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Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O Brasil também se mobiliza (19set2011)

A olhos nus (José Miguel Wisnick)
Ná Ozzetti


Há algo de novo na República de Bruzundanga

O Brasil – devem alguns imaginar – talvez esteja mais uma vez excluído do bonde da História

Por Luiz Ricardo Leitão

Estudioso no mundo do trabalho, o professor Ricardo Antunes escreveu há poucos dias um oportuno artigo no qual enuncia que a percepção de que as elites saqueiam o Estado, “minguando os recursos para saúde, educação e previdência”, chegou definitivamente à periferia. “A tela está ficando quente”, sentenciou o titular de Sociologia da Unicamp, consignando em seu texto a série de protestos e revoltas deflagrados desde o início de 2011 nos quatro cantos do planeta.

Na Grécia, “a pólis moderna presenciou uma nova rebelião do coro”, em violenta reação à fórmula de captação de recursos públicos em prol das grandes corporações. Já a Tunísia deu o alerta no mundo árabe, farto da explosiva receita de opressão e miséria sob um regime de benesses dos clãs sustentados pela riqueza petrolífera. Portugal viu surgir a “geração à rasca”, que só em Lisboa reúne mais de 200 mil jovens e imigrantes, quase todos sem trabalho ou subempregados; são eles os criadores do movimento Precári@s Inflexíveis, cujo manifesto evoca o tom libertário dos documentos escritos pelas organizações de trabalhadores em épocas de agudo conflito social. Eis alguns trechos:

“Somos operadores de call center, estagiários, desempregados [...] Não temos férias, não podemos engravidar nem ficar doentes. Direito à greve, nem por sombras. [...] Estamos na sombra, mas não calados. Com a mesma força que nos atacam os patrões, respondemos e reinventamos a luta. Afinal, nós somos muito mais do que eles. Precári@s, sim, mas inflexíveis.”


A inquietude, por certo, espraiou-se por vários outros rincões. Há indignação na Espanha, onde 47% dos jovens de 18 a 24 anos não têm emprego, e na Inglaterra, sacudida por violenta rebelião depois que a polícia assassinou um jovem trabalhador negro no bairro de Tottenham, em Londres. E a onda há muito já se manifesta no Chile, aglutinando estudantes e trabalhadores contra a falida política neoliberal do governo Piñera, em mais um exemplo cabal das inúmeras “transversalidades” que se estendem entre classe, geração, gênero e etnia – “um sinal dos novos tempos”, segundo nos adverte Antunes.

O Brasil – devem alguns imaginar – talvez esteja mais uma vez excluído do bonde da História. De fato, seja pela política de “compensação social” da era Lula, seja por meio da cooptação de boa parte das lideranças sindicais pela máquina do Estado, a impressão que se tem é a de que o movimento popular estaria em compasso de espera, aguardando a evolução da conjuntura para assumir uma postura mais incisiva no cenário de profunda iniquidade nacional.

Ledo engano, meu caro leitor. A chapa também está ficando quente por aqui. Enquanto escrevo esta crônica, mais de três mil estudantes saem às ruas de Teresina, em combativa marcha contra o aumento no preço das passagens de coletivos. E outros tantos operários da construção civil voltam a cruzar os braços no Maracanã, exigindo do onipotente consórcio (Andrade Gutierrez, Odebrecht e Delta) que realiza a polêmica obra de “reforma” do estádio condições básicas de trabalho para prosseguir sua jornada. Isso sem falar na luta dos nossos colegas docentes das escolas e institutos federais de ensino, que foram “recepcionar” Dilma e Haddad na Bienal do Livro (RJ), pleiteando, com vigor, mais recursos públicos para a Educação, área cada vez mais dominada por empresas privadas e grupos de investidores ávidos de lucro fácil (já existem até páginas na web oferecendo “descontos” de 80% nas faculdades!).

Mesmo sem o grau de organização e amplitude de grupos como a “geração à rasca” portuguesa ou o movimento estudantil chileno, é possível perceber que há algo de novo na República Federativa de Bruzundanga. Crescem, em quantidade e qualidade, as demandas das classes populares, após uma era de refluxo das lutas sociais e ostensiva cooptação de seus líderes. Parafraseando Ricardo Antunes em sua alusão à cena mundial, a tela já está esquentando do lado de cá – e haja Itaquerão para aplacar a indignação desta gente bronzeada quando ela começar a mostrar seu valor...


Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista do Brasil e de Lima Barreto – o rebelde imprescindível




Crônica originalmente publicada na edição impressa 445 do Brasil de Fato e postada em 16 de setembro de 2011 no sítio Brasil de Fato.


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