O texto lá embaixo diz muito do que eu gostaria de saber dizer. Toda manifestação da indignação popular é válida e necessária, mas não se pode deixar de ver quem estimula e o por quê de eles estimularesm um movimento em que vamos nos engajar. Precisamos contextualizar política e historicamente a atuação. Movimentos que partem de grupos populares, representantes de segmentos diversos da sociedade organizada, de sindicatos, de sem-terra, de sem-teto, de trabalhadores, de mulheres etc. devem marchar para tornar visível suas lutas históricas.
Já movimentos organizados ou estimulados por entidades vinculadas ao empresariado, a parcelas da elite conservadora - e, principalmente, fortemente apoiados pela grande mídia, que vem explicitando mais e mais seu viés político conservador e sua "saudade" dos tempos em que a elite ocupava o poder em Brasília (verbas publicitárias públicas em profusão, por exemplo) -, esses têm que botar uma pulga atrás da orelha de quem se anime a se envolver no evento.
Eu sempre gosto de dizer que aquele dito "diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és" tem um fundo altamente preconceituoso. Ou seja, essa fala é impeditiva a que alguém tenha amigos ou conviva pacificamente com homossexuais, hippies, punks, baladeiros, nerds e às diversas categorias vítimas de bullying ou qualquer tipo de preconceito social.
Eu prefiriria que o dito popular fosse "diz-me com quem andas e dir-te-ei se vou junto". Com essa fala eu posso expor meu desconforto, minha discordância ou minha antipatia por essa ou aquela pessoa ou entidade, mas não discriminado esse ou aquele grupo social.
Sabendo que Veja, Estadão, Folha, O Globo, a Globo e seus congêneres estavam no bloco da Marcha contra a corrupão, eu, com base no dito popular reformulado, disse que não iria junto.
Issso gerou diversas reações no Facebook, de pessoas cujas sinceridade e honestidade eu conheço e me fazem respeitá-las. O lema da marcha é atrativo e convidativo para que a indignação seja exposta, posta na rua, gritada para todo mundo ouvir.
Afirmo que sair às ruas é necessário e muito bom para a consolidação da democracia, das liberdades democráticas, da liberdade de expressão e manifestação. Mas não podemos servir de manada para atender a interesses escusos, maquiavelicamente esttuturados pelo que há de pior em nossa elite conservadora. Aqueles que pouco se lixam para o povo recorrem ao povo para fazer pressão por eles, já que não têm conseguido seus objetivos com as constantes e usuais difamações de figuras públicas.
Repare-se que nunca as denúncias envolvem os corruptores. Ah, esses são empresários de sucesso, exemplos de pessoas que trilharam os "bons" caminhos da acumulação de capital. Capital, aliás, que enche a mídia de polpudas rendas publicitárias. O corruptor é tão condenável quanto o corrompido. Por que eles são invisíveis?
Se vamos lutar contra a corrupção, e devemos fazê-lo, tudo tem que ficar às claras, em todos os tempos e com todos os personagens envolvidos, doa a quem doa.
A revolução não partirá do vão livre do Masp
Por Matheus Pichonelli
Manhã fria e sem nuvens em São Paulo, e eles já se aglomeravam no vão livre do Masp, na avenida Paulista. Alguns cartazes (um deles citava a “justiça de Deus”), um certo barulho, alguns apitos, uma pitada de indignação e uma aparente desorientação representada pelo desavisado que errou de presidente ao erguer uma placa de “fora Lula, fora corrupção”… São dezenas (talvez duas centenas), a maioria jovens, protestando, no Dia da Independência, contra a corrupção.
Na organização do evento, espalhada pelas redes sociais, os pontos de exclamação se proliferam como lanças afiadas. Não se sabe exatamente o alvo, mas estão ali, exigindo que não sejamos omissos. Nada contra as boas intenções, mas o discurso que antecede a exclamação, mesmo que dentro de míseros 140 caracteres, propaga antes a preguiça que a indignação.
Em São Paulo, os mesmos pontos de exclamação já foram mais simpáticos. Mais bem-humorados também. Outro dia o Facebook ajudou a levar a Higienópolis uma galera que queria dar as caras e mostrar que, diferentemente da população local, não tinha vergonha de ser “diferenciada”. Foi a maneira encontrada para avisar que a questão do transporte público era mais nobre que o eventual incômodo causado pela democratização do acesso ao bairro. Funcionou: a associação de senhoras e senhores que reivindicava o direito ao isolamento se calou, o governador se manifestou, e a questão passou a ser discutida com seriedade. Ponto para os manifestantes.
Questão pontuais, e mais que legítimas, também levaram manifestantes às ruas em São Paulo em tempos recentes. Na intenção de escancarar o repúdio à opressão masculina, ainda reinante em rodas de conversa e abordagens pelas ruas, mulheres organizaram a Marcha das Vadias pelo direito de usar saia sem precisar ser agredida. Ponto para elas.
Mesmo a mais polêmica das marchas, a da maconha, propunha-se a provocar uma discussão pública: seremos obrigados a tomar bala perdida em nossas casas por um combate ao tráfico que enxuga gelo e pode ser desatado de outros modos? Ponto para os manifestantes, que chamaram a atenção para a imprensa e os órgãos públicos para a discussão, gostem dela (e da fumaça) ou não.
Mas o que seria protestar contra a corrupção? A organização, por meio do Facebook, explica: é uma “guerra contra o mau político, contra a corrupção que assola nas esferas federal, estaduais e municipais, contra as obras superfaturadas, contra as licitações viciadas e fraudulentas, contra os desvios de verbas, contra o ‘retorno’ (comissão) cobrado por políticos e funcionários públicos para liberação de verbas públicas, e contra a degradação da nação está começando (sic)”.
Faltou pedir para que as pessoas saiam às ruas – com bandeiras e fitas verde e amarelas, frise-se – contra a maldade humana, contra o frio, contra os enjoos nos navios, contra a gripe, contra a frieira, contra aquelas malditas tomadas de três pontas, contra o mau futebol, contra o provedor de internet que só garante 10% da velocidade e contra o suco de laranja a 4 reais. Um manifesto contra tudo isto que está aí teria somente o mesmo efeito: um grande grito por mudanças para que tudo continuasse exatamente igual, salvo a indignação e a sensação de distinção de quem afirma não compactuar com os desmandos de mandatários que, colocados assim, parecem distantes de tudo, numa outra realidade.
Os pontos de exclamação – tanto contra a corrupção como contra as tomadas de três pontas – são justos. Denotam preocupação com o estado das coisas, num certo modo, digamos, paulistano de demonstrar indignação. E que, na prática, nada traz de novo, ainda que os pontos de exclamação estejam afixados em cartazes impressos em mimeógrafos, impressoras a laser ou na fluidez do Facebook. No Brasil, a experiência da queda do primeiro presidente eleito, sem base no Congresso e na grande imprensa, deu a impressão de que sair de preto às ruas em sinal de protesto era causa e não efeito de algo já consolidado. Desde então, todos querem ser um cara-pintada quando crescer. Todos querem sair caminhando e cantando e seguindo a canção e ter uma causa. Mas a canção, num país de democracia minimamente consolidada e órgãos de controle minimamente operantes, passa a ser outra. Tirar o feriado para pedir o fim da corrupção, nesses termos e alguns pontos de exclamação, só faz lembrar uma antiga música em que Raul Seixas dizia: “O que você quer em sua vida é só paz, muitas doçuras, seu nome em cartaz, mas fica arretado se o açúcar demora, e você chora, você berra, você pede, implora…”
Pode não parecer, mas o combate à corrupção é feito sem estardalhaço. É feita por meio de pressão, e mais pressão, sobre quem permite pequenas brechas que possibilitam desvios e travam a transparência no País. Enquanto pontos de exclamação pipocam nas telas do computador e apitos na Paulista, uma discussão sobre reforma política é desenhada em Brasília: nos corredores do Congresso, debate-se as formas de financiamento de campanhas (“te ajudo hoje, você me ajuda amanhã”), a regulação do lobby (“quem são eles?”), emendas parlamentares (“por oito reais para minha base, voto com o governo até para enforcar a mãe”). Amadurece, ao mesmo tempo, a hora para novos debates, num País que ainda discute de que maneira delitos políticos são passíveis de punição. Vide o caso Jaqueline Roriz, cujo escrutínio da opinião pública passou ao largo de uma votação secreta.
Talvez seria pedir demais que se entendesse os mecanismos de corrupção – de duas vias, quase sempre, entre público e privado – antes de sair às ruas pedindo a extinção de um inimigo que poucos reconhecem o rosto. Sem isso, a manifestação passa a ter como alvo a representação pública, a própria democracia, e não o corruptor em si – mas para isso, e aí sim seria pedir muito, é preciso dar nome aos bois. Que tal o das grandes construtoras ou outras grandes detentoras de contratos públicos cujos diretores aplaudimos de pé quando aparecem na tevê para dar palestras ou testemunhos sobre como vencer na vida?
Como lembra o cientista político Leonardo Avritzer, da UFMG, em recente artigo nesta CartaCapital, “sem corrigir alguns processos na organização do Estado e do sistema político, a corrupção voltará a estar presente nestes mesmos lugares”, faça a presidenta Dilma Rousseff a “faxina” que quiser. Porque todos os debates acima colocados ainda engatinham. E engatinham com ou sem o grito dos indignados, hoje patrocinados pela OAB e pela CNBB.
Diante de tudo isso, é possível garantir que, enquanto algumas dúzias de paulistas gritam contra a corrupção, os probos que livraram Roriz e se aboletam sobre obras públicas (para desviar o “nosso dinheiro que pagamos com tanto sacrifício”, como diz o protesto) riem. Ou dormem neste feriado.
Nesse cenário, o vago protesto contra a corrupção não deixa de ser didático. Ao menos mostra que, enquanto ingenuidade e instrumentalização política marcharem juntas, fica quase impossível dizer que, no Brasil, a revolução ainda será Twittada, como no mundo árabe. Quando o for, ela não partirá do vão livre do Masp.
Matheus Pichonelli - Formado em jornalismo e ciências sociais, é subeditor do site de CartaCapital e colaborador da revista desde maio de 2011. Escreve sobre política nacional, cinema e sociedade. Foi repórter do jornal Folha de S.Paulo e do portal iG. Em 2005, publicou o livro de contos 'Diáspora'.
Fonte: CartaCapital
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