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Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Mudanças na economia mundial com as hegemonias tradicionais em rápida deterioração (30jun2011)

O mundo é um moinho (Cartola)
Cazuza



Artigo do sítio Rebelión, de 30 de junho de 2011. Fiz essa tentativa de tradução do original em espanhol.

Por Oscar Ugarteche
Alai-amlatina

No presente trabalho se fará uma revisão dos elementos que marcam a crise de hegemonia estadunidense e a crise geral do capitalismo em curso. Serão revisados os processos que têm afetado a crise econômica e se tentará revisar a crise hegemônica stricto senso. A hipótese é que há um translado do poder das velhas economias do G7 para outro conjunto de economias, uma luta pelo poder por parte das potências em decadência e uma falta de tomada de iniciativa pela parte das novas potências. Os países do novo G7 parecem comportar-se, na América Latina, igual aos do velho. Tudo indica que estamos em uma mudança de tempos que traz consigo uma mudança de regime internacional.


A crise hegemônica e seu desenvolvimento 2007-2001

Para aqueles que têm refletido sobre crises, a atual tem demonstrado estar melhor retratada em ondas sinuosas, mais próximas às ondas sonoras do que às letras. O certo é que de fato é uma crise de duas velocidades com o que se demonstrou que a economia dos Estados Unidos já não cumpre seu papel de difusor do crescimento como o fazia entre 1930 e 1990. Dizia-se que se os Estados Unidos pegassem um resfriado, o resto do mundo teria pneumonia. A verdade é que a pneumonia dos Estados Unidos deu uns resfriados na América do Sul, deu gripe na região do Caribe e, após uma breve dor de cabeça, deixou a Ásia intacta. Entretanto, às economias mais maduras e articuladas entre si a pneumonia foi transmitida plenamente, primeiro ao sistema financeiro, em seguida ao produtivo, e depois os ajustes, ao consumo e ao gasto público. O que diferencia esta crise da de 1929 é a dívida pública das economias ricas, que então não teve grande relevância. A crise de 1929 foi levada às economias em desenvolvimento pela mesma razão que em 1981: o aumento das taxas de juros e a baixa das matérias primas. Esse não é o caso agora.

Ainda que antes da crise não era evidente que a Europa e o Japão já eram nações ricas altamente endividadas (NRAE), a realidade foi que depois de 2007, junto com os Estados Unidos, começaram a sentir os impactos de seu alto nível de endividamento privado e público. A dimensão do problema de 2007 em diante foi menos evidente para os Estados Unidos que, com uma altíssima dívida interna por consumo, não se esperava que entrasse em uma espiral contrativa marcada. Pensou-se que haveria um ajuste nas contas hipotecárias e se retornaria ao caminho do crescimento. Quatro anos mais tarde todos antecipam que não haverá crescimento em nenhuma das economias líderes, salvo talvez a Alemanha. O que começou como um problema de finanças, como em 1929, está se transformando em um problema maior de paradigma produtivo e de regras do jogo: ou seja, de paradigma teórico. Ainda que esse não seja um aspecto acadêmico, não se deve deixar de frisar que os ajustes econômicos que o FMI pede aos europeus são análogos aos que pedia à América Latina em seu tempo, e nessa medida, sua visão teórica do mundo permanece estática ainda que o que causou esta crise tenha sido a teoria onde os mercados desregulados resolvem seus problemas e onde quanto menor a intervenção do Estado maior o crescimento econômico.


Algumas contextualizações sobre a mudança de regime internacional

As instituições internacionais criadas para a ordem mundial de pós-guerra foram lentamente convertendo-se em obsoletas. O regime internacional construído em torno à hegemonia estadunidense e à pax americana chegou ao seu fim. A privatização da guerra e a difusão do objeto da guerra são parte do declive hegemônico. A impossibilidade de impor suas regras do jogo ao mundo e de liderar uma saída da crise parece estar consolidando ainda mais a ideia de mudança de regime internacional.

A Organização Mundial do Comércio é a primeira instituição cuja criação, no final do regime anterior, a faz parecer obsoleta antes da descolagem. Os EUA mutilaram o multilateralismo em seu favor para criar um sistema bilateral que deslegitima o multilateralismo de pós-guerra e abre uma competição singular. O medo neoconservador do multilateralismo na era Bush era um sintoma da mudança de regime. Se o novo esquema internacional passa por acordos bilaterais em todos os campos, a competição será à custa do hegemônico e abrirá portas para hegemonias regionais. Nesse sentido, por exemplo, é possível que o uso do dólar como moeda de troca entre em decomposição, possivelmente em conjunto com as mudanças no sistema monetário internacional, que tendem à regionalização. Na verdade, dada a volatilidade do dólar, há uma tendência de usar moedas nacionais no pagamento do comércio internacional, tanto a China em sua esfera de influência, e o Brasil em sua própria e a Rússia. A perda de hegemonia dos EUA é evidente e seu apoio por meios militares não parece proporcionar uma nova dinâmica econômica, mas o contrário, o aprofundamento do declínio na legitimidade política e econômica.

Da economia política internacional, Ruggie (1982) sugere que os regimes internacionais têm sido definidos como instituições sociais em torno das quais convergem as expectativas dos atores em uma determinada área das relações internacionais. Pode-se dizer que regimes internacionais são semelhantes à linguagem: podemos considerá-los como parte da "linguagem de ação do Estado" (380). "As formações e transformações de regimes internacionais podem ser uma manifestação concreta da internacionalização da autoridade política" (380). Ele acrescenta: "Na organização de uma ordem liberal se dá lugar à racionalidade do mercado. Isso não significa que a autoridade esteja ausente de tal ordem. Isso significa que as relações de autoridade são construídas de modo a dar o máximo alcance às forças de mercado ao invés de limitá-las" (381). Isso, porém, não explica a transformação dos regimes internacionais.

Para Ruggie, a estrutura da internacionalização da autoridade política reflete a fusão do poder com propósito social legítimo. Finalidade social é o que distingue uma iniciativa única a partir de dois eixos diferentes de poder. A forma pode ser a mesma, mas o conteúdo é diferente. Para entender o conteúdo tem que ver como se fundem o poder e o propósito social e como se projeta autoridade política ao sistema internacional. "A relação entre regimes econômicos e as transações internacionais é intrinsecamente problemática porque o âmbito dos regimes internacionais envolve o comportamento dos estados, um em relação ao outro e de ambos com o mercado, e o próprio mercado" (383), "os regimes econômicos internacionais proporcionam um ambiente permissivo para o surgimento dos tipos de fluxos de transação internacionais que os atores tomam como complementares à fusão particular de poder e proposta social que está incorporada dentro desses regimes" (383).

O modelo realista propõe uma fonte e duas direções de mudança de regime, o que mostra a ascensão ou o declínio da hegemonia e a abertura ou o fechamento. Na visão de Ruggie isso abre várias possibilidades: Mais hegemonia com fechamento, perda de hegemonia com abertura ou, como visto depois da Pax Americana, mais hegemonia com abertura. É necessário levar isso em conta para compreender as maneiras como em diferentes regiões do mundo estão se formando novos espaços político-econômicos, que desenham um horizonte pós Pax Americana, com hegemonias regionais e uma nova arquitetura do poder internacional refletindo novos fluxos de comércio e investimento desde novos eixos de poder. Parece haver nos primeiros anos deste século uma forte covariância entre mudanças de eixos de poder e mudanças de propósito social. Estes são, em parte, um reflexo da fraqueza do velho poder consubstanciado no "velho" G7, liderado pelos Estados Unidos. Os problemas da depreciação do dólar contra o euro e as moedas da América Latina entre 2002 e 2010, expressam, por sua vez, o fortalecimento dos novos eixos do poder e a dinâmica do crescimento econômico a partir de novos eixos regionais em meio à crise global, refletindo a fraqueza das potências dos velhos eixos de poder.

O chamado mundo pós Consenso de Washington reflete-se na América Latina em uma dúzia de países, na Ásia por quase todos, enquanto na Europa há uma retração ao seu desenho social do pós-guerra, que se alinha com a concepção do obsoleto Consenso de Washington, em detrimento de seu próprio projeto, como já feito pela Grã-Bretanha. A debilidade hegemônica não significa que os interesses financeiros que dominam a dinâmica capitalista contemporânea tenham enfraquecido. O que parece é que esses interesses foram descolados do interesse nacional e, como o militar, tornou-se um fim em si mesmo, enfatizando a debilidade hegemônica.

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