Na história das lutas trabalhistas, cada direito obtido pelos trabalhadores foi estabelecido após enormes embates contra o capital. Greves, passeatas e diversos outros tipos de enfrentamentos, com a mídia em geral ao lado do capital (que a financia especialmente como anunciantes em propagandas generosas), tentando desqualificar as atitudes dos trabalhadores. O termo que mais seduz a mídia capitalista é BADERNA. Depois vêm aquelas entrevistas com um estudante ou um pai de aluno - no caso das greves de professores - queixando-se dos prejuízos que sofrem... Geralmente os patrões, que fogem de negociações como o diabo foge da cruz, são isentados pela mídia.
As greves docentes soem ser longas. Como não há um prejuízo palpável, calculável em dólares, professores parados não afetam rapidamente, eficientemente, o deus Mercado. As greves chegam ao seu termo por cansaço, pode-se dizer. Algo como: isso está indo longe demais! Então, e somente então, o lado patronal resolve tomar alguma providência no sentido de chegar a um meio-termo com os grevistas. No caso do setor público, até pelo desgaste político que a longevidade de uma greve pode gerar.
Entretanto, há um lado da greve que poucos veem ou se dão conta. É o seu aspecto didático, de politização. As pessoas de alguma forma envolvidas com a greve - professores e alunos, no caso da greve docente - têm uma oportunidade excepcional de desenvolvimento de consciência política, de atuar e debater sobre pontos que não são debatidos na maioria das salas de aula e que são fundantes para a formação de cidadãos mais perceptivos sobre o mundo que cerca a escola, e que não é nada cor-de-rosa.
O mundo fora da escola tem que ser desbravado pelas gerações que se sucedem, e fingirmos na escola que tudo está bem só faz deseducar e despolitizar nossos estudantes. É ruim formarmos bons técnicos que sejam cegos à realidade política e avessos à participação política. A afirmativa, já nossa velha conhecida, de que quem se diz apolítico está assumindo uma posição política continua mais válida do que nunca.
Temos o hábito generalizado de eleger nossos governantes e representantes legislativos e simplesmente nos deitarmos na cama e deixar que aqueles que elegemos façam seu trabalho. Como se nossa responsabilidade terminasse no momento em apertamos aquele botãozinho "confirma".
O caráter didático da greve está em mostrar que devemos atuar cotidianamente na luta pelos nossos direitos. Está em entender que não há ninguém bonzinho nessa história. É o eterno cabo-de-guerra que funciona o tempo todo. Dos políticos conservadores, o que vemos é sempre a tentativa de rompimento e quebra de direitos trabalhistas, bem como de estabelecer normas que beneficiem os detentores do capital. Da mídia, explicita-se para os jovens - e para alguns mais velhos, também - a parcialidade com que trata movimentos sociais, buscando, além de desqualificá-los, criminalizá-los sempre que possível. Não existe imprensa isenta, e que assiste (eu não assisto há anos) o Jornal Nacional, desde que ciente dessa partidarização, percebe com clareza essa tendenciosidade.
A greve, portanto, é, além de instrumento legítimo e constitucionalmente previsto de luta do trabalhador, uma oportunidade ímpar para o envolvimento necessário de jovens no mundo real, em que atuarão em suas vidas profissionais. Serve para que não entrem de "gaiatos" em situações de exploração aviltante de seu trabalho, para que se posicionem adequadamente quanto aos interesses da nação e do coletivo, deixando o individualismo egoísta e competitivo e caminhando para o coletivismo cooperativo.
É preciso acordar a todos para o uso não inocente das palavras. O termo competência, usado com uma frequência avassaladora nos meios de comunicação, e mesmo dentro das nossas instituições de ensino superior, está vinculado a competitividade, jogando sobre cada indivíduo a responsabilidade sobre seu sucesso ou fracasso, levando-o a ignorar que há muitos outros fatores que dele não dependem e que podem barrar seu caminho para ter sucesso em seus projetos de vida. Se alguém não consegue ser bem sucedido é por sua própria culpa, e não dos desmandos políticos e da voracidade do capital ou das determinações imperiais dessa coisa abstrata que ninguém sabe onde mora ou trabalha, que é - volto a falar dele - o deus Mercado.
Portanto, na qualidade de educador, fico tranquilo para participar de uma greve, e espero que os alunos da universidade se deem conta de que sua infância já passou. São, em sua esmagadora maioria, jovens ingressantes no mundo adulto, que cada vez mais cobrará deles respostas adultas, sob pena de serem cooptados para o lado negro da força, agindo em nome do capital a despeito de serem trabalhadores.
Aproveitem, senhores e senhoras estudantes, o momento para saberem mais e para participarem de um ato político que lhes possibilitará discutir em profundidade a universidade e seus muitos caminhos de saber, além de sua milenar história que sempre foi baseada em embates com o poder instituído. Não embates para golpear ou derrubar os poderes constituídos, se estabelecidos em regimes democráticos de fato e de direito, mas sim para forçá-los a valorizar a educação e a formação qualificada dos nossos futuros dirigentes, tanto na política quanto no mundo do trabalho. Lembrem-se que do "outro lado" - do "dos outros lados" - há forças imensas pressionando esses mesmos poderes.
O capital e seus porta-vozes da mídia tentam fazer com que os jovens se despolitizem, produzindo e lançando modas sobre modas, BBBs, reality shows, jornalismo esvaziado de conteúdo, músicas de péssimo gosto e qualidade questionável, eventos mil para bebedeiras insanas, o celular que não pode deixar de ser consultado a cada dois minutos - como se o mundo girasse em torno das superficialidades e bobagens tanto dos celulares como das redes sociais. Ser adulto implica em tomar o mundo nas mãos e buscar conhecê-lo em profundidade, conhecendo, refletindo e reformulando sempre nossos pontos de vista a cada passo da nossa trajetória.
Para os professores mais jovens, está aí, também, a chance de aprendizado com os da "velha guarda", aproveitando o que de bom eles têm a observar e descartando o que possa ser ultrapassado. O elo entre gerações é importante, mas não significa necessariamente a mera reprodução do que já existiu ou foi feito. Às novas gerações cabe recolher a história e, de posse dela, apresentar novos caminhos. Alguém já disse - e me perdoem por esquecer o autor - que "o caminho se faz com o caminhar".
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