O que vou escrever aqui é somente fruto da necessidade que sinto de expressar minha solidariedade aos movimentos populares, às concentrações e acampamentos de manifestantes que, finalmente, surgem na Europa.
Professor, geólogo sem pretensões literárias, não sou expert em economia ou qualquer coisa parecida, mas sim um cidadão preocupado. Vou falar um pouco do Brasil e do período sombrio que vivemos sob o pleno domínio do neoliberalismo.
Fala-se muito em liberdade de expressão, e vou exercer a minha liberdade a partir de minhas percepções e perplexidades ante o momento ímpar que vivemos, com muitas mudanças acontecendo e outras que decorrerão delas em pouco tempo. Por isso desato a escrever.
A insurgência no mundo árabe já está sendo contornada pelo poder norte-americano e europeu. Agora fico aguardando para ver como eles vão lidar com as insurgências dentro de suas casas.
Dou-me ao atrevimento de fazer um alerta para os bravos manifestantes europeus, que estão acordando da anestesia da ideia única que floresceu por aqui, e no mundo todo, na década de 1990, em que o Brasil quebrou várias vezes, tendo que correr para o FMI, de pires na mão, suplicando por socorro.
Época terrível em que representantes do FMI entravam no Brasil feito Cleópatra entrando em Roma (pelo menos como aparece no famoso filme com Elizabeth Taylor). Vinham "tomar conta", ver se o país estava seguindo direitinho a receita amarga que agora estão empurrando para cima de vários países europeus.
Foi um período obscuro, de desemprego, desesperança, desilusão. E também de salvamento dos bancos com recursos públicos.
Os europeus querem voltar a sonhar com um futuro. No Brasil a possibilidade de sonhar com um futuro foi sendo brutalmente destruída pelo regime militar. Mas quando um PhD em Sociologia, do partido Social-Democrata assumiu o poder, muitos acreditaram (eu não!) que as coisas iriam melhorar.
Mas qual! O sujeito entregou nossas empresas estratégicas de eletricidade, mineração, comunicação (incluindo nossos satélites) etc., criando "agências reguladoras" e reduzindo o tamanho do Estado, deixando a governança para esse ser impessoal chamado mercado, que se supunha capaz de se auto-regular. Mercado que ganhou de mão beijada, praticamente de graça, uma empresa como a antiga estatal Vale do Rio Doce. Vendeu as principais e maiores estatais de produção e distribuição de energia elétrica, a Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel), e por aí vai.
O argumento era que a iniciativa privada era melhor preparada para gerir tais empreendimentos.
A Petrobrás foi partida em sua estrutura. Ouvi de um amigo geólogo a informação de que à época o presidente da Shell teria afirmado que a Petrobrás era uma empresa muito grande e que seria quase impossível ser comprada. Em seguida FHC começou a fatiar a empresa, o que viria a facilitar sua venda em pedaços. Chegou-se ao ponto de ser anunciado um novo nome para a Petrobrás: PETROBRAX. Um nome mais "palatável", mais comercial, mais vendável.
Nesse mesmo período a grande imprensa neoliberal foi brindada com uma série de desastres ambientais da Petrobrás, utilizados para enlamear o nome da empresa no imaginário popular e diminuir a resistência à sua venda. Terceirizações e cortes de investimentos eram impostos à empresa, buscando fragilizá-la (veja mais detalhes em um manifesto dos petroleiros).
Felizmente, no governo seguinte, em que um operário, metalúrgico, assumiu a presidência da República, essa ideia foi posta de lado, se bem que o monopólio sobre o petróleo já tivesse sido quebrado.
A Petrobrás é hoje uma das maiores empresas petrolíferas do mundo, o que mostra que o Estado pode gerir muito bem empresas estratégicas. Por outro lado, a Petrobrás investe pesadamente na nacionalização dos equipamentos de que necessita. Os estaleiros brasileiros, que estavam em sua maioria falidos ou em vias de fechar, hoje se multiplicam, gerando empregos e desenvolvendo tecnologias. A Petrobrás é estratégica para o Brasil não somente pelo petróleo que pode produzir, mas por investir pesadamente no Brasil.
Já a privatizada Vale do Rio Doce, que passou a se chamar Vale, outra denominação mais palatável e vendável, teve crescimento brutal em seus lucros, que na verdade acompanhou ipsis literis a valorização das commodities no mercado mundial. A Vale é uma empresa que se centra praticamente na venda de em um só produto, o minério de ferro, para um só cliente, a China. Suas encomendas de navios, diferentemente da Petrobrás, foram feitas fora do Brasil, pois o fim maior da empresa privada é lucro. Não há envolvimento com o país.
Diante da possibilidade de crise internacional, em 2008, a Vale demitiu mais de mil funcionários, sem aguardar pelos efeitos da crise no Brasil. Foram mais de mil famílias deixadas à margem em nome da manutenção da margem de lucros. Os salários desses trabalhadores, no conjunto, deveria ser menor do que o salário do presidente da empresa, e possivelmente dos salários dos seus diretores.
O que vemos hoje é uma imensa lista de reclamações contra os serviços privatizados de telefonia, que abusam da paciência de qualquer cidadão. As agências reguladoras trabalham com viés dos interesses das empresas e não da população, seja no que tange a tarifas, seja no que tange a qualidade dos serviços.
Não afirmo que o Brasil seja a "oitava maravilha do mundo", mas que a coisa poderia ter sido bem pior se o PSDB tivesse continuado no poder, ah!, nisso eu acredito mesmo.
Portanto, amigos europeus, não engulam as receitas catastróficas.
Enfim, o capitalismo sempre se metamorfoseia para continuar se impondo, no imaginário de todos, como única possibilidade, e isso precisa ser revisto, para o bem da sobrevivência do homem na face desse planeta. Cooperação, fraternidade e solidariedade entre todos os povos devem predominar antes que seja muito tarde para a nossa geração e para as gerações vindouras.
Boa sorte ao #spanhisrevolution, e também a todos os movimentos populares no mundo que começam a enfrentar a opressão da classe política e do poder econômico. Paz para todos.
Quem sou eu
- Aquiles Lazzarotto
- Bebedouro, São Paulo, Brazil
- Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.
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