Rota oriental, Spain (Rafael Alberti / Soledad Bravo)
Soledad Bravo
Por Jorge Riechman
Salvar a Terra, intitulava-se dramaticamente o número de junho de 2010 de Investigación y Ciencia (a versão espanhola de Scientific American). Mas a questão é: ou salvar a Terra ou fazer bons negócios. Trata-se de uma disjunção excludente: ambas as propostas não são viáveis ao mesmo tempo.
O desajuste último, o que condena de forma inapelável este sistema econômico - o capitalismo que precisa de uma expansão constante, ainda que se encontre dentro de uma biosfera finita -, é uma ideia errônea: tratar de viver dentro de um planeta esférico e limitado como se se tratasse de uma Terra plana e ilimitada.
Como se os recursos naturais fossem infinitos, como se a entropia não existisse, como se os seres humanos fôssemos onipontentes e imortais.
Blas de Otero - de quem por fim foram publicados os poemas póstumos agrupados em Hojas de Madrid, con la galerna - queria escrever "a poesia nos séculos futuros com o pão sobre a mesa e um avião para Marte todas as quartas-feiras". Não chegou a intuir - como acontece com a maior parte de nossa esquerda - que o esforço para inaugurar a linha aérea para Marte (que não será inaugurada jamais, diga-se de passagem) é uma das causas que impedem que haja pão sobre a mesa.
Basta fazer contas durante dez minutos para saber que esta civilização está condenada. Inclusive a devolução da dívida, o pré-requisito do capitalismo, resulta matematicamente possível somente no curto prazo. No cálculo a que me referi outras vezes (e que recorda o bom George Monbiot), Heinrich Haussmann mostrou que um simples pfenning - um centésimo de marco alemão - investido a 5% de juros compostos no ano zero de nossa era teria somado em 1990 um volume de ouro equivalente a 134 bilhões de vezes o peso do planeta! (Dizia o físico Albert Bartlett que "a maior carência do ser humanos é sua incapacidade para entender as implicações da função exponencial" [1]).
E o capitalismo persegue um valor de produção comensurável com o reembolso da dívida... Puro wishful thinking: mas a semelhantes disparates subordinam-se as políticas e as vidas humanas (assim como as não humanas, é claro) sob a dominação do capital.
Endividar-se para crescer, e crescer para pagar as dívidas: assim se ligam capitalismo financeirizado e devastação ecológica.
Não há no planeta Terra recursos naturais suficientes para pagar a dívida emitida, acumulada, aceitada. Essa montanha de dinheiro virtual há de ser denunciada (a banca privada é uma das instituições que não podemos permitir em uma sociedade sustentável).
Um sistema socioeconômico que só sabe abordar a realidade - as realidades - em termos de rentabilidade e benefício está condenado. Isso é uma obviedade: mas uma obviedade sobre a qual nunca será demasiado insistir, já que as maiorias sociais, em nossos países, seguem sem vê-la.
Continuar pensando hoje em termos de business as usual - mais crescimento do consumo para que tire da produão; mais aumento da produção para incrementar o consumo; mais endividamento para crescer mais; mais crescimento para pagar a dívida - faz com que pareçamos crianças de 35 anos engatinhando no chão: não é verdade, não pode ser, o Papai Noel existe, não são os pais!
Mas já estamos ficando grandinhos, não é verdade? Já podem nos dizer que o Papai Noel é nosso pai? E que o "desenvolvimento sustentável" baseado em um suposto desacoplamento (decoupling) entre crescimento econômico e impacto ambiental é enganação dos poderosos ou autoengano?
[1] Textos deste professor de Física da Universidade de Colorado (Boulder) podem ser encontrados em seu sítio http://www.jclahr.com/bartlett/. Devo esta citação a Pedro Prieto.
Jorge Riechmann é professor de Filosofia Moral da Universidad Autónoma de Madrid e membro de Ecologistas en Acción.
Publicado no blog Tratar de comprender, tratar de ayudar em 21 de novembro de 2011, e no sítio Rebelión em 23 de novembro de 2011. Tradução minha.
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