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Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Greve nas federais não é "contra o governo", mas a favor do resgate da dignidade das Universidades
(8jun2012)


Tenho lido em alguns blogs comentários de leitores que, ou acusam os professores federais em greve de estarem apoiando José Serra nas eleições da capital paulista, ou apelam aos professores para que abandonem esta greve porque o momento não é politicamente apropriado.

Tentei responder, no sítio do Paulo Henrique Amorim, a um desses comentários. Talvez minha resposta tenha sido muito extensa e, por isso, não tenha sido publicada. Mas tem também o “talvez” de o sítio não querer dar espaço para esse tipo de contraditório.

Há vários aspectos que desmontam essa caracterização de a greve vir para “auxiliar” José Serra:
1. Trata-se de uma greve nacional, e não circunscrita à cidade de São Paulo.
2. Dentro do sindicato nacional dos professores das instituições de ensino superior (ANDES-SN) há uma parcela significativa de filiados e de membros da diretoria nacional que são filiados ou pelo menos simpatizantes ao PT.
3. As atuais reivindicações dos docentes das federais ao governo federal vêm sendo apresentadas desde o início de 2011.
4. O governo federal fez uma pseudonegociação, com rodadas de reuniões absolutamente esvaziadas de diálogo.
5. Diante da aparência de negociações, a greve não foi deflagrada em 2011, pois muitos professores da base do sindicato acreditaram que as mesas de negociações levariam a algum avanço.
6. Às vésperas da data que foi estabelecida pelas bases do sindicato para deflagração da greve, o governo federal editou Medida Provisória contendo a oferta feita por ele em 2011 e que foi rejeitada na ampla maioria das assembleias gerais ocorridas em todo o país.

As greves de professores das universidades federais são um gesto extremo ao qual o movimento docente só recorre quando um verdadeiro diálogo e uma negociação legítima não ocorrem.

As universidades federais são o que são, hoje, em termos de estrutura e organização legal, porque os professores vêm lutando há 32 anos, conseguindo o estabelecimento de isonomia, carreira docente, democracia, autonomia etc. num processo lento e contínuo de sua atividade sindical.

O ANDES-SN não é um sindicato que atua somente com vistas às questões salariais, o que, por si só já seria um motivo válido e legítimo. O Sindicato Nacional possui, em sua estrutura, grupos de trabalho permanentes, com participação totalmente aberta às bases em todo o país, responsáveis por estudar e propor políticas educacionais, plano de carreiras, políticas de saúde docente, acompanhamento da situação dos professores aposentados, além de acompanhar de perto as condições oferecidas pelas instituições de ensino para o permanente implemento da qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão.

O Sindicato Nacional tem uma preocupação permanente com a educação brasileira em todos os níveis, participando ativamente dos fóruns de discussão e de elaboração das propostas dos Planos Nacionais de Educação. A Universidade pública é tema central dos debates e lutas sindicais, o que permitiu que a Universidade pública sobrevivesse, a duras penas, às tentativas de neoliberais de precarização da educação pública para favorecimento do crescimento desenfreado das instituições privadas de ensino superior.

A Universidade pública quase faliu nas mãos do Ministro Paulo Renato de Souza, do governo FHC, pois a política de desmonte implicava em não repassar recursos para as universidades sequer pagarem suas contas de luz e de telefone. Os reitores tinham que participar de procissões a Brasília para, no Ministério da Educação, pedirem, de “pires na mão”, a liberação de recursos que eram devidos às suas unidades, e que eram retidos pelo Ministro.

O ex-ministro Haddad tem completa razão ao afirmar que nenhum de nós, professores federais, tem saudades do tempo de FHC. Muito pelo contrário. Foi um dos tempos mais sombrios para a educação superior pública.

O que ocorre atualmente, no governo Dilma, é que a busca ensandecida pelo superávit primário exigido pela grande mídia (porta-voz do Deus Mercado). Portanto, as reivindicações docentes, e a greve, sequer são tratadas nos informativos de maior circulação ou audiência. E quando o forem, será para descaracterizá-las e atacá-las. Claro está que essa mídia é vinculada aos interesses do capital, e esses interesses incluem a tomada do espaço da educação superior enquanto um filão rico em possibilidades de lucro.

Um sintoma de que as universidades estão relegadas a um segundo (ou terceiro, quarto) plano é o fato de os professores terem de negociar com o Ministério do Planejamento (MPOG) e não com o Ministério da Educação, que seria seu interlocutor natural. Isso mostra que a Educação não é prioridade, mas sim o “superávit”. O Sindicato Nacional sempre negociou, mesmo no tempo da ditadura civil-militar, com os Ministros da Educação. Nesse sentido, há que se recordas a atuação do ex-ministro Marcos Maciel, quem, enquanto Ministro da Educação, reunia-se longamente com os representantes dos professores das universidades autárquicas e das fundacionais e mantinha um diálogo efetivo, ouvindo, buscando entender, de fato, as necessidades das universidades e mostrando com clareza os limites do governo, mas acatando reivindicações e produzindo avanços que até extrapolavam as limitações de então.

A presidenta Dilma colocou, em sua campanha e em seu discurso de posse, ao qual assisti emocionado, até porque votei nela (e votaria de novo), que a Educação seria prioridade em seu governo. Pois bem! Fruto do crescimento econômico gerado nos governos Lula e Dilma, os mercados de trabalho das mais diversas áreas do conhecimento fortaleceram-se, oferecendo muito boas oportunidades para profissionais que até há alguns anos tinham que abrir casa de sucos ou vender apólices de seguros ao invés de exercerem a profissão para a qual foram formados.

No penoso período FHC, muitos egressos das universidades buscaram a pós-graduação (mestrado e doutorado) para sobreviverem com bolsas de estudos, por não quererem abandonar suas profissões. A falta de empregos gerou um inchaço dos programas de pós-graduação em todo o país. Com isso, formou-se uma reserva de doutores com poucas perspectivas de trabalho.

O presidente Lula ampliou as universidades e abriu concurso para contratação de docentes, o que foi muito bom. O que vivemos hoje é que aquela reserva de doutores já foi praticamente absorvida nas universidades em todo o país. Começa a faltar candidatos para novos concursos. Por quê? Além de o mercado de trabalho estar aquecido, absorvendo os graduados, a universidade vem deixando de ser uma opção atraente, por seus baixos salários, comparativamente aos das empresas, e por uma carreira pouco estimulante.

Outro dia escutei um colega, professor pesquisador doutor, pós-doutor etc. comentado que os alunos recém-egressos do nosso curso estavam, em UM ANO de atuação profissional, ganhando muito mais do que ele, que há TRINTA ANOS labuta em sua própria formação, em pesquisas, em preocupações pedagógicas e na formação desses estudantes.

As Universidades Federais cresceram em número de instituições e na oferta de mais vagas. As Universidades Federais participam ativamente na busca da diminuição das desigualdades sociais ao adentrarem, por iniciativa própria,  no debate e implementação dos sistemas de cotas sociais e/ou étnicas. Mas as Universidades Federais estão perdendo na luta pela conquista das melhores cabeças das quais necessita para garantir seus sucesso e crescimento futuros. As “melhores cabeças”, ou seja, aqueles profissionais que teriam muito a contribuir com o desenvolvimento desejado dessas instituições, estão sendo tomadas pela iniciativa privada, pelas empresas que agora veem a necessidade de investimentos em mão-de-obra qualificada.

Ingressar na carreira docente não é simplesmente arrumar um emprego. É uma carreira que se torna projeto de vida. É um projeto para mais de 35 anos. A Universidade passa a se confundir com a vida do docente, que a vive intensamente e cotidianamente. Nenhum professor desliga-se da universidade ao ir para casa, nem nos finais de semana ou ao sair de férias. O trabalho docente continua na cabeça do professor em todos os momentos, com reflexões cada vez mais aprofundadas sobre sua prática, sobre as suas propostas pedagógicas, sobre como lidar com cada nova turma que chega, que sempre é diferente, sempre desafiadora. O professor tem prazer em fazer melhor o seu trabalho e avalia permanentemente os resultados de suas experiências em sala de aula e fora dela, na convivência com seus estudantes.

O professor universitário é, por outro lado, fortemente cobrado para produzir conhecimento científico formal, além do conhecimento que ele produz continuamente nas reelaborações de suas práticas de ensino. E, infelizmente, há uma política de avaliação de produção que é quantitativa, ao invés de qualitativa. Quantos papers publicou? Quantos capítulos de livros ou livros? Quantos projetos de pesquisa dirige? Quanto financiamento de pesquisa conseguiu? Quantos estudantes de pós-graduação orientou? Quantos....? Quantos...? Tem gente enlouquecendo em meio a tantos “quantos”. Os “quais?”, os “como?” e os “por quê” são secundários.

Portanto, afirmo ser leviana a atitude de cidadãos que apontam para o nosso nariz e dizem que “este não é o momento de fazer greve”, ou que “vocês estão ajudando na campanha do José Serra”. E mais aqueles que afirmam que seus filhos estão sendo “prejudicados” pela greve. Esses últimos deveriam ter consciência de que, se seus filhos encontram hoje uma universidade pública a que têm acesso, isso se deve à perseverante batalha do movimento docente nas últimas três décadas, que enfrentou todas as tentativas de desmonte do sistema público de ensino superior, e não às benesses de um Estado que generosamente construiu o que hoje aí está.

O que nós, os professores, buscamos é a garantia de que os filhos, os netos e os demais descendentes dos nossos estudantes, e mais seus vizinhos, amigos e empregados, possam, também, ter a oportunidade de estudar em universidades públicas, gratuitas e de qualidade, e que possam continuar nesse labor de fazer do Brasil uma potência econômica inclusiva, com justiça e igualdade de oportunidades para todos.

Nossa greve não é contra o governo, mas a favor de uma Universidade pública digna da qual todos os brasileiros participem e se orgulhem.


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