. Na minha turma teve um tipo de quem chegamos a desconfiar. Muito bonachão, mais velho que todos nós, participava de tudo, estava em todas, tinha carro (o que era difícil naquele tempo para um estudante), dava carona pra todo mundo, conversava muito, ouvia muito. Em meados do governo Geisel ele deixou de frequentar as aulas. Mas ele não foi "abduzido" não! Alegou que ia partir pra outra etc. e tal, e escafedeu-se. Ficou a sensação de que ele poderia ter sido "plantado" pelo sistema de inteligência, e que, acabando essa missão, partiu para outra.
Um de meus professores, à época, sumiu, e o chefe do Departamento de Geologia informou que o professor não estava vindo porque tinha "sido mordido por um cachorro". O professor voltou, tempos depois, mas estava completamente diferente. Ele tinha perdido seu brilho, seu bom humor característico. Nunca comentou o que lhe ocorrera no período em que foi mordido, nem a raça do cachorro ele revelou.
Em pouco tempo ele deixou a universidade.
Desde então, eu vivo a universidade pública e pretendo nela permanecer até que a aposentadoria, ou a morte, nos separe.
Trabalhar em universidade pública é projeto de uma vida inteira. Fazer a universidade melhor a cada dia é o papel de cada um de nós que nela atua (servidores - professores e técnicos - e alunos).
Nosso ex-futuro colega, Alexandre Vanucchi Leme, se vivo fosse, poderia ser um forte aliado nosso nesse embate cotidiano pela melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro.
Quero crer que ele não seguiria os passos de outros líderes estudantis daquele período que hoje militam ao lado do capital, da subserviência do país a interesses pouco patrióticos. Que fugiram e se intitulam exilados, usando isso para alavancagem de suas carreiras políticas. No poder, mostraram-se pífios, descompromissados com o povo e com a busca do equilíbrio social.
Meus respeitos ao Alexandre e a todos os demais que deram sua vida ou sua lucidez para a causa da liberdade e da democracia.
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